É interessante observar o movimento de vai-e-vem das informações e do tratamento oferecido pela grande imprensa aos temas considerados relevantes a cada momento na vida política nacional e internacional. Parece claro que existe uma orientação que emana das direções de tais órgãos, sempre a defender determinados interesses de grupos econômicos e de poder. Mas nem sempre as coisas ficam bem claras a esse respeito.
Agora, de repente, parece que a crise financeira internacional e as dificuldades do cenário econômico em nosso País foram solucionados ou esquecidos. Desde algumas semanas atrás que uma nova trinca de assuntos parece dominar o espaço dos noticiários: i) os Jogos Olímpicos em Londres; ii) o processo político-juridico do chamado “mensalão” no interior do Supremo Tribunal Federal (STF); e iii) a dinâmica política associada às eleições municipais de outubro próximo.
Não pretendo aqui, de forma alguma, desqualificar a importância desses itens na pauta jornalística. Porém, o que chama a atenção do observador desinteressado é a súbita alteração do foco das prioridades. Afinal, se até pouco tempo a crise econômica era o elemento central do tratamento, em princípio não haveria razão para mudança tão drástica. Muitos argumentam que a insistência com o tema da economia poderia tornar as matérias enfadonhas e repetitivas, sem novidades. E com isso provocar uma sensação de cansaço junto ao público. No entanto, o debate sobre as alternativas econômicas é essencialmente uma discussão de natureza política. Relegá-lo ao seu aspecto técnico é abrir espaço para a continuidade desse modelo que privilegia o grande capital, em especial o setor financeiro.
Crise econômica saiu de pauta
A emergência de novos assuntos faz parte da própria dinâmica da realidade e a imprensa tende a incorporar tal fenômeno em suas coberturas. E aí surgem os escândalos, as medalhas, as pesquisas de intenção de voto. No entanto, os pontos cruciais das dificuldades que o País enfrenta na esfera da política econômica ainda não foram enfrentados pelo governo de maneira satisfatória. Os efeitos negativos da crise continuam a se fazer sentir. E isso mereceria um maior espaço de informação e mesmo de reflexão. E refiro-me aqui à análise econômica em sua abordagem mais ampla e não à pequenez das chamadas “avaliações de elevador” – na verdade, mero acompanhamento descritivo de variáveis que sobem e/ou descem a cada semana, sem muita referência analítica e explicativa a respeito das razões mais profundas que levam a tais movimentos.
Na verdade, o que faz falta na cobertura dos grandes meios de comunicação é a recuperação do sentido da “economia política”, expressão e conceito que os autores clássicos sempre utilizaram para tratar desse fenômeno complexo, mas sem dúvida integrante do campo das ciências sociais. Porém, uma parcela importante dos estudiosos norte-americanos, ao longo de século passado, promoveram uma simplificação desastrosa, quando passaram a tratar a “political economy” apenas por “economics”. Ao pretender retirar o conteúdo e o adjetivo político do objeto de estudo, a “economia” passou a ser tratada quase como uma ciência exata, onde tudo poderia ser objeto de mensuração absoluta e, principalmente, alvo de previsão segura quanto a cenários futuros.
Não obstante a conquista de algumas medalhas olímpicas, a evolução dos depoimentos do “mensalão” e o avanço das campanhas eleitorais por todos os cantos, o fato é que a situação econômica de nosso País continua a apresentar um quadro preocupante.
Os problemas não foram solucionados
Apesar da importante redução na taxa SELIC promovida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM), no mundo real o custo dos empréstimos junto aos bancos privados não foi reduzido da mesma magnitude. Desde o final de agosto do ano passado, a taxa oficial de juros iniciou uma trajetória contínua de queda: ao longo das 6 reuniões do COPOM, ela saiu de 12,5% para os atuais 8% ao ano. Porém, a banca oligopolizada mantém uma postura agressiva com relação aos elevados “spreads” por ela praticados, apesar da tímida iniciativa adotada pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal em sentido contrário. Em resumo, a taxa real de juros praticada nas operações junto a indivíduos e empresas continua a ser uma das mais altas do mundo.
Essa reversão de tendência na trajetória da SELIC significaria uma redução do volume de gastos orçamentários com os juros e serviços da dívida pública. Isso porque tal montante de despesas financeiras depende do estoque da dívida e da taxa de juros que o governo define como sendo a remuneração dos títulos públicos. Se a SELIC caiu de quase 50% ao longo dos últimos 12 meses, isso deveria significar um alívio nas contas do governo federal, que veria seus recursos liberados para serem gastos em áreas estratégicas e de maior retorno social e econômico. É o caso das rubricas da área social (saúde, educação, previdência social, saneamento, etc) e dos investimentos públicos. No entanto, a orientação do governo foi em sentido contrário, praticando a manutenção do superávit primário em níveis absurdamente elevados e promovendo a continuidade da política de contenção de despesas públicas em áreas mais sensíveis. Ou seja, continua a mesma política da ortodoxia monetarista de reduzir gastos estratégicos com o objetivo de assegurar recursos orçamentários para as despesas parasitas com pagamento de juros. Os recursos existem, mas estão contingenciados e indisponíveis para gasto. Um absurdo!
