16 novembro 2011

A CULPA DA ITÁLIA - Mino Carta

Em um ex-primeiro Mundo de lideranças políticas medíocres, Silvio Berlusconi é grande personagem. Tragicômica. Não saberia definir o volume das doses de tragédia e de comédia necessárias à combinação, arrisco-me, porém, a imaginar que Berlusconi nas mãos de um Shakespeare se tornaria sultão perverso, devasso e ridículo, irretocável em todos estes aspectos altamente negativos.

Em 17 anos, eleitores não foram
capazes de entender  aonde os
levaria o sultão Silvio Berlusconi.
Estamos em condições, isto sim, de medir com precisão, números à disposição, a consistência do mal causado a seu país pelo premier italiano nos últimos quatro meses: o spread, entre os títulos alemães e os da Itália, submetida ao ataque especulativo cada vez mais feroz, não chegava a 350 em julho passado e na quarta 9 de novembro transpôs o umbral da falência ao atingir 553.

Quatro meses resumem 17 anos de berlusconismo, quase duas décadas de desmandos e vulgaridades, de atraso econômico e lassidão moral, de relacionamento suspeito com o crime organizado e de assaltos à Constituição à sombra da ditadura da maioria, o espectro sinistro que conforme Tocqueville sempre ameaça a democracia. Em 17 anos, a Itália de Berlusconi dilapidou brutalmente o prestígio conquistado desde o imediato pós-guerra pela força do trabalho, pelo arrojo empresarial, pela solidez do seu Estado de Direito.

Um país paupérrimo em recursos naturais, dotado de terras férteis em menos da metade da sua superfície, tornou-se um dos mais ricos do mundo, entre eles seu PIB alcançou o quinto lugar. Seria o caso de dizer que o bem-estar, garantido por uma razoável distribuição de renda a despeito das arcaicas diferenças entre Norte e Sul, em parte preservadas, não fez bem à nação peninsular? Ocorre-me, não se espantem, um verso de Dante: chi è causa del suo mal, pianga se stesso. Quem causa o seu mal, chore a si mesmo. Pois é, hoje me dou ao luxo de evocar os gênios.

Está clara a culpa em cartório dos italianos, que elegeram e reelegeram o sultão três vezes. Em um lapso de tempo tão largo, não foram capazes de entender quem é Berlusconi e aonde seria capaz de arrastá-los, em nome dos interesses exclusivamente seus e da sua turma, em detrimento da grei. Os resistentes foram minoria, a oposição não se habilitou a oferecer alternativas convincentes. Agora me soa patética a patriotada dos ofendidos pelo descrédito internacional da Itália. Se a senhora Merkel e o galinho Sarko trocam sorrisinhos quando alguém pergunta se Berlusconi merece confiança, não cabe surpresa e tanto mais indignação.

Nesta moldura, permito-me supor até que o Caso Battisti não teria assumido lamentáveis proporções, precipitadas em primeiro lugar pela ignorância brasileira, caso o governo italiano não fosse o de Berlusconi. Meu queixo não cairia se averiguássemos que, em visita recente ao Brasil e em contato com o então presidente Lula, o premier declinou seu desinteresse pela sorte do terrorista assassino. Naquele momento estava na expectativa do bunga-bunga organizado em algum privilegiado local de São Paulo por Walter Lavitola, lobista e proxeneta, hoje procurado pela polícia e foragido na América Central. Deveria escolher o Brasil, talvez aqui fosse considerado herói da desobediência civil. Certo é que, na gestão do caso o governo de Roma, sua chancelaria e seus representantes diplomáticos foram de extrema tibieza.

Óbvio que este específico exemplo não é relevante em comparação com males maiores, mas nele também se destaca positivamente o presidente da República, Giorgio Napolitano, o mais autorizado a manifestar profunda contrariedade com o desfecho do Caso Battisti e com a situação atual do seu país, e a defender o Estado Democrático de Direito que a Itália é desde a derrubada do fascismo, e continua a ser, a despeito de Berlusconi. Neste momento, o país conta com um honrado, notável presidente, pronto a desempenhar um papel que de certa maneira extrapola das funções constitucionais no justo empenho de estabelecer limites a uma situação tão comprometida.

Observe-se que pela primeira vez na história da república italiana o comunicado destinado a anunciar a próxima renúncia do premier em vez de ser divulgado pelo Palácio do Governo, saiu do Quirinale, sede presidencial. Foi a garantia que Napolitano ofereceu à nação, desafiado pela notória inconfiabilidade de Berlusconi. É de se estranhar que em um regime parlamentarista o presidente da República deixe de se parecer com a rainha da Inglaterra, mas neste momento para a Itália é bom que seja assim. Quanto a Berlusconi, tem lugar garantido no panteão dos grandes vilões. 

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