05 fevereiro 2013

EUROPA AINDA NÃO SUPEROU A CRISE, ALERTA EX-PRESIDENTE DO BANCO MUNDIAL - Michael Knigge


Em entrevista à DW, Robert Zoellick ressalta, durante a Conferência sobre Segurança em Munique, que os EUA precisam dar sinais mais claros aos europeus de que realmente querem um livre comércio transatlântico.

Enquanto a urgência da crise da dívida foi suavizada, a Europa ainda enfrenta desafios difíceis, avalia o ex-presidente do Banco Mundial Robert Zoellick. Em entrevista concedida à Deutsche Welle durante a Conferência sobre Segurança de Munique, Zoellick também explicou por que a crise no Mali não foi exatamente uma supresa.

Zollick foi presidente do Banco Mundial entre 2007 e 2012. Ele atuou como vice-secretário de Estado norte-americano entre 2005 e 2006 e representante para questões comerciais do governo dos Estados Unidos entre 2001 e 2005. Antes disso, havia servido como oficial dos EUA no processo chamado "Dois mais quatro" durante a reunificação alemã entre 1989-1990.

Deutsche Welle: A crise da dívida na Europa não tem estado na mídia há vários dias. Seria um sinal de que a Europa finalmente controlou a crise e superou sua pior fase?

Robert Zoellick: Claramente a boa notícia é que as condições se estabilizaram de alguma maneira e temos visto isso em algumas taxas de juros baixas em alguns países mediterrâneos. Mas concordo com Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), que alertou contra a complacência. E os líderes alemães também fizeram isso.

Acredito que o que o que temos visto é que algumas das extrordinárias ações do BCE reduziram a pressão e eles ganharam tempo. Mas os desafios fundamentais das reformas fiscal e estrutural ainda têm que ser enfrentados. Então acho que 2013 será um ano, no qual vamos ver se o novo governo italiano prosseguirá com as reformas e se o governo espanhol, que tem dado alguns passos difíceis, persistirá nesse caminho. O primeiro-ministro grego Antonis Samaras disse recentemente, num grupo do qual eu participava estava, que ele tem basicamente este ano para mostrar alguma recuperação, pois ele enfrenta o populismo de esquerda e de direita. Então ainda não superamos isso de maneira alguma.

Uma surpresa negativa para a economia mundial veio dos Estados Unidos recentemente, quando foi divulgado que a economia norte-americana contraiu levemente no último trimestre. Isso foi apenas uma escorregada única ou o senhor vê nuvens negras no horizonte?

A maior parte dos economistas sugeriu – e acho que eles estão provavelmente certos – que isso aconteceu por causa de uma combinação de fatores voláteis, como gastos com defesa e questões de inventário. A maioria das pessoas está prevendo um crescimento de cerca de 2% – o que é, de fato, pouco usual, ter esse nível de consistência. Dito isso, acho que mais para frente haverá alguns aumentos de impostos, que foram votados no ano passado e que poderão ser um entrave na economia. E mesmo um crescimento de 2% não é o tipo de crescimento que levará a economia norte-americana para onde ela precisa estar. De forma que os EUA encaram uma série diferente de desafios.

Obama enfrentará difíceis negociações orçamentárias
Talvez o único elemento novo no discurso de Joe Biden em Munique tenha sido seu apoio à ideia de um pacto transatlântico de livre comércio, que deveria ser fechado de uma vez em uma sessão de negociação. O senhor apoia isso, acredita que isso seja possível?

Essas são duas boas perguntas. Apoio tudo que abra mercados e tente liberar o comércio. Acho que a forma certa de acordo transatlântico poderia ajudar ambos os parceiros a lidar com algumas das suas reformas estruturais, a ser mais competitivos sem gastar mais dinheiro. Então acho que isso é uma coisa boa. O que escuto do lado europeu, e acho que é uma preocupação compreensível, é a seguinte: O presidente Obama levará isso a sério?

Como ex-negociador comercial, sei que existe uma diferença entre palavras e ação. E este é um acordo complexo. Haverá questões difíceis na área da agricultura. Há questões de padronização e regulação. Há várias vozes europeias que querem dar esse passo. Mas eles querem saber que os EUA levam tudo a sério e que isso é algo a ser transmitido de maneiras variadas.

O primeiro-ministro David Cameron prometeu ao povo britânico um referendo sobre a permanência na União Europeia. A relação dos ingleses com o resto da UE, e vice-versa, vem azedando há um bom tempo. Não seria melhor para os dois lados se o Reino Unido simplesmente deixasse o bloco?

Conversas sobre saída do Reino Unido da UE: apenas ameaças?
As ligações entre ingleses e europeus são muito profundas e duradouras. Os interesses políticos, históricos, na área econômica e no comércio, são muito fortes. O que ele está tentando propor é uma maior flexibilidade na UE. O Reino Unido deve fazer parte da UE. Cameron está argumentando contra o ceticismo. Mas, segundo ele, precisamos francamente de algumas mudanças no setor de competitividade de serviços para nos tornarmos mais competitivos. Precisamos de mais flexibilidade em algumas regras trabalhistas e sociais, e assim por diante.

Agora, isso é controverso em algumas regiões da Europa, mas acredito que, neste sentido, Cameron está realmente apontando para uma questão que a Europa precisa considerar. E acho que essa é uma grande questão para a Alemanha. Porque, de alguma maneira, quando ouço os alemães conversarem sobre economia e escuto o governo britânico, noto que há muita semelhança. Eles estão tentando manter uma disciplina fiscal e obter maior competitividade no mercado. E acreditam no livre comércio. A Alemanha será o ator dominante na UE. Então a questão fica para o lado britânico: eles farão mais do que discursar?

A França sozinha, independentemente da UE, decidiu intervir militarmente no Mali. Até que ponto ponto o senhor se surpreendeu com a intervenção francesa e com o fato de que a medida tenha sido tomada sem muita assistência de parceiros europeus e dos Estados Unidos?

Intervenção no Mali era previsível, afirma Zoellick
Minha perspectiva com relação a isso é também um pouco diferente, porque, na verdade, visitei o Mali há alguns anos. No Banco Mundial, estávamos conversando sobre as dificuldades vividas no norte do país. Voltei e tentei até mesmo dizer para alguns governos, incluindo o dos Estados Unidos, para deixarem o Banco Mundial ajudar em algum área de desenvolvimento que contribui para a frustração dos tuaregues. Mas alguém também deveria ajudar no setor de segurança. Assisti ao que aconteceu na Líbia. Não acho que alguém precisava ser gênio para entender que haveria um excesso de gente e de armas vindas da Líbia. Minha maior surpresa foi que os EUA e a Europa tenham se surpreendido. Em outras palavras, acho honestamente que isso é algo cuja fermentação poderia ter sido observada antecipadamente.

Acho que os franceses ficaram surpresos e, por isso, moveram algumas forças para cessar isso. Por um lado, eu os respeito por fazerem assim, mas acho que todo mundo precisa ter uma visão clara de que isso é apenas o começo. Apesar de muitos terem "derretido na areia", na verdade isso não significa que foram embora. E como temos visto em outros lugares, você cumpre a primeira etapa e acaba com um tipo de agressão mais convencional, mas depois precisa lidar com ataques suicidas e outras coisas. Eu realmente espero que os EUA e outros países apoiem a França em seus esforços.

Extraído do sítio Deutsche Welle

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