A primeira disputa pública entre os dois ex-amigos e ex-camaradas, Samuel Wainer (1910-1980) e Carlos Lacerda (1914-1977), teve como pivô a decisão da ONU que na terça-feira (29/11) completa 63 anos: a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe e outro judeu.
Já curado do seu inflamado comunismo e agora no campo oposto, Lacerda escrevia uma coluna política diária na última página do Correio da Manhã denominada “Tribuna da Imprensa” (a partir de 1949, adotada como título do seu próprio vespertino).
Samuel Wainer |
Samuel Wainer deixou o seu semanário Diretrizes (1938-1944) e foi trabalhar para O Jornal, carro-chefe dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, como seu repórter-estrela. Uma de suas primeiras coberturas, em seguida ao fim da Segunda Guerra (1945), foi o julgamento de Nuremberg, onde os carrascos nazistas foram punidos por seus crimes.
Carlos Lacerda, muito ligado aos interesses americanos, sobretudo das petroleiras (por intermédio do antigo escritório de advocacia Momsen), tentava criar uma clima antipartilha, pró-árabe. Com a vitória dos aliados sobre o nazifascismo, Chateaubriand foi obrigado a rever suas antigas simpatias pelo integralismo e o salazarismo e despachou Wainer para cobrir os sangrentos distúrbios entre árabes e judeus antes do fim do mandato britânico.
Perdas mútuas
Carlos Lacerda |
O confronto jornalístico entre os dois ex-amigos não foi direto nem contínuo. Wainer atuava como repórter, descrevendo acontecimentos; Lacerda exercitava-se na arte retórica, na qual se tornou um peso-pesado. A opinião pública brasileira ficou com Samuel, a favor da partilha. A atuação do chanceler Oswaldo Aranha como presidente da Assembléia Geral da ONU foi decisiva naquele 29 de novembro de 1947, sobretudo porque as duas superpotências, EUA e URSS, cada uma atendendo aos seus interesses, favoreciam a tese da divisão da Palestina em dois Estados.
[Na condição de governador da Guanabara e depois como editor de livros, Carlos Lacerda reviu sua posição com relação a partilha da Palestina.]
O confronto final Wainer-Lacerda deu-se a partir da criação da Ultima Hora, em 1951. Sangrento: levou Vargas ao suicídio e empurrou a grande imprensa para o beco do monolitismo do qual jamais saiu.
Ambos perderam: enredado nas dívidas, o então governador da Guanabara foi obrigado a vender a sua Tribuna da Imprensa para o Jornal do Brasil, em 1961 (que depois a revendeu ao jornalista Hélio Fernandes).
Depois da bonança da Era JK, Wainer foi sitiado pelo regime militar e obrigado a vender a sua UH em 1971 para a empresa “Folha da Manhã”, de Octávio Frias de Oliveira. Foi um dos três colunistas que estrearam a novíssima Página Dois, onde assinava com as iniciais S.W.
O primeiro
No programa televisivo do Observatório da Imprensa de 22/11 (ver “Revolução azul”), pouco se falou no início da carreira de Samuel Wainer. A primeira publicação profissional onde o nome de Wainer figurava no expediente foi a Revista Acadêmica, mensário de idéias, “Syntese do Momento Contemporâneo”, “Resumo claro, imparcial e detalhado de Política, Economia, Letras, Sciências, Arte e Variedades”.
Em formato de livro, capa verde com letras brancas em relevo, era editado pela Livraria José Olympio (que agora completa 80 anos). O primeiro número foi lançado em maio de 1934, o diretor era o jornalista Batista Pereira (genro de Rui Barbosa), Samuel era o secretário de Redação.
Entre os colaboradores de altíssimo nível, uma figura fundamental na vida de S.W.: o catedrático de geometria Inácio de Azevedo Amaral, mais tarde reitor da avançada Universidade do Distrito Federal (logo fechada por pressão da extrema direita e da igreja católica). A Revista Acadêmica circulou até dezembro de 1934.
Logo depois, o mesmo Azevedo Amaral aparece ao lado de Samuel Wainer no cabeçalho do Almanack Israelita, lançado em 1937, iniciativa da assustada comunidade judaica para contrabalançar a poderosa máquina de propaganda a serviço da Ação Integralista Brasileira, financiada pelas embaixadas da Alemanha e Itália. Este observador só conseguiu encontrar uma edição (a de 1937).
Não se interrompeu a parceria com Azevedo Amaral: o acadêmico foi escolhido como diretor-responsável de Diretrizes. Filosemita: durante a guerra presidiu o Comitê de Ajuda às Vítimas da Guerra e logo em seguida aceitou participar da direção do Comitê Pró-Palestina.
O resgate desses dados tem uma função: mostrar que Samuel Wainer foi o primeiro judeu (nascido aqui ou na Bessarábia, dá no mesmo) a destacar-se no cenário intelectual brasileiro.
Isto tem um preço.
Extraído do sítio Observatório da Imprensa
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