13 agosto 2012

PIADA PRONTA E PARANÓIA NO MENSALÃO - Paulo Moreira Leite


Está na moda observar que os ministros do STF resolveram quebrar o costume e interrogar os advogados dos acusados do mensalão para fazer perguntas inesperadas durante o julgamento. Eu acho essa atitude muito positiva tanto pelo conteúdo como pela forma.

Pelo conteúdo, por que ajuda a questionar discursos que parecem bonitos demais para serem verdadeiros.

Pela forma, porque nem sempre é fácil aguentar várias falações consecutivas sem ficar entendiado.

As perguntas ajudam, portanto.

Eu acho que apareceu uma nova pergunta sobre o caso. Ou melhor, é uma piada pronta. Acabo de ler que o mensalão do DEM foi desmembrado. Aquele mesmo, sobre 38 integrantes do governo do Distrito Federal que foram filmados quando recebiam dinheiro em sacos de supermercado e na sacola de feira. Então, ficamos assim: o mensalão do PSDB foi desmembrado. O mensalão do DEM foi desmembrado. Já o mensalão do PT não foi desmembrado.

No mesmo processo, uma das acusações mais graves contra o governador Joaquim Roriz foi considerada prescrita.

Vamos combinar: é recorde. Podiam pelo menos esperar o final do julgamento dos petistas antes de anunciar a medida. Embora a decisão sobre o mensalão do DEM tenha sido tomada em outro tribunal, o STJ, parece que as coisas envolvem acusações um pouquinho semelhantes… 

Ninguém vai dizer: PQP!?

Talvez seja um sinal dos tempos, um espírito da época. Quem sabe um símbolo, um exemplo, como dizem aqueles antropólogos tão convencidos do caráter arquetípico do mensalão (do PT) que parecem querer substituir o Ayres Britto pelo Carl Jung. 

Tenho um amigo que dizia que o fato de uma pessoa ser paranoica e enxergar uma conspiração em cada esquina não impede que possa estar sendo efetivamente perseguida. E aí quem tem razão: o médico ou o paciente?

Falando nisso: um doleiro que colaborou com as investigações do mensalão do PT conseguiu o que os “comuns” queriam. Foi desmembrado individualmente 
e será julgado pela Justiça comum, em São Paulo. Isso porque ele fez um acordo de delação premiada com o ministério público. Ajudou muito nas investigações? Não sei. O advogado de Waldemar Costa Neto, que entrou no mensalão como chefe do PL, chegou a fazer ironias sobre as delações prestadas…

Mas sei que é mais um exemplo que ajuda os petistas a acharem que são perseguidos.

Há outras questões, contudo. O relator Joaquim Barbosa questionou, muito corretamente, o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. O relator queria saber se os milhões que foram transferidos do sistema Visa Net para as agências de Marcos Valério, empresa da qual o BB é um dos três sócios, são recursos públicos.

O advogado de Pizzolato dizia que eram recursos privados. Barbosa sustentou, pelas perguntas, que são recursos públicos. Foi elogiadíssimo nos dias seguintes. A interpelação virou manchete. A credibilidade de Pizzolato é difícil porque ele recebeu uma bolada de R$ 326 000 reais em seu apartamento e diz que não sabe quem mandou lhe entregar e não lembra para quem repassou logo em seguida.

Como, dias depois, ele comprou um apartamento no valor de R$ 400 000, sua palavras parecem embrulhadas no saco de papel onde disse que o dinheiro chegou. 

A discussão sobre dinheiro publico é importante. A maioria das pessoas usa a expressão “desviar” para falar do dinheiro que saiu da Visa Net para as empresas de Marcos Valério. Está provado que boa parte desse dinheiro não foi usada em publicidade, mas para alimentar o cofre do esquema de Valério-Delubio Soares. A palavra “desvio” sugere que era uma operação ilegal mas o fato que não há lei que impeça o Visa Net — seja público, seja privado — de agir assim. Tanto é verdade que Lucas Figueiredo registra, no livro O Operador, que o mensalão tucano recebia boladas igualmente respeitáveis antes da chegada de Pizzolato e sua turma a diretoria do Banco do Brasil. O primeiro contrato com Marcos Valério foi assinado antes mesmo dele ser nomeado diretor, revelou-se no tribunal. 

