04 novembro 2011

META DE REDUZIR PELA METADE FOME ESTÁ LONGE DE SER ALCANÇADA

Em 2000, a comunidade internacional se comprometeu a reduzir pela metade a fome no mundo, no prazo de 15 anos. Mas hoje já é possível afirmar que esse Objetivo do Milênio dificilmente será alcançado.

Secas como na Etiópia pioram o problema da fome no mundo.

A fome é cruel. O estado de uma pessoa faminta piora em etapas. Quando, no final, o sistema imunológico entra em colapso, a morte chega de forma lenta, acompanhada de uma dor insuportável. Quase 25 mil pessoas no mundo morrem de fome todos os dias, o equivalente a uma morte a cada três segundos. "Morte por fome é assassinato", diz o ex-relator especial para o Direito à Alimentação da ONU Jean Ziegler.

Em 2000, na Cúpula do Milênio, os líderes de todos os países-membros da ONU decidiram reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas afetadas pela fome no mundo. Na época, o número era estimado em 800 milhões. No mesmo período, o número de pessoas consideradas pobres também deveria cair pela metade.

A observação de que principalmente os pobres passam fome e não raro continuam pobres justamente porque padecem de fome crônica foi incluída de última hora no documento final graças à intervenção da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês).

Quatro anos antes do grande balanço final sobre os oito objetivos do milênio, os setores da ONU responsáveis por assuntos econômicos e sociais se mostram cautelosamente otimistas quanto à redução da pobreza. Considerando o ano de referência, 1990, o número de pobres no mundo caiu 40%, conforme recente relatório anual da organização.

Já o total de pessoas que passam fome subiu para 1 bilhão, "o número mais alto desde o final da Segunda Guerra Mundial", diz Ulrich Post, da Venro, a associação de ONGs da Alemanha. E isso, afirma Michael Windfuhr, do Instituto Alemão dos Direitos Humanos, apesar de há cinco décadas existir um excedente na produção de alimentos.

Agricultura negligenciada nos países pobres

Na Índia, as mulheres são responsáveis por grande parte da produção de alimentos.

O sucesso estatístico do combate à pobreza se deve principalmente às profundas mudanças socioeconômicas experimentadas pela China nos últimos anos. Já no sul da Ásia e em grande parte da África, os níveis de pobreza e fome estão estagnados. "O desenvolvimento rural é negligenciado e esse é um motivo fundamental para que o quadro não mude", opina Windfuhr.

"Nas regiões atingidas não há serviços de aconselhamento para os agricultores, linhas de crédito ou títulos de propriedade de terra confiáveis, há pouca infraestrutura e nenhuma pesquisa agrária", completa.

Segundo o especialista, nos anos 1980 a ajuda internacional ao desenvolvimento destinava em torno de 20% dos seus recursos para o desenvolvimento rural. Depois houve uma queda abrupta, para 3% ou 4% em 2005. "Isso vale para todos, inclusive o Banco Mundial", afirma.

Os próprios países atingidos pela pobreza e pela fome investem pouco no desenvolvimento da produção agrícola. "Isso tem muito a ver com o fato de os alimentos serem produzidos pelas mulheres, que em muitos países são discriminadas em dobro", diz o especialista alemão. "Os grupos mais pobres recebem, de modo geral, menos atenção política."

Investimentos no setor agrícola são provenientes, já há algum tempo, de fontes privadas. Desde o início da crise financeira global, pessoas e instituições com aporte econômico procuram novas oportunidades de investimento. Muitos investem em terras, fertilizantes, sementes e fundos agrícolas.

Problemas da produção em larga escala

Produção industrial de flores no Quênia é destinada à Europa
Mas a agricultura industrial e de larga escala associada a esses investimentos é a melhor saída para combater a crescente fome de uma população mundial cada vez maior?

Windfuhr se mostra preocupado, afinal a grande maioria da população nos países em desenvolvimento continua vivendo nas zonas rurais. "Se grandes áreas rurais forem negociadas e pequenos agricultores forem expulsos das suas terras, talvez possamos produzir mais, mas também teremos mais fome." Para ele, investimentos em regiões rurais devem necessariamente melhorar as condições de vida dos pobres e famintos.

