11 maio 2013

MENSALÃO: A HISTÓRIA DE UMA FARSA - Miguel do Rosário


Alguns livros já foram escritos sobre o mensalão enquanto processo político, outros tanto sobre o julgamento. Entramos agora, porém, numa outra fase bibliográfica, muito mais decisiva. Junto com as últimas defesas dos réus (os embargos), vieram à luz uma série de documentos até então subtraídos à consulta pública. Estes documentos vieram se somar à perplexidade, até hoje não superada, em relação ao sinistro circo que assistimos em 2012, quando juízes da mais alta corte rasgaram os princípios básicos do direito moderno, do bom senso e da própria jurisprudência para chancelarem um justiçamento que interessava a poderosos agentes do conservadorismo político nacional.

A mentira segue o padrão de uma doença. Ela fere o corpo com enorme virulência num primeiro momento; em seguida, o uso dos remédios certos e, sobretudo, a entrada em ação de anticorpos, gera um período de convalescença; por último, o corpo humano pode sair fortalecido. Digo “pode sair”, porque é preciso que tenha, efetivamente, vencido a doença; em caso contrário, poderá sofrer uma reincidência muito mais lesiva, ou mesmo fatal.

O processo político do mensalão caminha por duas vias paralelas, que às vezes se tocam, em outras se afastam, mas desde o início interagindo intensamente. Numa, há o julgamento nas instituições. Noutra, na opinião pública. Nas instituições (STF e, eventualmente, alguma corte internacional), o julgamento se aproxima do fim de um ciclo. Na opinião pública, a última palavra não é dada por nenhum ajuntamento burocrata, doméstico ou estrangeiro, e sim por esta vetusta, calma e irônica senhora chamada História. Neste campo, o julgamento ainda está só começando.

Agora sim, as pessoas têm acesso aos documentos. Não documentos periféricos, referentes a detalhes do processo, mas documentos estratégicos, centrais, que determinam e embasam todas as acusações e todas as defesas.

Agora sim, terminado o ruflar histérico de tambores que testemunhamos em 2012, num julgamento realizado em paralelo a um processo eleitoral, podemos analisar o processo do mensalão com serenidade. Podemos escutar as versões dos réus, ler os documentos, conversar francamente sobre o que realmente aconteceu naquele período.

Temos ainda um mínimo de distanciamento histórico para entender uma série de coisas. Mais importante que tudo: entendemos hoje os resultados profundamente danosas à democracia se não levarmos esse debate às últimas consequências.

É aí voltamos a nos encontrar com o que existe de mais sólido em nós mesmos. Não apenas queremos saber a verdade, a verdade nua e crua: nesse ponto, queremos agir com a seriedade que faltou aos juízes. Queremos ler, reler e analisar os documentos, alguns deles só há pouco disponibilizados ao público. São estes documentos que nos dão base para assumir uma postura bem diferente a partir de agora. Não mais na defensiva. Queremos encetar um contra-ataque político que vise cobrar uma parte, ao menos, do profundo dano moral que as arbitrariedades causaram a milhões de brasileiros e à democracia.

Não temos interesse de eximir o PT dos erros e dos crimes que tenha cometido. Mas a questão já não é o PT. A questão, hoje, é a discussão da verdade, a denúncia do arbítrio, da mentira, e do insuportável risco à democracia que é a conversão do Supremo Tribunal Federal num instrumento político e partidário manipulado por interesses econômicos obscuros.

Os documentos provam que a teoria do mensalão não se sustenta. Podemos admitir, com profunda tristeza, que um STF corrompido pela vaidade e pela chantagem, possa enveredar pelo arbítrio e agir na contramão da ética e da legalidade. Isso nos deixa consternados e preocupados, mas um processo político ainda é algo maior que tudo isso. O que não deixaremos passar, jamais, é a manipulação da história. Os ministros do STF, a mídia, a procuradoria geral da república serão denunciados às futuras gerações como protagonistas de uma vergonhosa página da política brasileira. A Constituição Brasileira não é apenas um punhado de leis. Ela encarna um espírito, uma visão de mundo, um destino. E nisto houve uma traição imperdoável dos juízes aos valores encorpados na Carta Magna.

