No dia 9 de agosto de 2007, o BNP-Paribas, um dos maiores bancos da Europa e do mundo, com ramificações que vão da Ucrânia ao Brasil, sede principal em Paris e segunda sede em Londres, congelou três de seus fundos de investimento, dizendo que não teria como honrar “as dívidas de suas obrigações colaterais”. Neste dia um mundo ruiu e começou outro, que ninguém ainda sabe onde vai parar. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.
Berlim - Não, não estou me referindo ao dia 17 de dezembro de 2006, quando o meu Internacional derrotou o Barcelona por 1 x 0 em Yokohama, no Japão, e sagrou-se campeão mundial de clubes.
A referência é meio ano mais moça. É o dia 9 de agosto de 2007, há cinco anos atrás, portanto. Nesse dia o BNP-Paribas, um dos maiores bancos da Europa e do mundo, com ramificações que vão da Ucrânia ao Brasil, sede principal em Paris e segunda sede em Londres, congelou três de seus fundos de investimento, dizendo que não teria como honrar “as dívidas de suas obrigações colaterais” – uma referência aos pacotes que detinha dos chamados “sub-prime loans”, ou seja, os empréstimos feitos diretamente ou comprados no mercado secundário para pessoas que não tinham condição de pagá-los.
Sobre aquele dia, houve quem (Larry Eliott, editor de Economia do The Guardian) o comparasse ao 4 de agosto de 1914, dia em que o Arquiduque Franz Ferdinand, da Áustria, e sua esposa Sophie foram assassinados em Sarajevo, fato que levou diretamente à Primeira Guerra Mundial.
Foi um dia em que um mundo ruiu e começou outro, que ninguém ainda sabe onde vai parar. No 9 de agosto de 2007 o mundo que ruiu foi o das finanças internacionais, o das certezas europeias, o da imagem feliz do american way of life. Os acontecimentos se precipitaram velozmente nestes cinco anos.
Um ano mais tarde, em 7 de setembro de 2008, o governo norte-americano tinha de injetar recursos nos grupos Fannie Mae e Freddie Mac. Em 15 de setembro quebrava o Lehman Brothers. Entre 7 e 8 de outubro do mesmo ano, os três maiores bancos da Islândia – Glitnir, Landsbanki e Kauphting – quebram, forçando o governo a nacionaliza-los. Na sequência cairá o primeiro ministro do país, Geir Haarde.
Em 10 de outubro de 2009 o socialista Yorgios Papandreou é eleito para o governo grego. Empossado, na semana seguinte ele declara que a dívida do país é muito maior do que se pensava, e que o governo conservador anterior (do atual primeiro ministro Antonis Samara) maquiara os números.
Meio ano depois, em 10 de abril de 2010, a dívida soberana da Grécia recebe os índices que levam o país à bancarrota. Em 2 de maio do mesmo ano, os governos da Zona do Euro concedem o primeiro “pacote de ajuda” (110 bilhões de euros) à Grécia, em troca da adoção do primeiro “plano de austeridade” na Zona do Euro. Está aberta, oficialmente, a “crise da Zona do Euro”, que não fechou até hoje.
Ao final do ano, em 28 de novembro, é a vez da Irlanda: 85 bilhões de euros. Em 5 de maio de 2011 é a vez de Portugal. No começo de 2012 o desemprego atinge níveis nunca dantes navegados na Europa. A Espanha afunda, a Itália aderna. Em meados do ano a perspectiva da recessão chega à Alemanha. O presidente do Banco Central Europeu diz que tudo fará para salvar o Euro. Analistas, políticos de todas as tendências, o presidente do Banco Central Alemão interpretam algo furiosamente que isso significa que O BCE vai comprar no futuro letras dos países endividados, no mercado secundário, e que talvez o faça também diretamente. Apesar dessas reações, sem outra saída, o governo alemão apóia a declaração de Draghi.
Uma perspectiva interessante é ver o que aconteceu às pessoas diretamente envolvidas nesse processo. Recentemente o jornal The Guardian montou uma verdadeira tabela (07/08/2012) sobre 25 personalidades (incluindo nela o “povo norte-americano, coletivamente) consideradas como tendo alguma responsabilidade na deflagração desses eventos.
Entre elas há políticos (como Bill Clinton, George Bush, Gordon Brown) dirigentes de bancos centrais, “leões” do mercado financeiro, operadores bancários, etc.
Um dos poucos a reconhecer que estava errado é Alan Greespan, ex-diretor do US Federal Reserve. A nota geral é a de silêncio obstinado, ou, como no caso do então senador republicano pelo Texas, Phil Graham, um dos maiores opositores de qualquer regulamentação do mercado financeiro, a obstinação em que tudo estava certo.
Uma das características desses envolvidos – incluindo Clinton e Bush – é essa oposição a regulamentações – o que facilitou a fusão, hoje vista amplamente como insalubre, entre bancos de operação comercial e captação de contas e os de investimento no mercado financeiro, ou a fusão incontrolada das respectivas carteiras numa mesma instituição bancária.
Da parte dos executivos envolvidos, a tônica é a obtenção de polpudas recompensas durante o processo de bancarrota das próprias instituições que dirigiam, sob a forma de bônus, salários diretos ou indiretos, e a completa impunidade posterior. Muitos continuaram ativos no sistema financeiro, simplesmente trocando de instituições, ou fundando outras com o capital que amealharam para, literalmente, causar e depois administrar a crise – sem dela sair, mas ao contrário, aprofundando-a até a exaustão.
Alguns foram punidos com a exclusão do lugar em que trabalhavam – para ressurgir em outros. Uns poucos estão em silêncio obsequioso, sumidos, mas impunes.
Apenas duas pessoas foram condenadas em meio a esse redemoinho, até agora.
Uma delas não é propriamente um responsável pela crise, mas um aproveitador dela: Bernie Madoff, que, nos Estados Unidos, em meio ao processo de desregulamentação do setor financeiro, promoveu o que se chama um “esquema Ponzi”.
Um esquema desses consiste em tomar investimentos e ressarcir os investidores, em parcelas anuais, com dinheiro do seu próprio investimento, ou de outros investidores, ao invés de lucros em operações financeiras, que são desviados para “outras finalidades”. Seu nome é uma homenagem a Charles Ponzi, que na década de 20, também nos Estados Unidos, armou o primeiro esquema dessa natureza que foi investigado (não foi o primeiro a existir) a fundo.
Outro foi o ex-primeiro ministro islandês, condenado por um tribunal especial por negligência no cargo. Há inda processos contra executivos dos três bancos do país que quebraram na ocasião.
Até agora, é só.
Extraído do sítio Carta Maior
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