De acordo com Jacques Bérès, que já atuou em diversas zonas de conflito, situação no país é "catastrófica".
O cirurgião francês, Jacques Bérès, de 71 anos, sempre presente em zonas de conflito ao redor do mundo, esteve há menos de 15 dias na cidade síria de Homs, a 35 quilômetros da fronteira com o Líbano, lá onde oficialmente nenhuma grande ONG envia equipes humanitária atualmente. Sitiado há semanas, o terceiro maior município do país é alvo de intensos bombardeios e ataques terrestres durante a ofensiva das forças do presidente sírio, Bashar Al-Assad, contra o movimento de contestação armado que quer a sua queda do governo.
Bérès, em coletiva em Paris: "Bashar al-Assad tem a chave para a abertura de corredores humanitários" - Médicos Sem Fonteiras/Divulgação |
Homs se tornou um símbolo da resistência do Exército Livre da Síria (FSA, na sigla em inglês), ao longo da guerra civil que começou em março de 2011 e se agrava a cada dia. De volta à Paris a menos de duas semanas, o cofundador do Médicos sem Fronteiras enfrenta uma verdadeira maratona midiática para denunciar os horrores dos quais foi testemunha. Leia a entrevista concedida ao Opera Mundi:
Opera Mundi - Há uma guerra civil na Síria?
Jacques Bérès – Sim, é uma guerra civil. Não era no início, foi um massacre, a repressão de manifestações pacíficas durante meses. Quando as pessoas são mortas simplesmente por sacudirem cartazes, é melhor pensar em se defender. Um dia, se torna uma guerra civil.
OM – Como o Sr. conseguiu entrar na Síria?
JB – A primeira linha do estatuto do Médicos sem Fronteiras diz que nosso objetivo médico é ir onde outros não podem. Hoje em dia, isso não acontece mais. Tive a sorte de ter sido adotado por duas ONGs: a União das Associações Muçulmanas de Seine-Saint-Denis, (UAM-93), [jovem associação muçulmana que trabalha pela defesa da religião na França, mas desenvolve ações humanitárias em lugares como Faixa de Gaza e Líbia] e a França-Síria Democracia [associação laica que defende a intervenção militar estrangeira na Síria].
Se não temos visto, somos clandestinos e considerados como um “espião norte-americano”. Por isso, é melhor ser enviado por ONGs. É uma espécie de cobertura moral, além da cobertura financeira. Caso eu seja condenado por espionagem, ao menos terei papeis que dizem que não é bem assim e que há pessoas que pensam que se trata de uma operação humanitária. É muito importante.
OM - Recebemos informações da situação na Síria apenas através das agências de notícias internacionais. Qual o cenário que o Sr. encontrou em Homs?
JB - Me lembrou Grozni, na Chechênia. O mesmo tamanho de cidades, a mistura de populações urbanas e rurais e a falta de abrigos anti-bomba. A situação humanitária é catastrófica. Nós atendemos feridos muito graves e em grande quantidade. Há combatentes do Exército Livre da Síria, mas são minoria. A maioria é formada por civis, que estão sendo massacrados. Idosos, homens, mulheres e crianças que são bombardeados intensamente.
É ele, Assad, que tem a chave para a abertura de corredores humanitários, mesmo que seja o mínimo a ser feito. Não é uma solução, é apenas o início do começo de uma solução. A evacuação de feridos foi possível durante certo tempo, para outros distritos de Homs e de lá para o Líbano, mas ultimamente se tornou completamente impossível.
Refugiados dos bombardeios na Síria se juntam às centenas de compatriotas que foram para o Líbano - EFE |
Há muitos mortos. Eu tenho todas as razões para pensar que os números de mortos anunciados pela ONU são claramente inferiores à realidade. Os mortos anunciados só são considerados como tais depois de terem identidade reconhecida e serem anunciados na mesquita. Entre os desaparecidos, entre os que estão soterrados entre escombros e os que não tiveram identidade identificada, há com certeza um coeficiente a mais.
OM - A logística da operação foi feita por essas duas associações francesas que garantiram sua entrada e saída do país através do Líbano. Quais foram as condições de atendimento médico encontradas?
JB - Acampamento hospitalar improvisado no nível mais elementar. Precisei me mudar duas vezes, pois fomos vítimas de bombardeios. Estive em uma pequena escola abandonada e em uma casa privada. Nada disso é prático ou conveniente para fazer um hospital. Os doentes têm que chegar por algum lugar e a entrada nunca é o maior cômodo de uma casa.
Depois de colocar quatro pessoas de um lado e quatro de outra, você não pode mais sair dali. É quase impossível tratar feridos da cabeça ou do tronco, nos concentramos em feridos dos membros e abdômen e em alguns casos da associação membros e abdômen. Há também os familiares, que ficam em um espaço proibido; falta água e eletricidade. Eu era apenas um elemento suplementar, tive a sorte de ter sido autorizado a me introduzir em uma estrutura de médicos e cirurgiões sírios que correram o risco de ter um estrangeiro trabalhando com eles.
Os humanitaristas não são bem vindos. O Croissant Rouge Syrien [braço árabe da organização humanitária Cruz Vermelha] sim. Ouvi falar que é suspeito de colaboração com o regime, mas isso não diz respeito só à Síria, é quase uma tradição em vários países do mundo que a presidência do Croissant Rouge vá para a mulher do presidente da República, a mulher do primeiro-ministro, à tia dele.
OM - Quem são os combatentes que o Sr. viu e cuidou?
JB - Os combatentes vêm da população civil. Eles são mais jovens e têm armas para se proteger, mas não tão poderosas quanto as do regime. Têm uma taxa de mortos e feridos que é inaceitável para qualquer exército. Os combatentes são majoritariamente desertores do exército de Assad com suas armas. Inclusive, vi algumas poucas deserções em Homs.
A moral é elevada, eles são corajosos e heróicos, o que não quer dizer que depois venham a fazer a mais bela democracia do mundo. Eu não tenho opinião sobre o regime político que farão depois.
Extraído do sítio Opera Mundi
Extraído do sítio Opera Mundi
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