18 outubro 2011

PAGAR MAIS E CHORAR MENOS - Vitor Nuzzi

Ricos do mundo, uni-vos. Os milionários estão sendo chamados a colaborar no combate à crise mundial. Uma das bíblias do mercado, a revista The Economist, já detectou o movimento de caça aos ricos. O bilionário Warren Buffett, com patrimônio estimado em US$ 50 bilhões, declarou que os ricos deveriam pagar mais impostos, afirmando que, proporcionalmente à sua renda, seu secretário recolhe mais tributos. Alguns países europeus aumentaram a cobrança de imposto para pessoas de maior renda, com o objetivo de reduzir seus déficits, e as declarações de Buffett teriam inspirado alguns milionários mundo afora. Polêmica à parte, as medidas podem servir para uma discussão séria sobre justiça tributária.

Warren Buffett - Foto: Reuters


Um dos apoiadores desse tipo de proposta é o presidente da CUT, Artur Henrique. “Você tem uma parcela de multimilionários que poderiam pagar mais sobre a sua renda”, afirmou o sindicalista à Rádio Brasil Atual. A propósito, o número de milionários brasileiros – aqueles com mais de US$ 1 milhão na conta – cresceu 6% em 2010 e atingiu 155 mil pessoas, conforme levantamento do Merrill Lynch Global Wealth Management e da consultoria Capgemini.

Assim, o Brasil seguiu em 11º lugar na lista mundial, liderada pelos Estados Unidos, com seus 3,1 milhões de milionários, 8% a mais que em 2009. As crises não impediram que o contingente de endinheirados aumentasse. Esse total chegou a 11 milhões no ano passado, aumento de 8% sobre 2009. A única ressalva é que o crescimento foi menor que no ano anterior (17%).

Para o presidente da CUT, a recente discussão sobre a Emenda Constitucional 29 (sobre gastos de estados e municípios com saúde) e a respeito da necessidade de ampliar verbas para a saúde pública representa uma boa chance de rediscutir “uma reforma tributária digna do nome”, incluindo o conceito de progressividade – quem tem mais renda paga mais; quem tem menos paga menos. Um dos instrumentos, na opinião do sindicalista, seria a criação do imposto sobre grandes fortunas.

O consultor Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra em artigo que o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição de 1988, mas depende de lei complementar nunca aprovada. “O IGF poderia ser cobrado de forma progressiva, arbitrando-se um nível mínimo de isenção”, sugere. “O imposto sobre o patrimônio é cobrado com sucesso há vários anos na França, Espanha, Grécia, Suíça e Noruega. Não deu certo em alguns países, como Áustria, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Luxemburgo, mas pode dar certo no Brasil. Só saberemos se o testarmos.

Na Câmara, há um projeto do deputado Dr. Aluízio (PV-RJ) que cria a Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF), com cobrança sobre patrimônios a partir de R$ 5,52 milhões e destinação exclusivamente para a saúde. A relatora é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Mordida precoce

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, observa que a arrecadação tributária ainda é concentrada na população de baixa renda. “Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos”, diz o economista. Em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a estimativa do Ipea é de que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado por meio de abatimentos na declaração anual dos segmentos que podem gastar com educação, saúde e previdência privadas.

Para Pochmann, poderia haver mais alíquotas do Imposto de Renda, e ainda maiores, desde que atingissem outras faixas de renda. Hoje, existem quatro: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. E começam “cedo” a tributar o assalariado. A partir de R$ 1.566,61 – valor que está abaixo da remuneração média do mercado formal de trabalho. Uma das recomendações do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão consultivo da Presidência da República formado por representantes da sociedade, é justamente ampliar o número de alíquotas, “para evitar distorções especialmente para faixas de renda mais baixas”. O economista também sugere, entre outras medidas, tornar progressivo o IPTU, imposto cobrado pelas prefeituras. “As favelas pagam proporcionalmente mais do que as mansões”, afirma. E avança no raciocínio ao defender medidas como IPVA maior para veículos como lanchas, iates, jatinhos.

“Os que criticam os impostos são os que menos pagam”, diz Pochmann. Ele cita ainda o “impostômetro”, o painel eletrônico que simula a evolução da soma de todos os tributos (municipais, estaduais e federais) do país, em tempo real, instalado pela Associação Comercial de São Paulo no centro da cidade. “É estranho que esteja instalado numa parte rica da cidade.”

A questão é que em países europeus e nos Estados Unidos os ricos estão sendo chamados a “colaborar” por causa da complicada situação fiscal dos governos. Na Espanha, por exemplo, o imposto sobre patrimônios acima de € 1 milhão deverá atingir aproximadamente 150 mil pessoas e arrecadar pouco mais de € 1 bilhão por ano. Trata-se de uma taxação que já chegou a existir e está sendo recuperada agora, em tempo de crise. Na França, o governo já anunciou um imposto, temporário, de 3%, sobre a renda de quem recebe acima de € 500 mil por ano.

