26 março 2012

O COMUNISMO MORREU? E DEUS...? - Paulo Timm

“Vimos que, ao contrário de grande parte do marxismo ocidental, o “marxismo oriental” soube focalizar bem a barbárie colonial do capitalismo.”
Domenico Losurno , in Como nasceu e como morreu o marxismo ocidental

No dia 14 de março de 1883, há 129 anos, morria, aos 65 anos, com uma obra que seria inspiração do radicalismo moderno, um dos mais importantes intelectuais da história da humanidade: Karl Marx. Como no se refere aos grandes artistas, a vida pessoal de um filósofo é absolutamente insignificante, ainda que eventualmente a coloquemos sob o crivo da pesquisa histórica. O que importa são suas idéias. Como diz Oscar Wilde, a obra de um artista é eterna, sua vida, passageira e insignificante. Nada mais “marxista”do que esta observação…
"Marx descobriu a lei do desenvolvimento da História humana: o simples fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que portanto a produção imediata de víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a parir do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se desenvolve, na ordem em que elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos.
Isso não é tudo. Marx descobriu também a lei específica que governa o atual modo de produção capitalista e a sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia iluminaram-se subitamente esses problemas, enquanto que todas as investigações passadas, tanto dos economistas burgueses quanto dos críticos socialistas, perderam-se na obscuridade."
(Discurso de F.Engels no funeral de K.Marx)

Dentre as grandes ideias de Marx, algumas assinaladas acima, a que teve maior repercussão, entretanto, foi o “comunismo”, ainda que ele não se tenha ocupado muito em aviá-la em conceitos ou fórmulas de aquisição. No fundo, o inventor do comunismo, que acabou dividindo o planeta entre uma ordem que a ele se filia e uma outra, que combate – o capitalismo -, pouco falou sobre em que consistia este novo mundo. Marx, a propósito, preferiu dedicar seu esforço intelectual na tentativa de descobrir a célula fundamental em torno da qual se realizava dinamicamente , não o capitalismo, mas O CAPITAL, que não é, metodologicamente a mesma coisa. Já ao final de sua trajetória intelectual, quando se detém à análise do Estado como expressão da classe dominante e em suas críticas ao Programa de Gotha, em Londres, em 1875, alinhará algumas idéias sobre o caminho da Revolução Proletária anunciada no Manifesto Comunista de 1848. Elas encontrarão eco não no racionalismo socialista francês, nem no grande Partido Social Democrata Alemão, que enveredará, depois do fracasso da Revolução de 1919, pelos meandros do reformismo, mas em Lenin, na condução da Revolução Russa em 1917. Desde então, o comunismo, cuja designação incorporou-se aos movimentos socialistas do mundo inteiro imantados, seja pela Filosofia de Marx, seja pelo apelo popular da revolução russa, como um conjunto de regras relativas à organização para a conquista do Poder , como um assalto da vanguarda na consecução de um ideal, como na montagem de um modelo de economia centralmente planificada, sob o regime de Partido único, a título de consolidação da Ditadura do Proletariado. Curiosamente, porém, o apelo foi sempre maior do que as prescrições substantivas que lhe deviam guiar. A voz mais forte do que a escrita. A fé , muito mais sólida, do que a razão filosófica, inevitavelmente datada e limitada aos cânones do seu tempo: o cientificismo, presente na mesma tentativa de Comte, de fundar uma Ciência Social, amparado na idéia de força – produtiva – e linha de evolução e a vã tentativa de encontrar uma “Lei Geral” de sua fenomenologia. Marx, não foi, aliás, um grande erudito do seu tempo Foi um arguto pensador, com grande senso moral e pragmatismo político que soube juntar as peças do tabuleiro teórico do seu tempo para fundar o que denominou como Materialismo Histórico – o iluminismo, o rousseaunismo e os fundadores da Economia Política Clássica – . Lenin o atestou no clássico “Três partes, três fontes do marxismo”.
“Os iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram razão. A razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder agir de acordo com o conhecimento da verdade.”
(Cesar Benjamin, in Atualidade de Marx)