O PT não é santo. Houve caixa 2 nas campanhas de 2002, 2004, 2006, possivelmente em todas as campanhas petistas. O PT foi o único partido que assumiu francamente a culpa de fazer o que todos faziam: caixa 2.

Mas o STF fez de tudo justamente para derrubar a teoria do caixa 2 e, contra todas as evidências documentais, produziu uma tese fictícia, sustentada sobre declarações vazias, testemunhos contraditórios e ilações descabidas. As maiores lideranças políticas de uma geração foram condenadas sem apresentação de nenhuma prova. A mídia conseguiu derrubar líderes eleitos para glorificar heróis no Ministério Público e no Judiciário – o que não seria exatamente um problema não fosse a quantidade constrangedora de erros crassos, contradições, injustiças, que caracterizaram o julgamento.

Lembrando o ditado popular, é hora da onça beber água. Contra o arbítrio, vamos contrapor o debate democrático, à luz do dia, transparente, feito com serenidade, amparados em documentos. Eu farei a parte que me cabe como jornalista, blogueiro e intelectual: trabalhar duro, escrever, ponderar, analisar. O Paulo Moreira Leite escreveu um excelente livro sobre o tema, mas há um manancial de informações ainda não explorado e, sobretudo, não concatenado num conjunto.

Em suma, durante as próximas semanas, O Cafezinho publicará uma série de artigos diários sobre o mensalão, ancorado em documentos e entrevistas com pessoas que sabem, com relativa precisão, tudo o que, de fato, aconteceu.

O primeiro artigo virá ao ar hoje à noite, sábado, dia 11 no domingo à tarde, dia 12 de maio de 2013, fruto de uma longa entrevista que realizei por esses dias com Henrique Pizzolato, além de muitos documentos.

Ao cabo de algumas semanas ou meses, possivelmente publicaremos um livro. Felizmente já existe um bom filão no mercado para quem deseja explorar o outro lado das histórias midiáticas, como mostraram as tiragens espetaculares da Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr, e da A Outra História do Mensalão, de Paulo Moreira Leite. A direita platinada publicou uma dezenas de livros com a sua versão sobre o mensalão. A esquerda agora inicia a produção de sua própria bibliografia.

PS: Diante da importância pública do debate, e porque ainda temos esperança de que algumas injustiças sejam corrigidas no julgamento dos embargos, deixarei os posts abertos. Para pagar ao menos parte deste empreendimento, que não será moleza, conto com a sua generosidade na forma de doações (clique aqui) ou assinaturas do blog O Cafezinho (aqui).

Extraído do sítio O Cafezinho

10 maio 2013

POR QUE OS MÉDICOS CUBANOS ASSUSTAM - Pedro Porfírio

Elite corporativista teme que mudança do foco no atendimento abale o nosso sistema mercantil de saúde.
  
Só em 2011, médicos cubanos recuperaram a visão gratuitamente de 2 milhões de pessoas em 35 países

A virulenta reação do Conselho Federal de Medicina contra a vinda de 6 mil médicos cubanos para trabalhar em áreas absolutamente carentes do país é muito mais do que uma atitude corporativista: expõe o pavor que uma certa elite da classe médica tem diante dos êxitos inevitáveis do modelo adotado na ilha, que prioriza a prevenção e a educação para a saúde, reduzindo não apenas os índices de enfermidades, mas sobretudo a necessidade de atendimento e os custos com a saúde.

Essa não é a primeira investida radical do CFM e da Associação Médica Brasileira contra a prática vitoriosa dos médicos cubanos entre nós. Em 2005, quando o governador de Tocantins não conseguia médicos para a maioria dos seus pequenos e afastados municípios, recorreu a um convênio com Cuba e viu o quadro de saúde mudar rapidamente com a presença de apenas uma centena de profissionais daquele país.

