O Globo abriu, com destaque, a convocação para as manifestações anti-corrupção, prevendo cifras de participação significativa de militantes da “causa sem partidos”. Ou seja, transformaram meios que deveriam relatar os fatos em promotor de fatos a serem editorializados de acordo com sua visão conservadora e reacionária da sociedade.
Pois bem, reitero que estou fora. Fiz e faço combate contra a corrupção, e não me ocorre, ao longo de décadas, ter sentido apoio das organizações Globo. Pelo contrário. Indo ao momento significativo mais recente – o do processo de privatizações imposto pela vaga neoliberal que nos assolou durante o mandarinato tucano-pefelista de FHC: de que lado estiveram as organizações Globo? No apoio total ao que o insuspeito Elio Gaspari classificou, sem meias-palavras, como privataria.
Lembro ainda o dia em que, como deputado participante da Comissão Especial que discutia a emenda constitucional determinante da privatização das telecomunicações, me defrontava com o depoimento do então ministro José Serra na audiência pública previamente agendada. Não vou entrar nos detalhes do debate que com ele travei. Estão lá nos anais da Câmara as suas respostas quanto à necessidade de vender nosso patrimônio para nos livrarmos do compromisso da dívida pública, então em torno de R$ 60 bilhões, e que, a despeito da queima de bens estatizados na bacia das almas, se viu alçada a R$ 650 bilhões no fim do mandato que ele defendia.
Vou registrar apenas que, diante de tão importante depoimento, o relator da matéria – o probo deputado Geddel Vieira Lima (personagem do documentário “Geddel vai às compras”, produzido pela repetidora da TV Globo da Bahia, dirigida por Antonio Carlos Magalhães, e por ele distribuída para denunciar os malfeitos do referido personagem) – estava ausente. E a informação que então correu era de que sua ausência se devia a almoço tête-à-tête que então estaria tendo com Roberto Marinho, um dos principais mobilizadores da campanha pela privatização.
O que moveria, portanto, a Globo atual em tão nobre causa? Defender a transparência dos negócios envolvendo a república? Doce ilusão. O que move a vênus platinada é uma deliberada operação de despolitização da política. O que move a TV Globo é a conquista de corações e mentes de uma parte fundamental do eleitorado progressista, mas não filiado ou permanentemente ligado às lutas dos movimentos sociais ou dos partidos de esquerda, que não se venderam, nem se renderam, para uma ação organizada de desorganização exatamente dessas correntes de ação e pensamento progressista.
Promover no Brasil uma onda semelhante à que lamentavelmente varre povos de potências capitalistas, que se reúnem em manifestações pontuais e conjunturais, mas que, pela abstenção nos processos eleitorais, por justificado ceticismo, permitem à direita mais reacionária manter o controle absoluto das instituições, ditas republicanas, que realmente deliberam sobre seus destinos, através do modelo de sociedade que desenham com suas leis e decisões dos poderes Executivo e Judiciário.
Que ninguém se iluda. Participar desses movimentos, pode até ser. Mas com colunas específicas e faixas que expressem palavras-de-ordem emanadas dos partidos políticos que lutam contra o grande capital. Participar separadamente, a despeito de os “líderes” dessas “inorgânicas” pretenderem impedir, através da interdição de partidos políticos ou sindicatos combativos numa luta em torno dos temas que sempre lhes foram próprios, e agora se vêem ameaçados de propriedade indébita.
* Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal.
Fonte: Sítio Sul21
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