Agora não é mais uma bolha que explode. É uma crise sistêmica e planetária do modelo de capitalismo financeirizado que domina o mundo. Ninguém escapa dela.
Claudius |
Desde meados dos anos 1980 essas grandes corporações financeiras internacionais se fortalecem. Hoje elas controlam os governos e os organismos multilaterais, como o FMI, o Banco Mundial e o Banco Central Europeu. Isso ficou claro na crise de 2007/2008, quando um grupo dos mais importantes executivos, reunido com o FMI, impôs aos governos nacionais que se endividassem para salvar os grandes bancos privados. E os governos se endividaram muito além de sua capacidade.
Esse endividamento golpeou o governo da Irlanda, da Grécia, de Portugal, da Espanha e da Itália, e coloca sob ameaça mesmo a França e a Inglaterra. E para salvar esses países do default (calote) da dívida pública, novos pacotes de volumosos empréstimos foram mobilizados, com uma importante participação das grandes corporações financeiras internacionais, que viram nessas operações, com taxas de juros recordes, a possibilidade de grandes ganhos.
A crise, no entanto, recrudesce. A receita amarga das brutais políticas nacionais de ajuste, isto é, os cortes no orçamento público, nos salários, nas aposentadorias e nas políticas sociais não são suficientes para que esses governos paguem o que devem. E assim vai se desenhando uma espiral descendente cujo horizonte é mais recessão.
Quando esses grandes bancos privados perceberam o novo risco de default e viram o valor de suas ações despencar, mobilizaram outra vez os governos e a União Europeia, para garantir não só processos de recapitalização, mas também seus investimentos em bônus do tesouro de vários países. Numa conjuntura tão delicada, os conflitos de interesses no seio da União Europeia estão impedindo até o momento políticas regionais articuladas de enfrentamento da crise. Esse imobilismo faz que os riscos de desastre cresçam.
O que está em questão é o poder dessas grandes corporações financeiras internacionais. Se elas continuarem governando o mundo, a crise só se aprofundará. Abre-se então um novo campo de debate. Como superar essa crise?
O que era inimaginável poucos anos atrás está sendo discutido como uma das opções: a estatização do sistema financeiro privado − algo que a Índia já fez há mais de dez anos.
Aliás, vale lembrar que tanto a Índia como o Brasil (que tem 48% de seu sistema financeiro nas mãos de bancos públicos), pela importância do sistema financeiro público, puderam tomar medidas coordenadas de políticas anticíclicas e assim reduzir o impacto da crise de 2007/2008 sobre sua economia e sociedade.
Uma alternativa em discussão é a proibição da operação com derivativos: trata-se de impedir o sistema financeiro de especular e operar sem o necessário lastro de riqueza. Mas essa é uma política que necessita de coordenação internacional, e os atuais organismos de regulação internacional estão capturados pelos donos do poder.
Também volta como proposta a auditoria das dívidas públicas, as contraídas pelos governos. Experiências recentes, como a do Equador, resultaram em substancial redução de seu valor.
Os novos movimentos sociais impulsionados pela juventude na Espanha, na Grécia e no Chile vão além. Eles também querem a estatização dos bancos privados, mas trazem outras propostas: o fim das heranças e o salário-base de 30 mil euros anuais para todos, empregados e desempregados. No Chile, os estudantes não estão interessados em negociar com o Congresso; querem um plebiscito para definir que educação não pode ser objeto de lucro. Tem de ser pública, universal, gratuita e de qualidade.
Enquanto essas propostas ainda não ganham corpo, os grandes bancos buscam criar soluções para garantir sua própria sobrevivência. Para eles, trata-se de corrigir falhas do sistema, não de questioná-lo.
As propostas vão desde o patético apelo do bilionário Warren Buffet − de que os ricos precisam pagar mais impostos, com o que as grandes corporações discordam plenamente, e o Tea Party, nos Estados Unidos, está igualmente em radical discordância − até a versão da Taxa Tobin para os ricos, uma taxa sobre as transações financeiras, cujos recursos seriam destinados a um fundo europeu de estabilização para a recapitalização de bancos em dificuldades.
É da natureza do bicho. As grandes corporações não olham para o interesse público; elas têm como objetivo o máximo lucro. E, se os governos não foram capazes de impor essa dimensão de regulação pública à sua atuação, é porque foram capturados por ela. Isso compromete o sistema político e a democracia.
Os governos, com as políticas de ajuste, passaram a estar contra as maiorias. E, se o sistema político está controlado, sem condições de ser a arena pública da disputa e dos conflitos, da negociação, então as tensões ganham as ruas. A crise sistêmica é também a crise do sistema político.
* Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
Fonte: Sítio Le Monde Diplomatique Brasil
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