Iniciativa semelhante estaria sendo preparada por Barack Obama para reduzir o déficit fiscal norte-americano, com uma proposta de imposto voltado a quem ganha mais de US$ 1 milhão por ano. Teria o significativo nome de ­Buffett rule (regra Buffett), em referência ao milionário. “Não é luta de classes”, argumenta Obama, segundo The Economist. “É matemática.” Para a revista, a questão é política e desperta um debate fundamental na sociedade ocidental: quem sofre as consequências do endividamento público? Normalmente, são os pobres. Enquanto isso, alguns dos responsáveis pela crise voltaram a ganhar no jogo globalizado.

Descompasso

Levantamento divulgado no início do ano pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostrou que as pessoas com pelo menos R$ 1 bilhão em aplicações, ou 63 mil cidadãos de alta renda, fecharam 2010 com R$ 371 bilhões investidos em bancos. O presidente do recém-criado Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, lembra que a regressividade do sistema tributário aumenta o fosso entre ricos e pobres. “E todos sabem, embora poucos comentem, que o sistema tributário nacional trata de forma anti-isonômica as rendas em função de sua origem, isentando do Imposto de Renda, por exemplo, a distribuição de lucros aos sócios e acionistas das empresas, ou sujeitando a alíquotas mais brandas os rendimentos de aplicações financeiras”, descreve.

A arrecadação tributária no Brasil, que em 2010 representou 33,56% do PIB (segundo dados da Secretaria da Receita Federal), é concentrada no consumo. Assim, um cidadão que tem renda de um salário mínimo por mês, embora não tenha Imposto de Renda descontado no holerite, sofre no preço do pãozinho e do leite a mesma tributação que o bilionário Eike Batista. Os tributos sobre bens e serviços representaram 16,3% do PIB, enquanto os tributos sobre folha de pagamentos corresponderam a 8,78% e sobre a renda, a 6,18% (sobre transações financeiras, a 0,72%).

Relatório de 2010 do CDES já afirmava que, em relação ao sistema tributário, “o Brasil tem caminhado no sentido contrário ao da justiça fiscal”. A injustiça se materializa ao desrespeitar o princípio da equidade. “Em decorrência do elevado peso dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação, pessoas que ganhavam até dois salários mínimos em 2004 gastaram 48,8% de sua renda no pagamento de impostos e as famílias com renda superior a 30 salários mínimos, 26,3%.”

Para Artur Henrique, iniciativas como a de Buffett e outros podem significar que “eles sabem ser mais vantajoso ter uma parcela um pouco menor numa sociedade de economia mais dinâmica e com melhores condições de vida”.

O governo tende a apresentar uma reforma tributária “fatiada”, dividida em quatro etapas, para tentar facilitar a tramitação no Congresso. Um dos itens é a desoneração da folha de pagamentos, que preocupa os trabalhadores pelos possíveis efeitos negativos à Previdência. “Consideramos que para alguns setores isso vai ser muito importante. Para outros setores, pode não ser essa a forma melhor de desoneração”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff, em discurso no final de setembro.

Outros itens a serem discutidos incluem mudanças no ICMS, imposto estadual que já provocou muito estrago nas relações entre unidades da Federação. Um primeiro passo foi dado com a aprovação do projeto de ampliação do Supersimples. Mas, em qualquer mudança, toda reforma precisa incluir um conceito simples, mas nem sempre lembrado, de justiça social.

Ouça a entrevista de Artur Henrique ao Jornal Brasil Atual na íntegra

Imposto não substitui política industrial

O Decreto nº 7.567, de 15 de setembro passado, regulamentou a redução do IPI do setor automobilístico, condicionando o benefício a produtos com pelo menos 65% de componentes nacionais, desenvolvimento de algumas atividades no Brasil, como montagem de chassis e carrocerias, e realização de investimentos em inovação e pesquisa. Na prática, a medida aumentou em 30 pontos percentuais a tributação sobre veículos importados. Provocou críticas pelo viés protecionista, mas alimentou a discussão, sempre difícil, da necessidade de uma efetiva política industrial no país.

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, por exemplo, disse que o Brasil é o quinto mercado mundial de automóveis, mas é apenas o sétimo parque produtivo. Para ele, é preciso que as indústrias aqui instaladas invistam mais em pesquisa.

“Com aumento de 30 pontos no IPI, as empresas que não quiserem pagar a mais vão ter de utilizar o conteúdo nacional. Com essa nova medida, a intenção do governo é estimular a produção interna”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. Segundo ele, apenas no ano passado 105 mil empregos deixaram de ser criados no setor automobilístico devido às importações.

A presidenta Dilma Rousseff afirma que o governo sempre dará peso “à geração e agregação de valor e à inovação, dentro do Brasil”. E garantiu que, na defesa de competitividade, “não vamos nem achatar salários, nem precarizar o mercado de trabalho ou manipular a taxa de câmbio”.

Extraído do sítio da Rede Brasil Atual

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