Voltamos a um assunto que não se deve deixar sair de foco. O fato de virmos a sediar a Copa do Mundo em 2014 continua provocando muitas discussões sobre a sua oportunidade, entre outras razões pelos gastos tidos como exorbitantes com os estádios e onde o dinheiro público está entrando, direta ou indiretamente (sob a forma de isenções), estranhamente sem que a turma dos “privativistas” de plantão permanente formule qualquer crítica séria a respeito.
Há algumas razões para tal “omissão”. Em primeiro lugar, os “empreendimentos” são, obviamente, em sua maioria, condenados à futura condição de elefantes brancos, pelo retorno pífio que poderão provocar em cidades – como Brasília, por exemplo - , onde o futebol é uma piada. Sem a perspectiva do lucro fácil, a privatização não mostra suas garras, não demonstra apetite. Em segundo lugar, porque, no final de tudo isso, nos estádios que vierem a ser rentáveis, é mesmo a iniciativa privada quem vai se beneficiar, depois da Copa, das maciças inversões de dinheiro público. Aqui no Rio, já se fala abertamente da entrega do Maracanã a empresas particulares. Aqui, a ideia é a de sempre: mamar nas tetas governamentais.
O futebol – de que gosto muito, registre-se – é, em nosso país, gerido por oportunistas que se aproveitam da legítima identificação que esse esporte possui com o povo, sendo para uma grande maioria a válvula de escape, a fuga dominical dos problemas de todos os dias. Nesse sentido, como fonte de lazer (outrora barata, mas com fortes tendências à elitização em função dos interesses mesquinhos que o vem cercando ultimamente), cumpre missões, intencionais ou não, de amortecimento de conflitos que as pessoas experimentam em uma sociedade ainda profundamente desigual.
Nos grandes clubes de massa – com raríssimas exceções -, o que se vê é a capitalização da emoção dos torcedores, com dirigentes cujo único objetivo parece ser o enriquecimento pessoal, mancomunados com empresários da pior espécie que acabam inoculando, nos próprios atletas, o vírus do absoluto mercantilismo. Impossível admitir-se, em um país com o nosso nível de dificuldades a superar, esse desfile de remunerações nababescas auferidas por pretensos “ídolos” que, além do mais, vivem por aí servindo de péssimo exemplo para os jovens, com atitudes de irresponsabilidade e falta de comprometimento profissional que a mídia esportiva, no geral, quando convém aos seus interesses, acintosamente deixa passar em branco ou trata de modo folclórico.
Todos esses elementos respondem, a meu ver, pela situação de “baixa” do nosso futebol, se confrontado com outros centros, ou com outras épocas. E é clara a responsabilidade, aí, da cúpula encastelada como dinastia na CBF, frequentemente acusada por uma parte responsável da mídia esportiva de várias operações nebulosas, sem convincentes explicações ao povo, que alimenta os negócios.
Quem quiser conhecer uma dessas estranhas histórias de presumido beneficiamento pessoal que anda por aí, pesquise os detalhes que cercaram o Jogo Brasil x Portugal realizado em 2008 em Brasília – ainda sob a gestão Arruda -, um exemplo, em meio a tantos outros, a merecer, no mínimo, um aprofundamento na investigação . A revista CartaCapital da última semana trata, aliás, desse e de outros assuntos na reportagem “O ex-dono da bola” e faz do presidente da CBF a sua capa, com o título “O bola murcha”.
Vem-se falando, nos últimos tempos, da saída do Sr. Ricardo Teixeira da CBF, e, apesar de ele ter negado tal possibilidade, onde há fumaça há fogo. Afinal, ele não goza de trânsito com a Presidenta Dilma, que não está disposta a ampará-lo diante das muitas denúncias que ele enfrenta. Se acontecer a saída, através de uma estratégica renúncia, chegaríamos ao fim do “chá de cadeira” que o jornalista Juca Kfouri menciona há tantos anos, esperando a queda do todo poderoso. E poderia ser uma oportunidade única para uma mudança completa, uma oportunidade para a oxigenação da entidade, com nomes de respeito no esporte brasileiro – que ainda os há – que, além da transparente probidade na administração, poderão tentar resolver problemas crônicos que estão empobrecendo o nosso futebol, entre eles a substituição de um calendário absurdo que parece atender muito mais às redes de TV do que às conveniências do esporte e uma regulamentação que imprima profissionalismo aos dirigentes e ética e moralidade aos empresários, como de resto a todos os atores no âmbito futebolístico. Pode ser uma utopia, é certo, mas algumas utopias já prepararam realidades. O perigo está na superficialidade de certas mudanças. O vice de Ricardo Teixeira é o Sr José Maria Marin, político paulista que teve cargos importantes em épocas não muito saudáveis da nossa história recente e hoje em merecido ostracismo, mas que se notabilizou recentemente pela folclórica “apropriação indébita” de uma medalha destinada a atleta campeão pelo Coríntians na “copinha” paulista.
Giuseppe Tomasi di Lampedusa, autor do romance “Il Gattopardo” adaptado para o cinema por Luchino Visconti, coloca na boca de um príncipe a frase: “ Se queremos que tudo permaneça na mesma, é necessário que tudo mude.” Pois é. Aí é que mora o perigo...
Extraído do sítio Direto da Redação
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