Avança a naturalização da censura contra a mídia brasileira. Sem qualquer pudor, políticos, empresas e até jornalistas processam outros jornalistas, blogueiros e veículos de mídia buscando cercear a liberdade de expressão, crítica e informação. Um caso exemplar é o do processo do funcionário do Grupo RBS, Ronaldo Bernardi, contra o jornalista Wladymir Ungaretti. Mas, no Brasil de modo geral e no Rio Grande do Sul especificamente, a prática se repete.
Amplamente divulgado por todos os setores da mídia do Rio Grande do Sul, o caso da parceria entre o Instituto Ronaldinho e a prefeitura de Porto Alegre, onde há fortes suspeitas de corrupção que estão sendo investigadas pelo Ministério Público, envolve também citações à ONG Instituto Nacional América (INA). A reportagem que trouxe à tona as investigações do MPF sobre a INA foi feita por Rachel Duarte e publicada no jornal eletrônico Sul 21. A INA processou a repórter e o veículo. Pede indenização, direito de resposta e a retirada do ar da matéria original.
O Sul 21 publicou nesta segunda-feira (12/12) matéria sobre o processo. O texto explica: “Em um trecho da petição, o Instituto Nacional América alega ter entrado em contato com o Sul21 para solicitar por diversas vezes a retirada da matéria do site – o que o Sul21 não consentiu, uma vez que acredita ter feito um bom trabalho jornalístico e não ter, portanto, motivos para removê-lo do site. Foi ofertado pelo site, em mais de uma oportunidade, espaço para que o Instituto Nacional América apresentasse documentação que refutasse as afirmações feitas na matéria – que, como todo bom texto jornalístico, checou suas informações e consultou todos os lados antes da publicação. O INA, porém, optou por não apresentar as documentações que alegou possuir, adotando a via judicial”. O mesmo texto ainda conta que a representação do INA chama trechos da matéria de “levianos, para não dizer criminosos”, e “assacadilhas e falsas imputações”.
Uma análise da reportagem que gerou o processo e a tentativa de censura mostra que a ação do Instituto Nacional América tem como única intenção pressionar a mídia – e em especial o Sul 21 – para prevenir a publicação de novas matérias e novas denúncias. O objetivo é calar, a matéria passada e as reportagens futuras.
Todas as denúncias contra o INA são colocadas pelo vereador Mauro Pinheiro, do PT (que capitaneia o pedido de CPI na Câmara de Vereadores de Porto Alegre) e pelo Ministério Público, nada é imputado a partir de conclusões ou palpites da repórter. O texto é de grande cuidado e responsabilidade. Um diretor do INA, Italgani Mendes, é ouvido exaustivamente. Em números: as declarações de Mauro Pinheiro, contando falas diretas e indiretas, estão em 862 caracteres. A mesma conta, aplicada ao diretor do Instituto, chega a 1149 caracteres. Ou seja, a matéria é absolutamente equilibrada, contrariando, aliás, a prática comum de dar-se mais espaço à denúncia do que à defesa. O INA não tem do que reclamar.
O cerceamento não parte mais do poder executivo, como aconteceu no país durante mais de vinte anos. E a prática de censor não é mais exclusividade dos grandes grupos de comunicação, que impedem a livre circulação de informação em nome da livre circulação de seu capital financeiro. O Poder Judiciário tem sido usado recorrentemente, nos últimos anos, como mecanismo de estrangulamento financeiro da mídia independente e como estratégia de grupos e indivíduos opressores, corruptos e corruptores no sentido de impedir que seu poderio seja atacado e suas maracutaias denunciadas. A censura está se institucionalizando, e a recorrência dos casos e o baixo volume das respostas parece encaminhar a censura judicial para um processo de naturalização. É preciso gritar mais alto, e não custa lembrar que, quanto mais vozes, mais forte o som.
Extraído do sítio Jornalismo B de Alexandre Haubrich
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