John Maynard Keynes (1883-1946) é considerado o mais importante economista do século XX. Mesmo acreditando na maior eficácia da capacidade alocativa das forças de mercado, sua grande contribuição foi mostrar as falhas da “lei da oferta e procura” e propor um papel ativo do Estado no sentido de corrigir estas falhas. Ou seja, Keynes rompeu com o liberalismo clássico que pressupunha o mercado trabalhando sempre em uma situação de equilíbrio de pleno emprego dos fatores de produção e passou a defender uma maior intervenção estatal para promover o crescimento econômico, embora sem aderir às teses socialistas e nem ao “capitalismo de Estado”.
Mas, quando Keynes escreveu suas obras mais importantes, a situação econômica e ecológica do mundo era bem diferente da contemporânea. Em meados de 1930, a população mundial era pouco mais de 2 bilhões de habitantes e a economia global era cerca de 12 vezes menor do que o atual. Naquela época, o Brasil inteiro tinha uma população menor do que a do estado de São Paulo atualmente e uma economia menor do que a atual do estado do Rio de Janeiro. Portanto, o impacto ambiental da produção e do consumo era reduzido, comparado com os padrões atuais.
Diante do quadro de desemprego, fome e pobreza provocado pela grande depressão econômica dos anos 1930, Keynes argumentou que havia uma baixa utilização dos fatores de produção, pois os trabalhadores queriam trabalhar mas não tinham emprego, os fazendeiros queriam produzir alimentos mas a população não tinha dinheiro para comprar e os capitalistas queriam aplicar seus capitais mas não havia mercado para seus produtos.
Nesta fase recessiva do ciclo econômico a única saída para a retomada do crescimento econômico seria o Estado afrouxar a política monetária e aumentar os seus gastos – mesmo gerando déficits fiscais – para retomar o pleno emprego dos fatores de produção (trabalho, terra e capital).
Reconhecendo que as flutuações econômicas do capitalismo são inevitáveis, a essência do pensamento keynesiano se baseia na defesa de políticas governamentais ativas (reduzindo a taxa de juros e criando incentivos fiscais) para promover um estímulo anticiclico e amenizar os efeitos das flutuações recessivas. Desta forma, quando a economia vai mal, o déficit público deve aumentar para estimular a retomada do crescimento. O inverso deve acontecer nos períodos de prosperidade, com o Estado aumentando os impostos e reduzindo os gastos para pagar as dívidas do ciclo anterior e formar um fundo de reserva para utilização nos ciclos recessivos posteriores.
A macroeconomia keynesiana foi um sucesso no pós Segunda Guerra Mundial. A economia internacional nunca cresceu tanto quanto no período de 1950-1973, os chamados anos dourados (dourados para a economia e marron para o meio ambiente). Mas os limites começaram a aparecer quando o preço do petróleo aumentou (mostrando a finitude da energia fóssil) e logo em seguida quando houve a crise da dívida de países como México, Brasil, Polônia e outros. Assim, nas décadas de 1970 e 1980, o keynesianismo já começou a se confrontar como os limites econômicos e ecológicos, que só se agravariam nas décadas seguintes.
A crise financeira internacional que começou em 2008 atingiu o mundo em um momento em que o preço do petróleo e dos alimentos estavam em seus níveis mais altos e a maioria dos países desenvolvidos apresentando níveis de endividamento muito elevados. O Japão já se encontra em situação de estagnação econômica há duas décadas. Os Estados Unidos (EUA) tinham uma dívida pública de pouco mais de 5 trilhões de dólares em 2000, passou para 10 bilhões em 2008 e chegou a 15 trilhões de dólares no final de 2011, retirando a capacidade do governo de implementar novos incentivos para reduzir as taxas de desemprego. O montante da dívida americana já chegou a 100% do PIB.
A disputa entre os diversos lobbies deixa claro que, não só o mercado, mas o Estado também tem suas falhas e excessos. O aumento dos compromissos estatais como forma de contra-peso ao mercado pode levar não a um Estado forte, mas a um Estado obeso.
No caso brasileiro o Estado não consegue elevar as taxas de investimento e se limita, inspirado em Keynes, a estimular o consumo. No começo do governo Dilma, o ministério da Fazenda fez projeções de crescimento médio do PIB brasileiro de mais de 5% ao ano, entre 2011 e 2014, mas devido às limitações macroeconômicas, o crescimento médio deve ficar na casa dos 3% ao ano no período.
A maioria dos países europeus estão presos na armadilha da dívida e não conseguem implementar novas políticas keynesianas. O caso mais dramático é o da Grécia que tem uma dívida tão grande (mais de 200% do PIB antes do última renegociação) que não consegue apoio dos credores para rolar os pagamentos e, por falta de alternativa, teve que implementar políticas anti-keynesianas, aumentando mais ainda a recessão e a crise social. O caso de Portugal não é muito diferente. A comunidade internacional já se deu conta de que não há política keynesiana que possa induzir uma reversão nas perspectivas econômicas negativas da Zona do Euro.
Mas, a despeito da crise econômica dos Estados Unidos, do Japão e da Europa, o preço dos combustíveis e dos alimentos continuam altos. Se a economia se recuperar o preço das commodities devem aumentar mais ainda, comprometendo a capacidade de recuperação do crescimento econômico. Estudo recente do professor Mingqi Li (da universidade de Utah) mostra que um aumento do preço real do petróleo de 10 dólares está associado a uma redução entre 0,4 e 1% na taxa de crescimento econômico do PIB mundial.
Portanto, o endividamento crescente dos países, o esgotamento de muitos recursos naturais (especialmente petróleo) e as mudanças climáticas são limites que estão colocando em xeque as políticas keynesianas no século XXI. Isto quer dizer que uma retomada da economia dos países desenvolvidos está cada vez mais difícil. O processo de envelhecimento populacional aumenta os gastos do sistema previdenciário e de saúde. Já os países em desenvolvimento continuam crescendo puxados pelas locomotivas da China e da Índia, que aproveitam a janela de oportunidade do bônus demográfico. Mas o alto crescimento populacional dos países pobres dificulta o combate à pobreza e a preservação ambiental.
Em função da inércia do crescimento econômico e demográfico, as estimativas apontam, até 2030, para um aumento da demanda de mais 50% de comida, 45% de energia e 30% de água. Porém, a finitude do Planeta passa a ser uma limitação quase intransponível. Vários recursos já chegaram no pico da exploração. O esgotamento das reservas e sobre-utilização das águas, dos aquíferos, da pesca, da agricultura, dentre outros, dificultam a continuidade da expansão econômica.
Desta forma, os limites do keynesianismo podem ser também os limites do crescimento econômico ilimitado. O mundo atual está atolado em dívidas econômicas e ambientais. Por isto, cresce a quantidade de pessoas que buscam alternativas para um mundo sem crescimento quantitativo da produção e do consumo. Mais cedo ou mais tarde, o mundo terá de discutir novas políticas macroeconômicas e novas formas de organização social, onde haja convivência harmoniosa entre a economia e a ecologia, pois o remédio keynesiano já ultrapassou a dose e, em diversos casos, está se tornando um veneno.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br.
Extraído do sítio do EcoDebate
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