18 outubro 2011

AQUI A GENTE SE VÊ. 'O GLOBO' TODO INDIGNADO, EM 'ÉPOCA' DE MARCHAS E MUDANÇAS, E 'VEJA' SÓ 'O ESTADÃO' DA IMPRENSA NACIONAL. 'ISTO É' UMA VERGONHA OU NÃO? - Zeca Ermida


Ontem, segunda-feira "pós-OccupyWS", 17 de outubro de 2011, quando a imprensa mundial toda debruçou-se sobre esse movimento de indignação de várias populações, onde milhões de pessoas foram as ruas, em inúmeras capitais e importantes cidades mundo afora, inspirados também pelos movimentos recentes no nordeste africano e Oriente Médio e no ainda pulsante em Wall Street, manifestarem-se por um futuro mais justo e melhor, por uma educação superior gratuita ali, protestarem pela política econômica imposta pelo governo acolá, pela ajuda governamental aos banqueiros ali, lá e acolá, etc., aqui no Brasil as manchetes são sobre uma pessoa "não muito idônea" acusando um Ministro de Estado...

New York Times, Financial Times ocuparam seus editoriais para discutir o assunto, suas causas e consequências, assim como Le Monde, na Itália, Espanha, Inglaterra, pelo mundo afora, jornais, revistas, agências e portais de notícias, de todas matizes ideológicas, não se furtaram de noticiar e discutir os acontecimentos do final de semana. Inclusive o conservador The Economist, que eu achei, talvez ingenuamente, que não fosse dar alguma atenção.

No sábado fatídico, e quem sabe histórico, pois  alguns referiram-se a ele como o dia que o capitalismo foi enterrado, acompanhava em tempo real, pela internet, os sítios de alguns dos vários organizadosres do movimento (Occupy Wall Street, Occupy The Board Room, We Are The 99 Percent, dentre outros 'links' indicados em 'tweets'). Enquanto milhões marchavam, outros tantos milhões mais acompanhavam pela internet, a imprensa mundial repercutia online, e o Estadão registrava que, em Roma, ocorriam distúrbios (e somente lá houve) com a seguinte manchete: "O 15 de outubro é pacífico na maioria dos países". 

Maioria dos países? Tal manchete é claramente tendenciosa e mentirosa, pois tenta reduzir a real magnitude do que ocorria nas maiores cidades da "maior democracia do mundo", em grandes capitais e centros urbanos do "continente mais civilizado do mundo" (as aspas usei somente para realçar a impressão que me passa as manchetes diárias do Estadão, e não que acredite nisso), na Oceania, Japão, América Latina. Apenas em Roma foi noticiado que aconteceram confrontos com a polícia e prejuízos materiais. Mas quem lê a manchete distraidamente, tem a impressão de que "turbas" de estudantes mundo afora, no dia de sua folga escolar, reunidos e combinados via redes sociais, com hormônios "em ebulição" saem às ruas, sem qualquer motivação, talvez bêbados e drogados, para uma caminhada enquanto a noite de festas dos sábados não se inicia.

Como torcedor de futebol que frequentava estádios, participante de shows, de comícios do PT gaúcho, presente na caminhada de abertura do Fórum Social Mundial, em 2003,  realizado em Porto Alegre, quando foi estimada a presença de aproximadamente um milhão de pessoas de várias partes do Brasil e mundo, sei um pouco sobre o comportamento das "massas": um mínimo conflito pode ser o estopim de uma grande confusão.

E, hipoteticamente, se imaginássemos o possível seguinte cenário: se, durante a marcha pelas ruas  de Roma, no meio da multidão, dois jovens torcedores do Genoa, que viajaram na véspera para Roma, assistir ao jogo de sua equipe contra o Roma, pela sétima rodada do Campeonato Italiano 2011/12 (que foi realizado no domingo), e "curtir" a marcha e depois a noite na capital, levemente alterados por álcool (vinho nacional italiano, eca!) ou outras substâncias que alterem o comportamento normal (legais ou ilegais, não importa). Daí um deles, mais alterado e com passadas já mais desajeitadas que as normais dele, distraidamente, esbarra em um manifestante da marcha, que caminhava vagarosamente sorvendo um genuíno (e delicioso) sorvete italiano: um romano já de idade avançada, vestido com uma camiseta já muito antiga do Roma, que ganhou do verdadeiro rei de Roma, Paulo Roberto Falcão, e com um "botton" preso a ela, na frente, da  Forza Italia, antigo e já extinto partido conservador fundado por Silvio Berlusconi, o atual primeiro-ministro italiano. De imediato ao choque, o senhor idoso profere em alto e bom som, alguns palavrões aos dois "turistas acidentais" - a propósito, como ficam sonoros e quase belos os palavrões em italiano. Mas voltando ao hipotético:  quando um dos jovens já ia desculpar-se, ou revidar o xingamento zoando pela preferência clubística do abalroado, ou partir para as vias de fato  com ele (daqui de Porto Alegre não deu para perceber precisamente a atitude que ele iria tomar), eis que duas senhoras, também de idades avançadas, milanesas, comunistas e torcedoras da equipe do Internazionale, rival da equipe do Milan, cujo proprietário é Berlusconi, também participantes da marcha - uma fantasiada de Lady Gaga e a outra com uma discreta camiseta com estampa de Marx e Engels na frente, 'fortemente' amarrada (com funções estéticas e estruturais de sustentação, pelo jeito e idade) na altura pouco acima do umbigo, o deixando à vista e bermudas justas de 'lycra', com listras das cores da bandeira italiana, que combinavam até bem com os vários tons "violáceos" das varizes de suas pernas, - mas, voltando, de novo! E elas, sem saber o motivo da discussão (além de tudo, eram semi-surdas), começaram a xingar o sorvedor de sorvete, romano, torcedor do Roma, simpatizante do Berlusconi, que, sem pestanejar nem respeitando as senhorinhas, descarregou sua coleção de palavrões que juntava há anos, alguns até do tempo dos imperadores de Roma. 