A reação das entidades médicas de Tocantins, comprometidas com a baixa qualidade da medicina pública que favorece o atendimento privado, foi quase de desespero. Elas só descansaram quando obtiveram uma liminar de um juiz de primeira instância determinando em 2007 a imediata “expulsão” dos médicos cubanos.

No Brasil, o apego às grandes cidades

Dos 371.788 médicos brasileiros, 260.251 estão nas regiões Sul e Sudeste

Neste momento, o governo da presidenta Dilma Rousseff só está cogitando de trazer os médicos cubanos, responsáveis pelos melhores índices de saúde do Continente, diante da impossibilidade de assegurar a presença de profissionais brasileiros em mais de um milhar de municípios, mesmo com a oferta de vencimentos bem superiores aos pagos nos grandes centros urbanos.

E isso não acontece por acaso. O próprio modelo de formação de profissionais de saúde, com quase 58% de escolas privadas, é voltado para um tipo de atendimento vinculado à indústria de equipamentos de alta tecnologia, aos laboratórios e às vantagens do regime híbrido, em que é possível conciliar plantões de 24 horas no sistema público com seus consultórios e clínicas particulares, alimentados pelos planos de saúde.

Mesmo com consultas e procedimentos pagos segundo a tabela da AMB, o volume de clientes é programado para que possam atender no mínimo dez por turnos de cinco horas. O sistema é tão direcionado que na maioria das especialidades o segurado pode ter de esperar mais de dois meses por uma consulta.

Além disso, dependendo da especialidade e do caráter de cada médico, é possível auferir faturamentos paralelos em comissões pelo direcionamento dos exames pedidos como rotinas em cada consulta.

Sem compromisso em retribuir os cursos públicos

Há no Brasil uma grande “injustiça orçamentária”: a formação de médicos nas faculdades públicas, que custa muito dinheiro a todos os brasileiros, não presume nenhuma retribuição social, pelo menos enquanto não se aprova o projeto do senador Cristóvam Buarque, que obriga os médicos recém-formados que tiveram seus cursos custeados com recursos públicos a exercerem a profissão, por dois anos, em municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões metropolitanas.

Cruzando informações, podemos chegar a um custo de R$ 792.000,00 reais para o curso de um aluno de faculdades públicas de Medicina, sem incluir a residência. E se considerarmos o perfil de quem consegue passar em vestibulares que chegam a ter 185 candidatos por vaga (UNESP), vamos nos deparar com estudantes de classe média alta, isso onde não há cotas sociais. 

Um levantamento do Ministério da Educação detectou que na medicina os estudantes que vieram de escolas particulares respondem por 88% das matrículas nas universidades bancadas pelo Estado. Na odontologia, eles são 80%.

Em faculdades públicas ou privadas, os quase 13 mil médicos formados anualmente no Brasil não estão nem preparados, nem motivados para atender às populações dos grotões. E não estão por que não se habituaram à rotina da medicina preventiva e não aprenderam como atender sem as parafernálias tecnológicas de que se tornaram dependentes. 

Concentrados no Sudeste, Sul e grandes cidades

Números oficiais do próprio CFM indicam que 70% dos médicos brasileiros concentram-se nas regiões Sudeste e Sul do país. E em geral trabalham nas grandes cidades. Boa parte da clientela dos hospitais municipais do Rio de Janeiro, por exemplo, é formada por pacientes de municípios do interior.

Segundo pesquisa encomendada pelo Conselho, se a média nacional é de 1,95 médicos para cada mil habitantes, no Distrito Federal esse número chega a 4,02 médicos por mil habitantes, seguido pelos estados do Rio de Janeiro (3,57), São Paulo (2,58) e Rio Grande do Sul (2,31). No extremo oposto, porém, estados como Amapá, Pará e Maranhão registram menos de um médico para mil habitantes.