Desindustrialização e desnacionalização
Por outro lado, dois fenômenos cruciais para o processo de desenvolvimento econômico brasileiro continuam sem merecer a devida atenção do governo da Presidenta Dilma. Refiro-me aqui à desindustrialização e à desnacionalização. Apesar da profunda conexão causal existente entre ambas, é importante que sejam analisadas individualmente, dadas as particularidades de cada processo.
O primeiro caso - desindustrialização - é fruto da prioridade concedida ao setor primário de nossa economia: o extrativismo mineral e o agronegócio. Embalados pelos preços atrativos oferecidos pelas chamadas “commodities” no mercado internacional, os empreendimentos associados à exploração e exportação de minério de ferro, petróleo, soja, cana-de-açúcar, trigo e outros cresceram apoiados por políticas públicas generosas desde o final da década de 1990. Por outro lado, a passividade dos sucessivos governos na condução da política cambial propiciou uma irresponsável valorização do real frente às moedas internacionais, que durou vários anos. Esse movimento de apreciação cambial incentivou a tendência à importação de bens industrializados, em especial aqueles oriundos de países que conseguem praticar custos reduzidos, tendo a China como principal exemplo. Na outra ponta, esse tipo de câmbio dificultou a exportação de produtos industrializados brasileiros, que não logravam conseguir espaço no mercado externo competitivo. Com isso, observou-se uma perigosa redução da participação da indústria em nosso PIB, o que tem um significado de transferência para o exterior dos processos geradores de maior valor agregado.
Já a desnacionalização passou a receber maior destaque pois o número de aquisições de empresas brasileiras por parte de grandes grupos internacionais tem crescido ao longo dos últimos anos. De acordo com recente levantamento de uma importante consultoria, houve 167 aquisições de empresas nacionais por grupos estrangeiros ao longo do primeiro semestre desse ano. Esse número representa um crescimento de 78% sobre as 94 aquisições de mesma natureza ocorridas no primeiro semestre de 2011 e de 117% sobre as 77 operações no mesmo período de 2010. Desse total de 2012, 79 foram comprados por empresas canadenses e norte-americanas, ao passo que 61 foram aquisições efetuadas por grupos de origem européia. Esse processo reflete uma redução na capacidade de decisão nacional a respeito das políticas de investimento de tais empresas, que passam a responder apenas aos interesses de suas matrizes estrangeiras, inclusive no que se refere á remessa de lucros para o exterior.
Baixo PIB, isenção tributária e investimento público
Outro aspecto relevante da política econômica refere-se ao baixo crescimento do PIB para o presente ano, que corre sério risco de ficar ainda abaixo dos 2%. Uma das várias razões para tal fato pode ser buscada nos efeitos provocados pela política de cortes orçamentários praticados ao longo do primeiro semestre, que impediram a retomada do crescimento da economia por meio da recuperação do investimento público. A aposta do governo tem sido a de buscar o retomado pelo simples aumento do consumo, em um modelo que não comporta mais esse tipo de opção. As famílias já alcançaram um nível elevado de endividamento e as compras de automóveis e de eletrodomésticos encontram um limite na própria natureza desse tipo de bem - não é normal que se compre mais de um veículo, geladeira ou fogão no mesmo ano.
A estratégia de buscar a reativação da atividade econômica apenas pela política de redução e isenção tributárias também tem mostrado suas debilidades. Tal tipo de decisão reduz a capacidade arrecadatória do Estado e não está sendo acompanhada de exigências de contrapartida efetiva por parte do governo federal, por exemplo no que se refere à manutenção do nível de emprego e do índice de nacionalização das compras. As grandes empresas nacionais e multinacionais beneficiam-se de empréstimos a juros subsidiados do BNDES e são contempladas com redução de suas obrigações tributárias. No entanto, tudo indica que o saldo final desse processo não tem sido positivo para o País e menos ainda para a maioria de sua população. O fundamental é que seja recuperada a capacidade de investimento público, mecanismo mais eficaz para atuar como indutor do desenvolvimento nacional.
A crise econômica continua. O nosso ritmo de atividade permanece patinando, quase sem sair do lugar. As empresas não cumprem com suas obrigações sociais. Mas os noticiários insistem em destacar exclusivamente as medalhas perdidas, os recordes batidos, os ministros do STF tirando uma soneca, a estratégia dos advogados de defesa dos réus do mensalão, os debates entre os candidatos a prefeito, os resultados da penúltima pesquisa de sondagem eleitoral. Esperar até novembro talvez seja uma opção muito arriscada para o governo, caso queira realmente mudar os rumos da economia real.
* Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Extraído do sítio Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário