O cidadão sabe que não sabe tudo a respeito do sistema político mais adequado a nossas necessidades. Não conhece (e não tem curiosidade de conhecer) as fórmulas que deram certo e as que não funcionaram em outros países e em outros momentos de nossa história
Praticamente desde quando se iniciaram as discussões sobre a reforma política, começou a ser debatida a ideia de que o Congresso aprovasse um referendo. Já existe uma proposta de emenda à Constituição sobre o tema em tramitação no Senado e está no anteprojeto elaborado pela Comissão Especial da Câmara. Ainda em março, ele entrou na pauta da Comissão Especial do Senado, levado pela liderança do PDT — por sugestão do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) —, que defendeu a realização de um “plebiscito ou referendo” sobre a reforma como meio de obter o respaldo da opinião pública para as medidas que viessem a ser tomadas e aumentar sua legitimidade. Também, para evitar questionamentos futuros de quem ficasse insatisfeito.
É uma dessas ideias que parecem tão boas que ninguém tem coragem de lhes fazer oposição. Quem, no Congresso, seria contra a proposta de “ouvir o povo”? Não é surpresa, portanto, que o referendo recebesse o endosso de todos os partidos e de quase todos os senadores que integravam a comissão. Apenas o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) assumiu, sem receio, o papel antipático de criticá-lo.
No anteprojeto do deputado Henrique Fontana (PT-RS), a ideia está presente, mas em versão diferente (para melhor) da que foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. O referendo seria realizado “simultaneamente com a terceira eleição geral para a Câmara dos Deputados após a entrada em vigor” da lei com as novas regras. Os senadores preferem que seja feito antes.
Nossos dicionaristas não registram diferenças relevantes no sentido das palavras plebiscito e referendo, aceitando-as como sinônimas. Designariam a mesma coisa, a consulta ao povo sobre se aprova ou rejeita determinada medida.
Em nossa tradição jurídica e na linguagem política de alguns países, no entanto, elas não têm o mesmo significado. Plebiscito é a manifestação prévia da vontade popular, que antecede a edição de uma nova lei e que pode, portanto, até impedir que seja promulgada. Nos Estados Unidos, isso fica ainda mais nítido, pois a expressão é usada quando existe uma iniciativa que se origina no eleitorado, e que, se aprovada, é levada ao Legislativo para receber a forma legal. O referendo seria diferente. Nele, é a norma pronta que é submetida à ratificação popular. O Legislativo sanciona a lei e cabe aos eleitores referendá-la ou não.
Usando essa terminologia, a proposta do Senado seria fazer um plebiscito, enquanto a da Câmara, um referendo, propriamente dito. Embora a PEC do Senado não fixe a data, ela explicita que “eventuais alterações do sistema eleitoral (…) devem ser submetidas a referendo”, deixando claro que elas poderiam deixar de ser feitas.
A ideia de fazer um plebiscito sempre agrada aos que admiram a chamada democracia direta, um regime no qual os cidadãos não transferem seu poder de decisão e o exercem sem representação. Pode soar “mais democrática” que a democracia representativa, aquela em que as pessoas escolhem representantes por meio do processo eleitoral e delegam a função legislativa.
Trata-se, contudo, de uma ilusão, baseada na idealização de um passado remoto (que teria existido na democracia ateniense) ou de um futuro longínquo (em que tudo funcionaria perfeitamente). Nas sociedades históricas e na vida real, não há nada de superior na democracia direta.
O cidadão brasileiro sabe que não sabe tudo a respeito do sistema político mais adequado a nossas necessidades. Não conhece (e não tem curiosidade de conhecer) as fórmulas que deram certo e as que não funcionaram em outros países e em outros momentos de nossa história.
Já fizemos um referendo e dois plebiscitos, todos a respeito de questões concretas: em 1963, ficar com o parlamentarismo (aprovado a toque de caixa um ano e meio antes, para limitar o poder de João Goulart) ou voltar ao presidencialismo; em 1993, ficar com ele ou voltar ao parlamentarismo (ou à monarquia); em 2005, restringir a comercialização e a posse de armas de fogo ou deixar as coisas como estavam.
Imaginar uma consulta popular prévia sobre as múltiplas possibilidades de uma reforma política não faz sentido, pois os cidadãos não têm como decidir de maneira informada sobre o assunto. Para isso existe o sistema de representação. Fazer um referendo mais tarde, quando todos pudermos conhecer o que houve de bom e de ruim no modelo aprovado pelo Congresso, como propõe o anteprojeto da Câmara, essa é que é uma ideia defensável.
* Marcos Coimbra é Sociólogo e presidente do Instituto Voz Populi.
** Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
Fonte: Sítio Viomundo, de Luiz Carlos Azenha
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