A pesquisa “Demografia Médica no Brasil” revela que há uma forte tendência de o médico fixar moradia na cidade onde fez graduação ou residência. As que abrigam escolas médicas também concentram maior número de serviços de saúde, públicos ou privados, o que significa mais oportunidade de trabalho. Isso explica, em parte, a concentração de médicos em capitais com mais faculdades de medicina. A cidade de São Paulo, por exemplo, contava, em 2011, com oito escolas médicas, 876 vagas – uma vaga para cada 12.836 habitantes – e uma taxa de 4,33 médicos por mil habitantes na capital.

Mesmo nas áreas de concentração de profissionais, no setor público, o paciente dispõe de quatro vezes menos médicos que no privado. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o número de usuários de planos de saúde hoje no Brasil é de 46.634.678 e o de postos de trabalho em estabelecimentos privados e consultórios particulares, 354.536.Já o número de habitantes que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é de 144.098.016 pessoas, e o de postos ocupados por médicos nos estabelecimentos públicos, 281.481.

A falta de atendimento de saúde nos grotões é uma dos fatores de migração. Muitos camponeses preferem ir morar em condições mais precárias nas cidades, pois sabem que, bem ou mal, poderão recorrer a um atendimento em casos de emergência.

A solução dos médicos cubanos é mais transcendental pelas características do seu atendimento, que mudam o seu foco no sentido de evitar o aparecimento da doença. Na Venezuela, os Centros de Diagnósticos Integrais espalhados nas periferias e grotões, que contam com 20 mil médicos cubanos, são responsáveis por uma melhoria radical nos seus índices de saúde.

Cuba é reconhecida por seus êxitos na medicina e na biotecnologia

Em sua nota ameaçadora, o CFM afirma claramente que confiar populações periféricas aos cuidados de médicos cubanos é submetê-las a profissionais não qualificados. E esbanja hipocrisia na defesa dos direitos daquelas pessoas.

Não é isso que consta dos números da Organização Mundial de Saúde. Cuba, país submetido a um asfixiante bloqueio econômico, mostra que nesse quesito é um exemplo para o mundo e tem resultados melhores do que os do Brasil.

Quando esteve em Cuba, em 2003, a deputada Lilian Sá foi conhecer com outros parlamentares o médico de família, uma equipe residente no próprio conjunto habitacional

Graças à sua medicina preventiva, a ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa da América e do Terceiro Mundo – 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959, quando do triunfo da revolução) – inferior à do Canadá e dos Estados Unidos. Da mesma forma, a expectativa de vida dos cubanos – 78,8 anos (contra 60 anos em 1959) – é comparável a das nações mais desenvolvidas.

Com um médico para cada 148 habitantes (78.622 no total) distribuídos por todos os seus rincões que registram 100% de cobertura, Cuba é, segundo a Organização Mundial de Saúde, a nação melhor dotada do mundo neste setor.

Segundo a New England Journal of Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.

O Brasil forma 13 mil médicos por ano em 200 faculdades: 116 privadas, 48 federais, 29 estaduais e 7 municipais. De 2000 a 2013, foram criadas 94 escolas médicas: 26 públicas e 68 particulares.

Formando médicos de 69 países

Estudantes estrangeiros na Escola Latino-Americana de Medicina

Em 2012, Cuba, com cerca de 13 milhões de habitantes, formou em suas 25 faculdades, inclusive uma voltada para estrangeiros, mais de 11 mil novos médicos: 5.315 cubanos e 5.694 de 69 países da América Latina, África, Ásia e inclusive dos Estados Unidos.

Atualmente, 24 mil estudantes de 116 países da América Latina, África, Ásia, Oceania e Estados Unidos (500 por turma) cursam uma faculdade de medicina gratuita em Cuba.

