A Conferência de Ialta ocorreu em fevereiro de 1945 na cidade que leva o mesmo nome, no Palácio de verão da família imperial russa, às margens do Mar Negro, na Criméia, república autônoma da Ucrânia. Franklin Delano Roosevelt (EUA), Josef Stalin (URSS) e Winston Churchill (Reino Unido) se reuniram para negociar o fim da Segunda Guerra Mundial.
Diz a lenda que, em dado momento da reunião, Roosevelt teria sugerido a Stalin que, para amealhar a simpatia do Papa Pio XI, poderia ser mais tolerante com os católicos soviéticos, ao que o ditador ironizou-lhe a propositura com a célebre frase “Quantas divisões tem o Papa?”, sugerindo que não havia que agradar a um líder religioso em um tempo em que só havia fé no poder das armas.
Saltemos 41 anos, até a América do Sul.
Em 1986, um ano e quatro meses após o fim do regime militar brasileiro e antes da redemocratização de fato – que só se daria em 1989, com a primeira eleição direta para presidente após quase trinta anos –, com o país ainda sob observação dos ditadores, o então presidente José Sarney sancionou a lei 7.524, que autorizava militares da reserva a “Opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público”.
Com base em uma lei sancionada por um presidente-tampão oriundo do aparato político da ditadura – político que, com Tancredo Neves, compôs a chapa aceitável pelo regime para disputar a Presidência da República no Colégio Eleitoral com seu candidato, Paulo Maluf –, os militares, meio século depois, voltam a desafiar outro comandante-em-chefe, Dilma Rousseff.
São os mesmos que fecharam o Congresso, que destituíram o Judiciário que não se submeteu, que calaram a imprensa, que prenderam cidadãos ilegalmente, que estupraram, que torturaram, que roubaram e assassinaram. Agora, pela pena de um dos bonecos de ventríloquo na “imprensa”, acusam a presidente de “tirana” (!?). Veja só, leitor.
Aí me volve a célebre suposta frase do ditador soviético: quantas divisões têm os generais de pijamas e pantufas?
Perceba-se que não estou ironizando de todo. Por mais que, supostamente, sejam hoje velhotes indefesos e desarmados, rugem como tigres.
A lei 7.524 cobriu os militares da reserva até um certo ponto, ou seja, até que emitissem a segunda nota. Naquele momento, a lei virou pó e eles cometeram insubordinação. Se tudo isso avançar para punição de fato, ficará claro que a lei não os autoriza a ignorarem a subordinação hierárquica à presidente e ao ministro da Defesa.
Pergunto-me – e ao leitor – se a questão proferida por Stalin cabe com ironia ou se, uma vez configurada a insubordinação dos militares ao questionarem a legitimidade do Poder Legislativo para aprovar a Comissão da Verdade, tudo pode ser o prelúdio de um próximo passo que contaria com divisões – que não sabemos quantas seriam – entre as hostes da ativa.
Dirão que eles têm medo da apuração da mais do que legítima Comissão da Verdade – e têm. Todavia, que a presidente não olvide de que não existe nada mais feroz na natureza do que um animal – ou vários – acuado. Pode ser um blefe, essa valentia toda dos milicos e dos seus bonecos de ventríloquo na “imprensa”. Mas pode não ser.
Eu e os mais de cem milhões de eleitores brasileiros, no mínimo, temos amplo interesse em saber o que é. Os recadinhos daquilo que se autoproclama “imprensa” sugerem que seus verdadeiros redatores habitam o asilo da Caserna. Como qualquer animal acuado, repito, são perigosíssimos. E, como se sabe, não se pode hesitar diante de feras acuadas.
Extraído do Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães
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