31 outubro 2011

"É UM ERRO BASEAR TODA A RELAÇÃO COM A CHINA NO ASPECTO ECONÔMICO - Marcelo Justo

Em entrevista à Carta Maior, Sun Hongbo, especialista do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, fala sobre as relações econômicas entre seu país e a América Latina. Para ele, o caminho para a solução de desequilíbrios é inovar na cooperação e na integração dos interesses econômicos de ambas as partes. A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil desde 2009. É também o primeiro destino das exportações brasileiras e a sua segunda fonte de importações.

Shangai - China
O comércio entre a América Latina e a China passou da casa dos 10 bilhões de dólares em 2000 para mais de 100 bilhões, em 2009. O investimento chinês também deu um salto importante nos últimos anos, sobretudo no Brasil. E, no entanto, a relação que parecia de amor eterno durante a viagem de Hu Jintao para a América Latina em 2004 deu lugar a uma mistura de necessidade mútua e desconfiança. 

Pouco antes de assumir, Dilma Rousseff visitou a China, para mostrar reconhecimento da importância que a relação bilateral adquiriu, mas ao mesmo tempo, tanto no Brasil como na Argentina ou no México, há um debate crescente a respeito do que parece uma reedição do velho modelo colonial de exportação de bens primários e importação de produtos industrializados. O especialista do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Sun Hongbo, conversou com a Carta Maior e já se referiu, de início, à vitória de Cristina Fernández na Argentina.

Sun Hongbo: A reeleição é um grande acontecimento no quadro da transformação política que a Argentina vive, que vai ajudar a unificar o país e manter o atual crescimento. A Argentina está num extraordinário processo de desenvolvimento econômico com um crescimento anual em torno de de 9% desde 2004, se não incluirmos 2009 na crise econômica mundial. A sua [de Cristina] vitória dá ao governo o espaço político necessário para implementar uma estratégia coerente nos âmbitos fiscal, monetário e comercial para enfrentar a atual crise econômica global. Estou certo de que essa vitória estimulará uma integração maior na América do Sul. Um aprofundamento da integração a América do Sul pode ajudar à construção de mecanismos de diálogo mais produtivos entre a China e a região.

Carta Maior – No Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina há uma percepção de um desequilíbrio na relação comercial por meio da qual se vende para a China produtos primários e se compra industrializados. É possível mudar essa dinâmica?

Sun Hongbo – A raiz do problema é inovar na cooperação e na integração dos interesses econômicos de ambas as partes. A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil desde 2009. É também o primeiro destino das exportações brasileiras e a sua segunda fonte de importações. Em 2010 o Brasil foi o novo sócio comercial da China e o comércio bilateral ultrapassou os 62 bilhões de dólares, um aumento de 47,5% em relação ao ano anterior. Isso representa 34% do comércio da China com a região. 

A importância e a profundidade do vínculo bilateral é inegável. Conheço o debate na imprensa brasileira a respeito de se China é um sócio ou uma ameaça para o Brasil. O argumento de que as exportações de produtos primários do Brasil não têm o valor agregado necessário e gerariam dependência. Também se percebe uma manipulação do valor do Yuan, o que gera uma concorrência desleal para os produtos brasileiros noutros mercados, algo que estaria causando um processo de desindustrialização.

Inclusive o investimento recente da China no Brasil deveria reforçar o diálogo sobre esses temores e discutir meios de otimização de sua estrutura de investimentos e a promoção do comércio bilateral. Ao mesmo tempo, ambos os países deveriam mudar sua cooperação bilateral comercial e econômica, e reforçar a cooperação tecnológica em áreas de enorme potencial, como a agricultura, a energia, a biologia, a indústria aeroespacial, a manufatura e os equipamentos.

Carta Maior – Há outra dimensão que é a relação político-diplomática da China com a América Latina. Isso é muito evidente com o Brasil e a estrutura do BRIC. 

Sun Hongbo – É um erro basear toda a relação no aspecto econômico. No atual panorama mundial há uma interdependência política e diplomática que se percebe nas parcerias estratégicas que a China tem estabelecido com o Brasil, a Argentina, o México, Venezuela e Peru. No nível diplomático, a China percebe que esta nova presença latino-americana favorecerá a criação de um mundo multipolar e melhor governado. Isto já se vê nas alianças formadas na Organização Internacional do Trabalho, no Fundo Monetário Internacional, no G20 e no Banco Mundial. Se a relação da China com o Brasil e com outros países latino-americanos ficar concentrada só no comércio, não será sustentável no futuro. 

Carta Maior – Agora se aproxima a reunião do G20. O que a China espera do Brasil?

Sun Hongbo – Acredito que Brasil, Argentina e China, como economias emergentes importantes têm um papel muito ativo no G20 e um interesse em comum que é mudar a ordem financeira internacional atual, promovendo a reforma do Fundo Monetário Internacional e alterando a proporção de votos dos países desenvolvidos. Também há interesses muito concretos em comum, como proteger o valor de suas reservas estrangeiras. Isso deveria aproximá-los para realizarem projetos de cooperação financeira bilateral que incluam intercâmbios de moeda, empréstimos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento dos recursos naturais.

(Artigo de Marcelo Justo - direto da China. Tradução: Katarina Peixoto)

Extraído do sítio Carta Maior

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