Entre a primeira turma de 2005 e 2010, 8.594 jovens doutores saíram da Escola Latino-Americana de Medicina. As formaturas de 2011 e 2012 foram excepcionais com cerca de oito mil graduados. No total, cerca de 15 mil médicos se formaram na Elam em 25 especialidades distintas.

Isso se reflete nos avanços em vários tipos de tratamento, inclusive em altos desafios, como vacinas para câncer do pulmão, hepatite B, cura do mal de Parkinson e da dengue. Hoje, a indústria biotecnológica cubana tem registradas 1.200 patentes e comercializa produtos farmacêuticos e vacinas em mais de 50 países.

Presença de médicos cubanos no exterior

Desde 1963, com o envio da primeira missão médica humanitária à Argélia, Cuba trabalha no atendimento de populações pobres no planeta. Nenhuma outra nação do mundo, nem mesmo as mais desenvolvidas, teceu semelhante rede de cooperação humanitária internacional. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países. 

No total, os médicos cubanos trataram de 85 milhões de pessoas e salvaram 615 mil vidas. Atualmente, 31 mil colaboradores médicos oferecem seus serviços em 69 nações do Terceiro Mundo.

No âmbito da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), Cuba e Venezuela decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha humanitária continental com o nome de Operação Milagre, que consiste em operar gratuitamente latino-americanos pobres, vítimas de cataratas e outras doenças oftalmológicas, que não tenham possibilidade de pagar por uma operação que custa entre cinco e dez mil dólares. Esta missão humanitária se disseminou por outras regiões (África e Ásia). A Operação Milagre dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15 países da América Central e do Caribe.Em 2011, mais de dois milhões de pessoas de 35 países recuperaram a plena visão.

Quando se insurge contra a vinda de médicos cubanos, com argumentos pueris, o CFM adota também uma atitude política suspeita: não quer que se desmascare a propaganda contra o regime de Havana, segundo a qual o sonho de todo cubano é fugir para o exterior. Os mais de 30 mil médicos espalhados pelo mundo permanecem fiéis aos compromissos sociais de quem teve todo o ensino pago pelo Estado, desde a pré-escola e de que, mais do que enriquecer, cumpre ao médico salvar vidas e prestar serviços humanitários.

Extraído do Blog do Porfírio 

08 maio 2013

EXPLICAÇÕES DEVIDAS NO MENSALÃO - Paulo Moreira Leite

"Cadeia para os mensaleiros!," gritam com impaciência tantos comentaristas políticos.


Sugerem que o breve ritual jurídico que antecede os capítulos finais da ação penal 470 pode se transformar num exercício de impunidade, quando não passa de uma estreita brecha para se tentar garantir - é apenas uma possibilidade, vamos combinar - o sagrado direito de defesa.

Ao contrário do sujeito que sequestrou uma família ou mesmo um homicida com vários cadáveres no currículo, os condenados do mensalão não terão direito a uma segunda sentença por outro tribunal.

Como se sabe desde o ano passado, as garantias dos condenados foram reduzidas de modo seletivo pelo próprio STF, que negou aos acusados do PT um direito que assegurou aos similares do PSDB – o desmembramento do processo. É uma decisão tão absurda que dificilmente será repetida.

No mensalão do DEM, ainda em fase preparatória, tem-se como certo que se fará o desmembramento. Os condenados do PT, assim, serão os únicos a ter uma única chance de defesa, o que torna sua situação especialmente grave.

Chegamos, então, ao momento da tragédia anunciada quando o plenário recusou o pedido de desmembramento.

Em busca de uma nova chance para serem ouvidos, cinco réus lutam para ter um segundo relator. 

Seria uma solicitação legítima e razoável, em qualquer situação, a partir do princípio elementar de que a mente que condena não pode ser a mesma que avalia a condenação. O tribunal também não cultiva a tradição de manter um relator que acumula a presidência da casa.

