04 fevereiro 2013

O PAÍS DOS TRINTA BERLUSCONI


A organização Repórteres sem Fronteiras publicou, em 24 de janeiro de 2013, um relatório intitulado “Brasil, o país dos trinta Berlusconi”, que aborda os importantes desequilíbrios e obstáculos que caracterizam o horizonte midiático do gigante sul-americano. O documento se baseia em uma investigação realizada em três etapas – Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília – no decorrer de novembro de 2012.

O anfitrião da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 apresenta um panorama midiático que pouco evoluiu nas últimas três décadas, desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Para além de uma dezena de grupos sediados principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que repartem entre si a comunicação de massas, o país conta com uma profusão de meios de comunicação regionais, fragilizados devido à sua extrema dependência para com os centros de poder dos distintos estados. Tanto a imprensa escrita como a mídia audiovisual se mantêm sob a tutela financeira das instituições ou organismos públicos. Uma tutela que mina diretamente sua independência.

Essa situação traz consigo insegurança. O ano de 2012 deixou a profissão de luto, com cinco jornalistas e blogueiros assassinados, colocando o Brasil no quinto lugar dos países mais mortíferos. Dois jornalistas reputados por seus conhecimentos sobre questões de segurança pública também tiveram que se exilar. A campanha das eleições municipais de outubro de 2012 multiplicou os casos de agressões e de ataques cometidos contra os meios acusados de estar a serviço de seus proprietários, políticos locais.

Novas regras

O relatório também indaga sobre um outro obstáculo à liberdade de informação: a proliferação de ações judiciais acompanhadas por ordens de censura contra certos meios. O caso do diário O Estado de S.Paulo, cujas reportagens incomodaram os interesses da família do ex-presidente José Sarney, é, nesse âmbito, o mais conhecido. Mas a mordaça judicial afeta cada vez mais a web e a blogosfera brasileira, enquanto os net-cidadãos aguardam com impaciência a adoção de um novo quadro regulatório (Marco Civil) que garanta a neutralidade da internet.

Ainda no plano legislativo, a questão de uma nova lei de imprensa mobiliza tanto como divide, desde a revogação da lei de 9 de fevereiro de 1967, herdada do regime militar, que castigava com a cadeia os jornalistas recalcitrantes e impunha aos conteúdos editados ou difundidos um controle prévio. Essa herança sobreviveu à adoção da Constituição democrática de 1988, até aos dias de hoje.

Um código eleitoral obsoleto continua reprimindo a informação de caráter político. Um sistema inadaptado de regulação das frequências condena à ilegalidade numerosas rádios comunitárias, espelho de uma sociedade civil ainda pouco escutada. Um novo enquadramento legal precisa do consentimento de uma classe política muito presente na esfera midiática e ciosa de seus interesses.

Essas novas regras, ansiadas pelos atores da informação no Brasil, estão incluídas nas recomendações propostas por Repórteres sem Fronteiras na conclusão do relatório “Brasil, o país dos trinta Berlusconi”. Em um país que não carece de trunfos, a sua diversidade pode se tornar um modelo.

* Por Repórteres sem Fronteiras em 02/02/2013 na edição 731 (www.rsf.org)

Extraído do sítio Observatório da Imprensa

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