20 janeiro 2012

O COSTA CONCORDIA E O ESTUPRO DO BBB - Mair Pena Neto

Se determinados episódios simbolizam o fim de uma era, como o naufrágio do Titanic foi para a Belle Époque, podemos ter a esperança de que o acidente com o navio Costa Concordia, na Itália, e a suspeita de estupro no Big Brother Brasil venham a representar uma mudança na condução de políticas e programas, que simbolizam o espírito liberal, permissivo e desregulado que marcou o fim do século 20 e a primeira década do século 21.


É possível dizer que o acidente com o Costa Concordia encerra um período em que a Itália esteve entregue a um governante mafioso, encantado por buga-bugas, regadas a sexo, champagne e menores, uma espécie de BBB privado na vida um homem público. Os escândalos berlusconianos, reforçados por comportamentos inconvenientes também na vida pública, como referências depreciativas a outros chefes de Estado, "animavam" a condução do país rumo ao desastre econômico, simbólico da atual crise do neoliberalismo.

O capitão do Costa Concordia revela-se, assim, um bufão como Berlusconi. Para homenagear um tripulante, ignorou ser responsável pela segurança de mais de quatro mil pessoas, e aproximou-se perigosamente da costa italiana. Ao rasgar o casco do navio nas rochas próximas à ilha de Giglio, disse que as pedras não deveriam estar ali. E, pior, fez como os ratos, sendo o primeiro a abandonar o navio, deixando passageiros e tripulação à própria sorte.

A divulgação do áudio em que o comandante do navio, assustado e infantilizado diante do desastre que provocou, é energicamente advertido pelo chefe da capitania dos portos de Livorno de que tem que retornar à embarcação e assumir suas responsabilidades representa a restauração da dignidade diante de um episódio que reflete o desprezo pelas vidas humanas que marcou os anos de neoliberalismo na Itália, na Europa e no mundo.


Todo mundo vibrou e se impressionou com as palavras firmes do chefe da capitania dos portos, Gregorio de Falco, que demonstrou que os desastres têm responsáveis e que estes precisam se responsabilizar pelo que fazem. O capitão do Costa Concordia seria como os banqueiros que agiram muito além do limite da responsabilidade e sairam livres do estrago que causaram. Se estes não foram punidos - ao contrário, receberam socorro e ainda continuaram recebendo elevados bônus -, por que deveria pagar pelo acidente que custou 11 vidas e duas dezenas de desaparecidos, deve ter pensado o comandante do Costa Concordia.

Assim como o acidente do Costa Concordia, o suposto estupro no Big Brother Brasil expôs a irresponsabilidade do programa televisivo, regado a festas, álcool e exploração explícita da sexualidade, que, desta vez, se traduziram em movimentos além do esperado sob o edredon. O episódio, que se transformou em investigação policial, foi apenas um passo adiante na permissividade do programa que incita comportamentos transgressivos diante de uma platéia de milhões de telespectadores. Seria hipocrisia alguém dizer que ficou chocado.

O que o suposto estupro ao vivo pode trazer de importante é a exigência de um compromisso definitivo das emissoras com o preceito constitucional de que sua programação deve atender finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, e respeitar valores éticos e sociais. Nada disso está contemplado no BBB e nos seus congêneres que proliferam em vários canais de televisão.

Tal exigência só pode ser exercida por uma participação cidadã no que é veiculado pelas emissoras de rádio e TV, que são concessões públicas, e, portanto, sujeitas a regras. Seria o controle social justo e democrático, que seus opositores tacham de censura. Interferir nas programações é zelar por sua qualidade e capacidade de contribuir para a educação, formação e diversão da população. Não é dirigismo de Estado e nem censura. Até porque deve ser feita por conselhos independentes, integrados por representantes de diferentes segmentos da sociedade, que assegurem sua pluralidade. Coisa que já existe em países europeus sem que tenham deixado de ser democráticos e gerado qualquer prejuízo às emissoras locais.

Extraído do sítio do Direto da Redação

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