A solicitação torna-se ainda mais pertinente quando se recorda a atuação de Joaquim Barbosa durante a ação penal, claramente alinhada com a acusação, conforme assinalaram tantos observadores.

Pelo que se apura no ambiente jurídico de Brasília, a troca de relator será uma empreitada dificílima e quase impossível. Não está garantido, na verdade, que os condenados terão direito a um debate produtivo, onde poderão apresentar seus pontos e argumentos com clareza. 

Joaquim Barbosa já pediu a opinião do procurador geral da República, aquele que queria mandar prender os condenados antes da publicação do acórdão da sentença, o que é pouco estimulante. 

Pelo mesmo motivo, é fácil adivinhar que, se tudo der errado em Brasília, mais tarde os condenados poderão enfrentar problemas semelhantes para serem ouvidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica. Em várias oportunidades, ministros do STF já condenaram essa iniciativa. Eles estão atuando para isso. 

Lembro que, por motivos óbvios, uma denúncia à Corte Interamericana era motivo de preocupação de governos arbitrários e ditaduras escancaradas. Claro que, naquele período, estava em jogo a decisão de tribunais militares, onde os direitos do Direito não podiam expressar-se. Ninguém esperava decisões com base em métodos democráticos. Era a violência, a covardia, o abuso. 

O que se queria naquele tempo era o silêncio, a submissão. A pena do então preso político na Justiça Militar José Genoíno foi agravada porque ele denunciou que havia sofrido torturas. 

Em vez agradecer tamanha coragem numa hora tão difícil, abrindo imediatamente uma investigação a respeito, o que seria próprio de juízes dignos de seu trabalho, puniram a vítima. 

Sob um regime democrático, a Justiça não pretende mudar a história nem redesenhar a paisagem do mundo – missão que cabe ao povo de cada país, seja pela sua mobilização, seja pelo voto popular, pela aprovação de leis no Congresso. 

À justiça cabe aplicar a lei. 

O professor Celso Bandeira de Mello, responsável pela indicação de Carlos Ayres Britto para o Supremo, costuma explicar que a justiça é, essencialmente, conservadora. Ela deve confirmar o que está pactuado entre os homens.

E é por isso que ela dá segurança ao cidadãos.

Para cumprir sua missão, ela permite recursos, revisões e novos recursos. 

Aprendemos que - em última análise - é preferível ter um culpado solto do que um inocente atrás das grades. Se você acha que isso é receita de pizza, como sugere a turma do linchamento, precisa ler Voltaire. 

Num mundo sem santos, a ideia não se resume a lembrar que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. 

É dar todas as chances aos juízes - estes homens do Estado - para evitar uma injustiça, uma derrota vergonhosa da civilização. 

No mensalão, não estamos falando de penas leves nem punições passageiras, mas de gente condenada a 40 anos, como Marcos Valério, a 25 anos, como o publicitário Cristiano Paz, de José Dirceu, condenado a dez anos.

Não consegui ler os embargos de todos eles. 

Mas li, por exemplo, o recurso de Henrique Pizzolato, que durante anos frequentou as páginas da imprensa como um dos vilões prioritários. 

Pizzolato é o diretor do Banco do Brasil que foi acusado de ter desviado R$ 73 milhões para as agências de Marcos Valério. Acabou condenado a 12 anos e 7 meses, além de R$ 1,3 milhão de multa. 

Está tudo 100% claro e confirmado em sua condenação? 

A leitura do embargo declaratório mostra que não. Nem de longe.

A principal observação do embargo de Pizzolato é lembrar que diversos documentos – que constam dos autos – não foram levados em consideração pelo tribunal. Eram provas que poderiam ajudar em sua defesa. Não precisavam ser aceitas. Mas poderiam ter sido consideradas, avaliadas e respondidas – ainda que fosse para rejeitá-las de forma integral. 

Um julgamento não pode ser um ambiente de reações optativas, ao sabor de preferências pessoais e gostos do momento – como um debate sobre escolas literárias.

