24 novembro 2011

PRIMEIRO COMO TRAGÉDIA, DEPOIS COMO FARSA - Luiz Ricardo Leitão

A bomba estourou, todos sabem, mas “essa crise planejada afetou os países muito seletivamente”.

Leio na grande mídia que, segundo as línguas afiadas da diplomacia internacional, o bom mulato Obama mostrou-se muito abatido na recente reunião do famigerado G-20 – bem mais sorumbático, aliás, do que já andava na última Assembleia Geral da ONU, em setembro. Os cronistas de lá dizem que o síndico do Império se ressente do bloqueio que a galera do Tea Party promove no Congresso contra as “reformas” propostas por Barack. Atribuem, inclusive, a alguns quadros democratas um empenho especial em estimular o movimento “Ocupe Wall Street”, esse verdadeiro balaio de gatos que, em sua investida contra os magnatas do sistema financeiro, reúne diversos segmentos da cartografi a social ianque.

Enquanto isso, Hillary Clinton, a nova “dama de ferro” da cena imperial, desponta nas pesquisas locais como a única democrata (?) capaz de derrotar os republicanos nas próximas eleições do Tio Sam. Um sinal claro de que a única instituição que ainda funciona a contento no Velho Oeste é o complexo industrial militar, patrocinador dileto da ingerência estadunidense nos mais variados rincões do planeta. Sim, a crise faz estragos em toda parte e suas sequelas são dignas de uma reflexão mais acurada por todos aqueles que pleiteiam uma transformação radical da atual (des)ordem vigente na “aldeia global”.

Por isso, concedo especial atenção às palavras de Slavoj Zizek, que esteve no Brasil este ano para lançar seus livros Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa. Em sua análise da conjuntura internacional, o pensador esloveno não hesita em afirmar que a crise de 2008 foi um embuste que revelou novas formas de colonialismo no mundo globalizado. Em outras palavras, uma “farsa” já prevista que reflete as medidas adotadas nos EUA em 2001, a fim de “redirecionar o foco das empresas de internet que estavam falindo para o mercado imobiliário” – a bomba estourou, todos sabem, mas “essa crise planejada afetou os países muito seletivamente”.

Quem logrou atinar que o capitalismo de hoje “está cheio de inconsistências e divisões internas”, como o atual cenário global nos evidencia, pôde até “driblar” certos efeitos nefastos da tormenta. Zizek ilustra seu preceito com o caso do Brasil na era Lula. A gestão do presidente Paz & Amor teria sabido valer-se das oscilações da nave-mãe para fomentar o crescimento do país e, assim, amenizar os danos da tormenta sobre a caravela tupiniquim. O mais grave, porém, é que a perda de poder do imperialismo estadunidense poderia fomentar a consolidação de uma espécie de “colonialismo econômico chinês”, que se alastra por nações do Terceiro Mundo, em especial a África, patrocinando governos corruptos e tiranos para explorar os recursos minerais de que a nova potência tanto necessita para expandir-se no mercado.

O que sobrevive de maneira ainda mais inquietante, todavia, é a tenebrosa lógica da “guerra ao terror” patrocinada pela Casa Branca, cujo episódio mais recente é a queda de Gaddafi . Não houve nada de novo na Líbia, reitera Zizek, apenas “a repetição da velha fórmula que inclui intervenção militar, envio de ajuda humanitária (?) etc.” Ou seja: o discurso subscrito pelos EUA e pela falida Europa Ocidental insiste em que as ações militares nos países árabes visam a evitar “levantes fundamentalistas” e também a apoiar a luta por “liberdade e democracia (?)”. A cantilena imperial, contudo, engasgou-se no Egito, onde o discurso pseudolibertário de Tio Sam teve de ser ajustado para dar conta de algo realmente novo e diferente que amplos setores de sua população estão a reivindicar.

As turbulências, afinal, são sempre o prenúncio de possíveis transformações que podem pôr o mundo “de pernas pro ar” e permitir-nos, em um instante privilegiado, reinventá-lo por completo. De qualquer forma, como cachorro mordido de cobra tem medo de salsicha, faço votos de que a história, como nos prevenira o velho Marx (ironizando as pretensões imperiais do sobrinho de Napoleão na França do século 19), não venha a se repetir – nem como farsa, tampouco como tragédia...

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.
Crônica originalmente publicada na edição 455 do Brasil de Fato.

Extraído do sítio Brasil de Fato

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