Porto Alegre, final da tarde da terça-feira, 24 de janeiro de 2012. Calor intenso, temporal se aproximando. Milhares de pessoas, pouco se importando com as condições climáticas adversas, marcham pela Avenida Borges de Medeiros, marcando a abertura do Fórum Social Temático: Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental. O evento se insere no contexto do Fórum Social Mundial, cuja primeira edição foi realizada em Porto Alegre no ano de 2001 e projetou ainda mais ao mundo a cidade e suas experiências democráticas como o Orçamento Participativo. Tanto que o Fórum foi novamente realizado em Porto Alegre nos anos de 2002, 2003 e 2005, além de uma das etapas da edição descentralizada de 2010.
Não participei da marcha, mas a acompanhei, caminhando no sentido oposto. Teve bastante gente: não mais que nos fóruns de 2001, 2002, 2003 e 2005, mas ainda assim foi uma grande mobilização. Não é toda hora que se vê tanta gente na rua.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Chegando em casa, ouvindo o rádio enquanto tomava o necessário banho após um dia de tanto calor, esperava saber alguma informação sobre número de participantes. Eis que a Rádio Gaúcha fala sobre a marcha: “causou transtornos ao trânsito”.
Não se trata de fato isolado. Notícia sobre atos de constestação à ordem vigente (Fórum Social, Massa Crítica, contra o aumento da passagem etc.), para a mídia hegemônica, não pode informar sobre quem se manifesta, quais são suas reivindicações, seus objetivos; e para falar alguma coisa, tem de ser bem superficial. No mínimo, as manifestações devem “atrapalhar o trânsito”, ou seja, “prejudicar o cidadão de bem, que tem violado seu direito de ir e vir”. Como falei, no mínimo: sempre é bom que aconteça também algum “confronto” com a polícia (possibilidade que aumenta bastante quando certo partido está no governo), para que se possa passar com maior eficácia a ideia de que a manifestação foi coisa de “desordeiros”.
Mas, como nem sempre dá problema com a polícia, o negócio é mostrar a manifestação como “problema de trânsito”. Assim, fica mais fácil fazer as pessoas acreditarem que aqueles “vagabundos” apenas “prejudicam o direito de ir e vir do cidadão de bem”, e não que eles podem estar lutando por algo que incomoda a maioria das pessoas – como, por exemplo, os abusivos aumentos nas passagens de ônibus.
A propósito, repare que uma passagem de ônibus cada vez mais cara é que impede que os cidadãos de baixa renda – ou seja, os que não são o público-alvo da publicidade veiculada pela mídia hegemônica – exerçam o direito de ir e vir, bem diferente do que uma manifestação que “atrapalha o trânsito” – afinal, mais cedo ou mais tarde o fluxo de veículos é liberado e volta ao normal. Já o valor da passagem, só aumenta… E nada da mídia hegemônica criminalizar os empresários do transporte coletivo. Por que será?
* Rodrigo Cardia é historiador, diagramador do Jornalismo B Impresso e autor do blog Cão Uivador.
Extraído do sítio Jornalismo B
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