20 novembro 2011

SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - Nº 4

Brasil: história e consciência negra - Roberta Traspadini

Ser trabalhador e negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da produção do ser menos.

“... a história nos engana/ Diz tudo pelo contrário / Até diz que abolição/Aconteceu no mês de maio/A prova dessa mentira/É que da miséria não saio/ Viva vinte de novembro/ Momento pra se lembrar/ Eu não vejo no treze de maio/ Nada pra comemorar ...”

(domínio público)
A história do Brasil se caracterizou pela conformação da violência colonial europeia que, além de branca, era masculina na sua construção de poder.

Para isto, foi instituindo com força vil e adestramento cultural uma forma de ser para o negro e para o índio, a partir daquilo que o dono dos sujeitos definiria como civilização e trabalho.

Essa história, marcada a fogo e a ferro pelo racismo, se apresentou como única, como a história dos vencedores sobre os vencidos, e relegou os negros e os índios a um papel subordinado, ocultando sua função produtora de vida para outros.

O Brasil colonial aparece, em sua essência, como uma fase que oculta os reais processos de opressão e exploração utilizados pelos donos do poder para calar – na chibata e no tronco – os que se rebelavam contra a ordem dominante.

Essa capacidade de transformar o aparente no real trouxe para nossa história uma perversa essência de consolidação de estereótipos.

Estes estereótipos, para a ordem dominante do progresso, consolidaram um poderoso antagonismo sobre quem eram/são os civilizados/bárbaros, cultos/ignorantes, belos/feios, homens e mulheres ao longo da história.

A construção desse imaginário coletivo conformou uma lógica de não poder ser para uma parte expressiva de nossa classe trabalhadora negra e índia. Seja na condição de escravos ou na atual relação aparente de trabalhadores livres, reforçada pela democracia restrita.

Instaurou-se uma liberdade condicionada para a sociedade como um todo, sobre ser e sentir-se menos, como índios e negros.

O suposto fim do período colonial já havia assentado a centralidade das bases de consolidação da ética-moral sobre o ser menos, como mecanismo vital de dominação de uma classe sobre a outra.

A pele, os corpos, as culturas dos negros e índios, já haviam entrado para a história a partir da forma e do conteúdo dominantes, de exercer e manter o poder, eliminando objetiva e subjetivamente o real poder/dever ser desta parte integrante de nossa classe.

Na aparente consolidação democrática do Brasil republicano, igualitário e libertário, se consolidou a histórica essência dos valores éticos-morais da desigualdade, manifesta na inserção subordinada desde um ser menos para índios e negros.

Sob a aparente sociedade democrática se funda, além da desigual conformação de classes, uma relação ainda mais perversa de classificação sócio-cultural pelo gênero, pela raça-etnia e geracional.

Ser trabalhador e negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da produção do ser menos, quando em essência é ser mais.

Os mesmos postos de trabalho, ocupados por trabalhadores com cores de pele diferentes, conformarão um grau ainda mais perverso de exploração e opressão no interior da nossa classe.

A classe que vive do trabalho está subordinada pelo poder econômico e político da classe que vive da exploração do trabalho.

No Brasil, entre os explorados, ser mulher, ser negra e ser pobre, condiciona uma lógica de poder que intensificará os perversos conteúdos de exploração do capital sobre o trabalho no nosso território: a superexploração.

A liberdade desfigurada e a exploração manipulada geram uma herança maldita, que não será aniquilada ao menos que consigamos romper com a forma-conteúdo de produzir mercadorias classificando o humano como objeto da relação, da vida que ele produz.

O poder popular requer a restauração do ser mais da classe que vive do trabalho, rompendo com a estrutura de produção de vida em que o ser menos foi instituído como forma de adestramento necessária à manutenção da ordem e do progresso burgueses.

Segundo o último censo do IBGE-2010, a população brasileira é de mais de 190 milhões (190.755.799). Deste total, 43,1% se declarou preta (82.215.750) e 7,6% parda (14.497.441). Somados, chegamos a quase 97 milhões de brasileiros.

Oxalá que a história escrita e protagonizada por nós, a partir da luta organizada enquanto classe trabalhadora, nos permita recuperar na memória, nossa real história de ser mais, a partir da construção de um projeto nacional, democrático e popular, que ponha fim ao domínio do capital sobre nosso trabalho.

* Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.

Extraído do sítio Brasil de Fato

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Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes 2011

“Este Ano Internacional oferece uma oportunidade única para redobrar nossos esforços na luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas de intolerância que afetam as pessoas de ascendência africana em toda parte.”
(Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos)

Estima-se que 150 milhões de pessoas que se identificam como sendo de ascendência africana vivem na América Latina e no Caribe. Muitos outros milhões vivem em outras partes do mundo, fora do continente africano. Ao proclamar o Ano Internacional, a comunidade internacional está reconhecendo que as pessoas de ascendência africana representam um setor específico da sociedade, cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos.

As pessoas de ascendência africana são reconhecidas na Declaração e no Programa de Ação de Durban1 como um grupo de vítimas específicas que continuam sofrendo discriminação, como legado histórico do comércio transatlântico de escravos. Mesmo afrodescendentes que não são descendentes diretos dos escravos enfrentam o racismo e a discriminação que ainda hoje persistem, gerações depois do comércio de escravos.