E Marx deu ao seu trabalho intelectual uma missão transformadora do mundo, deixando, como maior herança, o clamor contra a espoliação humana. Daí que um autor , Domenico Losurdo, insista tanto na verdadeira cisão epistemológica entre um “marxismo ocidental” perdido em sistemas estéreis de pensamento, ao qual a antiga União Soviética, consolidada, acabou aderindo, vindo a inspirar H. Marcuse no seu clássico “Marxismo Soviético” e um “marxismo oriental”, sem grande profundidade acadêmica, mas compensado vigor político. Esqueceu-se Losurdo de dizer, entretanto, que, se é verdade que o “marxismo ocidental” perdeu-se em conjecturas , foi uma de suas dissidências, excomungada como “renegada”, por ambas as expressões desta filosofia, a social-democracia, que moldou o capitalismo europeu como um modelo civilizatório avançado. Este mesmo modelo que agora todos lamentam estar sendo engolido pela voracidade do capital financeiro diante da crise.

Aqui, com base no exposto, uma digressão.

Ao combinar uma base filosófica pré-existente ao clamor de justiça numa fase de profundas mudanças na sociedade, quando a indústria arrancava grandes massas de população dos campos, despossuindo-os dos tradicionais meios de trabalho e colocando-os em condições sub-humanas de vida nas cidades, Marx, reedita, secularmente, o grande feito do cristianismo. Não faltou, sequer, a tentação de substituir os deuses sacrificados em holocausto à razão, pela presença de um Leviatã capaz de promover a Lei Geral da Nova Ordem…

O mundo clássico, à época de Cristo, estava cindido entre a filosofia grega que proclamava o nascimento da razão sobre a voz do destino , como corolário do helenismo, e um clamor de justiça pelos povos submetidos aos rigores da violência da Pax Romana , já sob a égide de Augusto, no II Império. A Boa Nova teria, provavelmente, se perdido entre tantas outras seitas, se não tivesse ocorrido e se expandido, com Pedro sobre Roma e com Paulo na Grécia, onde foi se oferecer como a primeira religião que procurava combinar, em seu corpo de doutrina, tanto a fé como os pressupostos da razão emergente. Santo Agostinho, pouco depois, consubstanciaria este desafio na sua Teologia. E Santo Tomaz a reatualizaria, ajustando-a aos novos tempos, no século XIII.

Não por acaso, este mesmo tipo de compósito cultural vai ocorrer, novamente, entre os séculos XVIII e XIX quando as principais cidades européias alcançarão não só o mesmo tamanho da Roma antiga – 1 milhão de habitantes -, como esplendor similar. A diferença é que o mundo viveria a Idade da Maioridade da Razão e não sua tenra infância da prístina Hélade. Mas os horrores sociais, correspondentes à degradação do mundo camponês e suas crenças eram tão terríveis quanto os observados na Antiguidade. Marx foi o Profeta destes tempos. Munido da cultura do seu tempo, o iluminismo, com forte sentimento salvacionismo, a que sua origem judaica deve ter contribuído, expressou sua indignação moral frente a esses horrores e formulou sua doutrina, combinando Razão e Sensibilidade, esta última numa rara percepção de que a liberdade já não seria suficiente como palavra de ordem desprovida das condições para sua existência, a saber o conhecimento da necessidade. Isso posto, bastou-lhe o brado do Manifesto:

“ PROLETÁRIOS DO MUNDO INTEIRO, UNI- VOS!”