Comecei a contar o número de vezes em que, conforme o recurso, o tribunal desconsiderou testemunhas e documentos, mas perdi a conta. Mais do que o registro numérico, vale a definição. O silêncio diante de contradições e episódios não explicados é um dado constante. 

Como observou Raimundo Pereira na revista Retrato do Brasil, são páginas e páginas que desmentem aquilo que se disse e se falou. 

Em vários momentos, os advogados de Pizzolato citam documentos oficiais e testemunhas críveis que podem dar sustentação a seus argumentos. Apresentam dados impressionantes e conclusivos, revelações chocantes e de impacto. O que aconteceu com isso? 

Nada. É o discurso único, unilateral e unidimensional. (Lembrando os anos 60, poderíamos recordar uma obra Herbert Marcuse, crítico da alienação na sociedade contemporânea, correto?) 

Claro que ninguém é obrigado a considerar que um determinado documento deve definir o rumo de um julgamento ou mesmo dar a base, isoladamente, para uma nova convicção. Você pode ler um documento – ou ouvir uma testemunha -- e achar que é uma grande besteira ou mesmo uma falsificação marota. Isso acontece todo dia num tribunal. 

A questão é que, num julgamento, espera-se que os dois lados sejam pesados e avaliados. Mesmo quem despreza uma prova trazida pela defesa, ou pela acusação, deve dar explicações -- com lealdade - em seu voto.

Não pode fingir que não ouviu. Se o documento é pura malandragem, isso precisa ser explicado e argumentado. 

Se a testemunha é uma fraude, deve ser desmascarada. Até porque pode haver um novo crime aí, concorda? 

Pizzolato é acusado de desviar dinheiro publico, do Banco do Brasil, em troca de “vantagem indevida”. Seria o condenado ideal: abriu o cofre e pegou sua parte. Muitos petistas acreditaram nisso, na época. 

O embargo mostra que a partir das provas disponíveis após sete anos de investigação não há como sustentar uma coisa nem outra. Mostra que não há meio para sustentar que ocorreu desvio de dinheiro público. O Banco do Brasil, que teria sido a parte lesada, não acha isso. A Visa também não. 

Nenhuma dessas instituições solicitou a Pizzolato a devolução de recursos desviados – o que seria a obrigação de qualquer dirigente que se preze, sob o risco de ser acusado de cumplicidade numa ação na Justiça. 

Quanto à vantagem indevida, meus amigos, virou fumaça. A quebra de sigilo das contas pessoais, a evolução do patrimônio e dos investimentos de Pizzolato não apontaram para nenhuma irregularidade, nenhum centavo fora de lugar. Chato, né?

Para quem ficou indignado com o desmembramento do mensalão, que garantiu que os acusados do PSDB-MG fossem julgados em primeira instância -- sem falar, claro, de políticos com mandato -- com direito a uma segunda sentença em tribunal superior, o embargo de Pizzolato apresenta uma informação espantosa. Mostra que a opção seletiva, que prejudicava petistas e confortava homens de confiança do PSDB, começou antes. 

Entre diretores e gerentes do Banco do Brasil, acusados de envolvimento no esquema, a denúncia encontrou cinco nomes. Desse total, quatro estão sendo investigados -- em segredo -- pela Justiça comum. Entre eles, até o responsável pela prorrogação dos contratos da DNA, de Marcos Valério, com o governo Lula, definida antes mesmo que Pizzolato fosse empossado.

Outro dado. Em 2001, dois anos antes da posse de Lula no Planalto, a DNA começou a receber recursos da Visanet.

Ou seja: se você acredita que havia um esquema para favorecer Valério no Banco do Brasil, precisa admitir que ele não esperou Pizzolato para começar a funcionar. E deve perguntar por que o ultimo a chegar foi o único a sentar-se no banco dos réus do STF. Mistério? 