Para corrigir os erros do passado

“Este é o ano para reconhecer o papel das pessoas de ascendência africana no desenvolvimento global e para discutir a justiça para atos discriminatórios correntes e passados que levaram à situação de hoje”
(Mirjana Najcevska, Presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana)

O racismo obsceno que foi a base do comércio de escravos e da colonização ainda ressoa hoje. Ele se manifesta de diversas maneiras, às vezes sutilmente, às vezes inconscientemente, como preconceito contra as pessoas com pele mais escura.

Para encontrar formas de combater o racismo, a ex-Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, encarregado de recomendar medidas para promover a igualdade de direitos e oportunidades. Foi criado em 2001 para analisar a situação e as condições de africanos e pessoas de ascendência africana, a fim de enfrentar a discriminação que elas sofrem.

O Grupo de Trabalho concluiu que alguns dos mais importantes desafios que enfrentam as pessoas de ascendência africana dizem respeito à administração da justiça e seu acesso à educação, emprego, saúde e habitação.

Em alguns países, embora possam ser uma minoria, as pessoas de ascendência africana constituem uma parte da população carcerária desproporcionalmente alta percentagem e recebem sentenças mais duras do que os da etnia predominante. O enquadramento racial2 – que resulta na sistemática segmentação de pessoas de ascendência africana por policiais – criou e perpetuou grave estigmatização e estereótipos dos afrodescendentes como dotados de uma propensão à criminalidade.

Em muitos países com grande população de afrodescendentes, este setor da sociedade tem menos acesso e níveis mais baixos de educação. As evidências mostram que, quando as pessoas de ascendência africana têm maior acesso à educação, participam de forma mais igualitária em todos os aspectos políticos, econômicos e culturais da sociedade, bem como no avanço e no desenvolvimento econômico de seus países. Da mesma forma, elas encontram-se em melhores condições para defender seus próprios interesses.

Povos afrodescendentes no Chile.
Foto: ACNUD
H
O Grupo de Trabalho também constatou que os afrodescendentes sofrem de desemprego em um nível mais elevado do que outros setores das sociedades em que vivem e de acesso restrito à saúde e à habitação, muitas vezes devido à discriminação estrutural que está incorporada dentro de suas sociedades.

O Grupo de Trabalho salienta que a coleta de dados desagregados sobre a base da etnia é um aspecto importante de abordagem dos direitos humanos de afrodescendentes. As políticas de governo para combater o racismo e a discriminação não podem ser corretamente formuladas, muito menos aplicadas, se essa informação não estiver disponível.

A Campanha Global

“O Ano Internacional deve se tornar um marco na campanha em curso para promover os direitos das pessoas de ascendência africana. Merece ser acompanhada de atividades que estimulem a imaginação, aprimorem nossa compreensão da situação das pessoas de ascendência africana e seja um catalisador para uma mudança real e positiva na vida diária de milhões de pessoas ao redor do mundo.” (Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos)

A Assembleia Geral da ONU proclamou 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, citando a necessidade de fortalecer as ações nacionais e a cooperação internacional e regional para assegurar que as pessoas de ascendência africana gozem plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos. O Ano visa ainda promover a integração de pessoas de ascendência africana em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade, e promover maior conhecimento e respeito pela sua herança e cultura diversificadas. O Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes foi lançado no Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 2010, pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon.

O principal objetivo do Ano é aumentar a consciência dos desafios que as pessoas de ascendência africana enfrentam. Espera-se que o Ano promova discussões com vários parceiros, e que estes proponham soluções para a questão.

Durante 2011, diversos eventos internacionais serão realizados. Em 2 de março, em Genebra (Suíça), um painel de discussão com a participação dos Estados-Membros e da sociedade civil abordará as questões de direitos humanos das pessoas de ascendência africana durante a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nesta mesma semana, em 7 de março, uma rodada de discussões será realizada pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, também em Genebra. Essas discussões servirão para aumentar a conscientização sobre as causas e consequências da discriminação contra as pessoas de ascendência africana e promover a visibilidade de seus diversificados patrimônio e cultura.

Também em março, o Grupo de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana vai discutir formas de contextualizar o Ano Internacional, ilustrando o porquê de sua necessidade. Esta reunião será realizada em Genebra de 28 de março a 1º de abril. O Ano Internacional será encerrado com a convocação de um debate de alto nível sobre as conquistas das metas e dos objetivos do Ano, realizado em Nova York em setembro, durante a sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU.

Uma coalizão de organizações da sociedade civil criada para promover o Ano realizará memoriais, seminários, eventos culturais e outras atividades ao redor do mundo para sensibilizar a opinião pública sobre a contribuição dos descendentes de africanos ao patrimônio mundial, identificando os obstáculos que ainda precisam ser superados. Todos, e em particular as próprias pessoas de ascendência africana, são encorajados a realizar atividades para contribuir para o sucesso do Ano.

A resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Ano Internacional também incentiva os Estados-Membros e todos os doadores relevantes a contribuir com fundos para as atividades durante o ano.

Visite a página do Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana clicando aqui.

Abaixo, assista à mensagem de Navi Pillay, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março de 2011:

O Escritório de Direitos Humanos da ONU, que faz parte do Secretariado da ONU, cumpre o mandato único de promover e proteger todos os direitos humanos. Sediado em Genebra, também está presente em 50 países.

Abaixo, vídeo do lançamento do Ano (em inglês), informações em português aqui:


Extraído do sítio da ONU Brasil

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