Mas a divisão do marxismo entre uma variante revolucionária, que avançou sobre o Leste, adaptando-se aos imperativos do despotismo oriental, contrariando as próprias percepções de Marx, que imaginava vir a realizar-se a Revolução como o resultado da contradição entre as forças produtivas desencadeadas pelo capitalismo e as “relações sociais” correspondentes a este Modo de Produção submetido à lógica voraz do Capital, e a variante ocidental, menos profética, não foi a única no seio do marxismo. Cada qual teve suas próprias variantes, no último século. Isaac Deutscher assinalou, em meados de 1960, as divisões já visíveis no campo do marxismo revolucionário, não restrito, aliás, ao Oriente, embora predominante, mas já presente na América Latina, com a forte influência foquista da Revolução Cubana. No marxismo ocidental, objeto de estudos de outro historiador, Eric Hobsbawn, as variações são ainda mais amplas. De uma forma geral, pode-se visualizar , hoje, três interpretações do marxismo, cujo primeiro cisma se deu entre comunistas e social-democratas ainda no início do Século XX: a ortodoxa, predominante na França, com forte influência dos estudos de Louis Althusser, que designo aqui como proto-marxista, pelo primarismo mecânico de suas formulações, com projeções, sobre os comunistas latinoamericanos, inclusive militantes do PT, no Brasil; a nova esquerda, com epicentro em teóricos italianos que, de uma ou outra forma , se inspiraram em Antonio Gramsci, que viria a substituir a estratégia do assalto ao poder pelo da conquista da hegemonia proletária, num longo processo de transição ao socialismo e que se combina com as contribuições de grupos europeus e americanos do New Left Review; e , finalmente, a que designo como meta-marxista, com menor expressão política, mas forte presença Cult, pela presença de grandes nomes como Istvam Meszaros e Zizeck, ambos oriundos do socialismo real, o primeiro húngaro, discípulo de G. Luckács , o segundo, esloveno, discípulo de Lacan, ambos extremamente lúcidos e promissores na sua obra.
"Expoente do que Yannis Stavrakakis denominou de “Esquerda Lacaniana”, Zizek rejeita o pensamento da antiga esquerda estalinista e da nova esquerda, apresentando em suas obras uma reorientação da Teoria Política e da análise crítica do mundo contemporâneo, numa perspectiva surpreendente que seria impossível imaginar dez anos atrás. Entre seus principais representantes, encontra-se também Cornelius Castoriadis e Alain Badiou.[2]”
Jorge Alberto Soares Barcellos in Para onde foi o comunismo?

Na retaguarda do marxismo ocidental, a social-democracia, relegada como revisionista, vê a ela se incorporarem, mesmo sem dizê-lo, as várias correntes do marxismo ocidental sobreviventes tanto do naufrágio soviético , como da reconversão chinesa , reduzidas, ambas à atitudes “de circunstância”. Me explico: Não há, nestas correntes, uma revisão de fundo do marxismo, o qual mantém seu caráter fortemente dogmático e permeado do oportunismo da acumulação de forças para a consecução do Grande Salto. A visão do Poder e do Comunismo , para estes grupos é absolutamente igual à da Era Leninista. E mais não falo … Engrossada, portanto, por comunistas “retornados”, mas sem qualquer avaliação crítica do seu passado, a social-democracia debate-se, na Europa, diante do dilema de defender direitos arduamente conquistados nos últimos cem anos e, agora, sob o acicate de políticas conservadores que procuram restaurar o equilíbrio econômico recorrendo à Política Fiscal. No Brasil, a representação oficial da social-democracia ainda é um privilégio do PDT, embora Fernando Henrique Cardoso, tendo visto seus projetos de renovação política no país através de uma atuação mais à esquerda esquerda, pela forte presença de Brizola e Lula neste espaço, tenha optado por lançar mão desta denominação – PSDB – para levar a cabo seu projeto através de alianças mais à direita, com um Governo socialmente vacilante e marcado por concessões ao Império.

De uma ou outra forma, a presença de Marx no mundo contemporânea ainda é e será sensível. A própria crise recupera seu prestígio como o coveiro de uma ordem social marcada por iniqüidades, principalmente no tocando às relações internacionais, fortemente dominadas pelo centro do capitalismo, sob a égide de um império suficientemente armado para impor os seus interesses, caso sua argumentação fraqueje. Por tudo isto, erra o Papa ao afirmar que o comunismo pereceu, às vésperas de sua presença em Cuba, onde se pretende intermediar a transição para uma nova fase da Revolução Socialista naquele país. Isto não é apenas um erro histórico. O comunismo, como ideal de paz e confraternização entre os homens, não morreu, nem morrerá. Ele está na base de todas as profecias sobre um mundo melhor. É , sobretudo, uma profunda indelicadeza de sua Eminência, cujas mancadas deste tipo já tornaram folclóricas. Sorte a dele que, malgré-tout, Fidel, um herói que carrega no seu perfil e na sua obra, no rastro da máxima helênica – “Proferir palavras e fazer ações”- la herencia del Quijote , é um gentleman. Fará de conta que não escutou nada. E jamais lhe ocorrerá, ao retribuir a visita papal, às portas do Templo de São Pedro, devolver: “Deus está morto…!”

Extraído do sítio do Sul21

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