Estes diretores eram remanescentes do governo FHC, e foi naquela época que o mensalão PSDB-MG desembarcou em Brasília, ainda em sua fase puramente tucana, procurando meios para pagar Valério pelas contas da campanha de Eduardo Azeredo, de 1998. O embargo deixa claro que dois deles, pelo menos, tinham uma responsabilidade funcional superior a Pizzolato. 

Eram homens de confiança do PSDB que foram mantidos na transição para Lula. Não foram importunados pelo STF, porém. 

Não há explicação razoável para um tratamento tão diferenciado, dizem os advogados de Pizzolato. A explicação jurídica é pueril: nenhum dos outros implicados era parlamentar nem ministro. Nenhum tinha direito ao “fórum privilegiado” do STF. Muito justo.

Mas se esta era a razão, falta explicar por que essa regra não beneficiou Pizzolato.

Outro dado espantoso. O desmembramento do mensalão mineiro foi uma decisão tomada em público.

O desmembramento dos acusados do Banco do Brasil – todos os nomes foram apontados em 2005 pela CPMI dos Correios – só foi divulgado no final de 2012, quando o julgamento se aproximava do final. Naquele momento, uma reportagem da Folha de S. Paulo contou o que acontecia. Até então, a investigação era mantida em segredo – desde 2006. 

Os advogados de Pizzolato só tiveram acesso ao conjunto dos documentos desse inquérito sigiloso em 19 de abril de 2013, uma semana antes do prazo final para entrar com o pedido de embargo. 

Naquele momento, Pizzolato já fora condenado a 12 anos de prisão. 

A defesa de Pizzolato consegue sustentar, com consistência, a visão de que, pelo seu lugar no Banco do Brasil, a denúncia padece de uma falha de princípio. Ele não poderia ser acusado como autor de um crime – na pior das hipóteses, seria co-autor.

Mais grave. 

O principal elemento para acusar Pizzolato eram notas técnicas favoráveis à agência de Marcos Valério. Mas ele nunca assinou uma nota sozinho. E não assinou todas as notas. 

Um diretor que assinou todas elas, aliás, não foi lhe fazer companhia no STF. Por quê? Ninguém sabe, ninguém explica.

São fatos que dão o que pensar. Seria bom, para o país, que fossem devidamente analisados, explicados e respondidos , concorda?


Extraído do sítio Revista IstoÉ

02 maio 2013

BOLÍVIA EXPULSA AGÊNCIA NORTE-AMERICANA USAID DO PAÍS - Vivian Fernandes


O órgão dos Estados Unidos é acusado de ingerência política em sindicatos de camponeses e outras organizações. Evo Morales criticou a postura norte-americana de tratar a América Latina como seu "quintal".


O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou a expulsão da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Regional (USAID) do país. O órgão estadunidense é acusado de ingerência política em sindicatos de camponeses e outras organizações sociais, também de conspirar contra o governo boliviano.

Em seu discurso do Dia do Trabalhador, na última quarta-feira (1º), Morales apontou que o governo norte-americano ainda segue uma mentalidade de dominação sobre a América Latina e outros países em desenvolvimento.

O dirigente sul-americano declarou que "seguramente [os estadunidenses] pensarão, todavia, que aqui se pode manipular politicamente, economicamente (aos bolivianos), esses são tempos passados". Afirmou ainda que a Bolívia é "um pequeno país, mas merece igual respeito".

Morales declarou também que a expulsão da USAID é um protesto frente à mensagem do secretario de Estado norte-americano John Kerry, que disse que a "América Latina é o quintal dos Estados Unidos".

A USAID está na Bolívia desde 1964 e atuou nas áreas de saúde, desenvolvimento sustentável, entre outras. Os projetos da agência que estão em curso serão assumidos pelo governo boliviano.

Em 2008, o governo de Morales expulsou outro órgão norte-americano, a agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA).

* Com informações da Agencia Boliviana de Información (ABI).

Extraído do sítio Diário Liberdade