A Polícia Federal descreve, em seu inquérito, a imensa autonomia dos diretores para assinar cheques e fazer pagamentos sem nenhum tipo de restrição. Vale para os políticos e até para patrocínios esportivos. Tudo entre os diretores do banco.

Mas não diz que isso é crime. 

Se não é crime, cabe uma observação sensata feita por Miguel Reale Junior, que foi ministro da Justiça no governo de FHC. Reale Jr lembrou que muitos réus do mensalão são acusados de lavagem de dinheiro. O problema é que, para lavar dinheiro, diz a lei, é preciso haver um crime anterior. Se não há uma clara tipicação do crime, como falar em lavagem de dinheiro? Se você sustenta que eram recursos públicos, a acusação está melhor defendida, certo?

Outra pergunta curiosa é: quem pagou Pizzolato? Ele não era deputado, nem tinha dívida de campanha para pagar. Se o mensalão petista destinava-se a pagar gastos de campanha, por que Pizzolato recebeu – mesmo que tenha sido por algumas horas – uma bolada tão respeitável?

Os adversários de Pizzolato no PT dizem que ele recebeu dinheiro de um personagem de quem pouco se falou nos últimos tempos: o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity.

A história desses petistas é assim: procurado por Delúbio Soares para dar sua contribuição, Daniel Dantas concordou em dar dezenas de milhões de reais. Em troca, queria suporte para manter-se no comando da gigante de telefonia Brasil Telecom, de onde os sindicalistas que comandavam os fundos de pensão do Banco do Brasil, da Caixa e da Petrobrás pretendiam desalojá-lo e brigaram até o fim do governo Lula para conseguir isso.

O fim dessa disputa você conhece. Deu até na Operação Satiagraha, levou àquele dossiê falso com contas secretas de araque no exterior e assim por diante. É muita confusão, concorda?

Mas Pizzolato foi útil para Daniel Dantas ao fazer, publicamente, acusações contra Luiz Gushiken, apontado com o mentor intelectual dos fundos de pensão. Essas acusações serviram para alimentar a denúncia contra Gushiken e ajudaram a seu indiciamento em 2007, embora as bases para isso fossem tão frágeis que cinco anos depois o ministério publico pede sua absolvição por falta de provas.

A polícia federal não achou nada para incriminar Gushiken mas encontrou provas da atuação de aliados de Daniel Dantas. Está lá no relatório assinado pelo delegado Zampronha. Conta-se que a executiva que Daniel Dantas tinha nomeado para comandar a Brasil Telecom assinou um contrato no valor de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério, a serem pagos em três prestações. Confesso que achei essa informação importante e fiquei mais impressionado ainda ao descobrir que nem Daniel Dantas nem nenhum de seus sócios e diretores foram indiciados no mensalão. Mas Gushiken foi.

Curiosidade? Paranóia?

Acho que é piada pronta. Lembro sempre que ninguém deve ser acusado por antecipação. Mas, em minha infinita ignorância, encontro um laço de parentesco entre os recursos do Visa Net e da Brasil Telecom.

Enquanto dirigiu a Brasil Telecom, Daniel Dantas e seus amigos tinham acesso ao cofre dos fundos de pensão de estatais, instituições cujo presidente é nomeado pelo presidente da República. Só para mostrar a ligação dos fundos com o Estado, basta lembrar que, certa vez, Fernando Henrique Cardoso assinou uma intervenção que afastou toda a diretoria da Previ, o fundo do Banco do Brasil.

Mas vamos aguardar. O julgamento retoma na segunda-feira, teremos novas defesas e, em seguida, os ministros vão falar. Muitas perguntas foram feitas. Vamos ver quantas serão respondidas. Mas se aparecer um novo desmembramento vai ficar muita antropologia para um julgamento só…

Extraído do sítio Revista Época

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