Post critica a política do FMI e do Banco Mundial, que "convenceu muitos países em desenvolvimento a importar alimentos". Segundo ele, nos últimos 20 anos, créditos internacionais foram destinados principalmente ao incentivo de culturas de exportação, como flores, cacau e café, nos países pobres, enquanto os excedentes agrícolas dos Estados Unidos e da União Europeia eram importados por esses países.

A importação de alimentos baratos, que sobraram nos países ricos, cria um perigoso círculo vicioso nos países pobres. Ela destrói os mercados locais. Os pequenos agricultores locais não têm como concorrer com o produto de fora e perdem o estímulo para produzir e, assim, sua fonte de renda. A dependência cresce.

Além disso, uma parcela cada vez maior da população nos países do Hemisfério Sul sofre com o aumento dos preços dos alimentos no mercado global. A presidente da Ação Agrária Alemã, Bärbel Dieckmann, calcula que, enquanto uma família alemã separa, em média, 13% do orçamento doméstico para a compra de alimentos, nos países em desenvolvimento as famílias chegam a gastar mais de 70%.

Comércio global e biocombustíveis

Produção de soja para ração na Amazônia brasileira.
Muitos especialistas afirmam que a agricultura de larga escala não é uma alternativa para o combate à fome. Eles temem problemas ainda maiores: as monoculturas e os adubos químicos destroem a biodiversidade e provocam o esgotamento do solo.

"O solo é o mais negligenciado dos recursos naturais", opina Joachim von Braun, diretor do Centro para Pesquisa em Desenvolvimento da Universidade de Bonn. As mudanças climáticas pioram a situação. Situações extremas, como secas prolongadas ou grandes cheias, destroem colheitas e a fertilidade do solo.

Outro problema: uma parte crescente da colheita no mundo não é mais destinada à produção de alimentos. Em vez disso, produtos como o milho e a cana-de-açúcar são usados na produção de biocombustíveis. Os países industrializados incentivam essa estratégia para se tornarem menos dependentes dos combustíveis fósseis. Mas a produção de biocombustíveis ocupa grandes áreas de terras agricultáveis no mundo. "Isso deu origem, na verdade, a uma competição entre alimentos e combustíveis", opina o biólogo suíço, Hans Herren, responsável pelo relatório Agriculture at a Crossroads, do Conselho Agrário Mundial.

A atual organização da economia mundial impede que todas as pessoas tenham o suficiente para comer, diz Windfuhr. "O comércio global cria situações absurdas." Ele cita o caso de rações animais produzidas na América Latina e transportadas para a Europa apenas porque o transporte com combustíveis fósseis é barato.

Na Alemanha, as rações vão parar em gigantescos estábulos para porcos. "O esterco líquido dos porcos polui a água subterrânea e deposita imensas quantidades de nitrogênio no solo". No final, essa carne é exportada de forma barata para a China ou para a Coreia do Sul. "O resultado é um saldo energético miserável quando o bife finalmente chega ao prato", critica Windfuhr.

Longe da meta

Pobreza contribui para a fome na Somália. 
O primeiro requisito de uma vida digna é ter o que comer. Mas o planeta ainda está longe de alcançar o Objetivo do Milênio que estabelece a redução pela metade da fome no mundo. Segundo os especialistas, principalmente para os países em desenvolvimento os preços dos alimentos vão continuar altos e, assim, inacessíveis para os mais pobres.

"Com o atual modelo de pensamento industrial não podemos mais resolver o problema", afirma Herren. Para ele, os governantes, mas também a sociedade civil, estão diante da obrigação de assumir mais responsabilidades para a resolução do problema, tendo em vista as convenções de direitos humanos vigentes. Já Windfuhr propõe um debate social e político para se chegar a uma produção agrícola global capaz de alimentar 9 bilhões de pessoas.

Autora: Ulrike Mast-Kirschning - Revisão: Alexandre Schossler

Extraído do sítio Deutsche Welle

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