Como não gosto de ser prolixo (mesmo 'parecendo'), ainda mais quando escrevo hipoteticamente, resumirei: a turma do "deixa-disso" chegou, e criou-se um tumulto com cerca de vinte ou trinta participantes da marcha que apartavam as senhoras que queriam puxar a peruca do "romano desbocado". E o tumulto cresceu, sendo necessária a presença da polícia italiana (e dos "Datenas" da RAI, inclusive). E os dois genoveses se perderam na multidão, fugindo do conflito, e já de olho em duas lindas jovens turistas venezuelanas que passaram aceleradas, sorridentes e surpresas com a quantidade de ativistas.

Todos concordamos que possível tal hipótese, mesmo que mais difícil do que ganhar o prêmio da mega-sena acumulada sozinho. E a considerando como a causadora do conflito em Roma em 15 de outubro, nota-se a  nefasta intenção da manchete do Estadão, quando afirma que 'a marcha é pacífica na MAIORIA dos países'. Mas não foi só em Roma? E a manchete não seria mais precisa e simples se fosse: "O 15 de outubro é pacífico, exceto em Roma?" E não poderia ter sido causado por um motivo fútil como o acima "ficcionado"? E a realidade, muitas vezes, não supera a ficção? Ninguém sabe as causas do ocorrido, nem eu, nem você, nem o Papa, nem a "polizia" e nem Berlusconi. E o Estadão também não.

Distúrbios na Marcha em Roma. Foto: TVI 24
Mas no domingo e segunda-feira, o assunto na imprensa nacional não é a análise, a gênese e os  desdobramentos desses movimentos, do perfil dos participantes dessas marchas, é a acusação feita por uma pessoa com "duvidoso nível de idoneidade" (mas com certeza do mesmo nível, ou superior, ao do  proprietário do grupo a que pertence a revista que o procurou e entrevistou), a um ministro de Estado (Orlando Silva), de um partido comunista (PCdoB), importante aliado e alinhado do governo da Presidenta Dilma, que é a sucessora e do mesmo partido de Lula (PT). O Lula do PT aquele, que venceu as últimas três eleições do candidato a que tal grupo tem preferência e faz campanha, inclusive fora do período de campanha, como visto agora. Essas são as razões políticas. As econômicas vem da indisposição de Dilma em tratar de assuntos da Copa de 2014 com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, acusado pela imprensa esportiva européia de inúmeras falcatruas junto à FIFA (e com processos judiciais já tramitando na Suíça), que é um grande amigo e "parceiro" das grandes empresas de comunicação nacionais, que nitidamente formam um cartel na área. Atingir o ministro de Dilma que trata dos assuntos referentes à Copa seria um belo trunfo para 2014, para a sobrevida de Teixeira, para os negócios milionários que ele ainda espera fazer, já que seu sonho de tornar-se presidente da FIFA não tem mais respaldo na Europa, para os pródigos negócios que a imprensa espera fazer em torno da Copa,  e pelas "óbvias" questões eleitorais com vistas às eleições presidenciais. 

Logo, o movimento "Occupy Wall Street", para a imprensa nacional, dados seus interesses mais imediatos e lucrativos, e que não é a boa e fidedigna informação passada ao povo brasileiro, foi para a segunda página, ou atrás de links nos sítios delas com manchetes falsas, mentirosas e, ainda por cima, com letras pequeninas, desprezadas nos cantos, ao lado de coloridos anúncios de lingeries com a Gisele Bünchen. Como nos dissessem, os 99%: "ocupem é a casa do badanha" ou para outro lugar um pouco mais longe desse, que não convém escrever.

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