Enquanto faltam investimentos para suprir demanda no Brasil, Europa regulou o setor e produção aumentou 16 vezes em uma década. Precursor da tecnologia, país precisa de 100 novas usinas para atender procura até 2020.
Depois dos Estados Unidos, em 2003, agora é a vez de a Europa superar o Brasil no consumo de biocombustíveis. Dados consolidados divulgados recentemente pela União Europeia mostram que o bloco econômico consumiu em 2011 cerca de 14 mil toneladas equivalentes de petróleo (TEP) – 2 mil a mais que o consumo brasileiro.
Se levada em conta a participação dos biocombustíveis na matriz de combustíveis, o Brasil se manteve em 2011 como líder mundial – com 17% contra 4,5% da UE. Mas a reviravolta no consumo total, impensável há uma década, é por si só significativa e é fruto de um conjunto de leis e medidas de fomento por parte dos governo europeus. Em dez anos, o consumo nos países do bloco aumentou 16 vezes.
Há dez anos, os produtores brasileiros começavam a ganhar fama internacional com combustível mais limpo feito à base de cana-de-açúcar. Anos mais tarde, o produto made in Brazil recebeu a comprovação de ser mais eficiente do que o concorrente americano, fabricado a partir do milho.
Também naquela época, os brasileiros faziam campanha entre os europeus para incentivar o consumo do biocombustível e, dessa maneira, se tornarem o principal fornecedor do produto.
E a Europa parece ter seguido o conselho à risca. A superação do consumo brasileiro pelos europeus se deve ao fato de o continente ter adotado, em 2003, uma legislação para promover o uso de biocombustíveis, em que foi estipulada uma meta facultativa de 5,75% de biocombustiveis no setor de transportes em 2010.
Em 2009, essa legislação foi substituída por duas novas normas, que estabeleciam uma meta obrigatória de 10% de energia renovável no setor transporte europeu até 2020, além da redução em 6% das emissões de gases do efeito estufa dos combustíveis usados no setor de transportes até 2020.
Perda de fôlego na produção
Ao mesmo tempo em que o Brasil perdeu o posto para a Europa em relação aos números absolutos de consumo – já que a população e frota de veículos europeia é maior do que a brasileira –, perdeu fôlego também na produção e no consequente consumo de biocombustível.
“O país também deu uma ‘patinada’ principalmente na questão do etanol”, destaca Waldyr Gallo, professor de engenharia mecânica da Unicamp e especialista em motores e biocombustíveis.
Enquanto o biodiesel tem que representar, por legislação, 5% do diesel disponibilizado nos postos de combustível, o etanol pode ser escolhido ou não pelos proprietários dos carros com motores flex – que correspondem a cerca de 57% da frota nacional e têm tendência em alta, já que de 80% a 90% dos veículos vendidos saem de fábrica com esse tipo de motor.
Dessa forma, o consumidor tem a escolha de qual combustível vai usar. A decisão, naturalmente, é orientada pelo preço da gasolina e do etanol nas bombas. Quando o etanol fica mais barato, há uma migração em massa de consumidores, e o mercado não dá conta de suprir a demanda.
“O que aconteceu no Brasil foi uma dificuldade de investimento no setor produtivo. Quer dizer, o plantio da cana e as instalações industriais não cresceram para dar conta da demanda”, explica Gallo.
E no ano passado o país teve justamente que importar mais gasolina porque o setor sucroalcooleiro não conseguiu atender o mercado interno. O governo escolheu importar gasolina em vez de etanol por um único motivo: o preço. Importar gasolina é mais barato que importar etanol.
A União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) culpa a crise financeira mundial e condições climáticas desfavoráveis. “Com isso, a produção ficou estagnada, e o consumo caiu. O consumo e a produção vão aumentar”, garante Géraldine Kutas, assessora sênior da presidência para assuntos internacionais da Unica.
Exportação de etanol
O Brasil exporta entre 10% e 15% de sua produção de biocombustível. A venda para o exterior poderia ser maior caso o mercado interno fosse atendido. Mesmo assim, existem várias barreiras para que o produto brasileiro entre na Europa: além de subsídios dados para agricultores europeus, a exportação acaba esbarrando em dificuldades técnicas, sobrepreço e discussão sobre sustentabilidade.
Kutas, da Unica, explica que a exportação para a Europa é mínima por causa da alta tarifa de importação imposta pelos europeus ao etanol brasileiro: 0,19 euro por litro, mesmo pelo fato de a produção brasileira atender aos critérios de sustentabilidade europeus.
"Temos 26 usinas e 2 bilhões de litros de etanol certificados neste padrão. A Europa considera que o etanol é feito de matéria-prima agrícola e deveria ser limitado. Nós achamos que os argumentos europeus não se aplicam à realidade brasileira, porque nós não temos competição com alimentos, podemos produzir os dois tranquilamente”, explicou Kutas.
Gallo concorda que a realidade brasileira é outra, mas apoia a imposição de barreiras ao etanol brasileiro, que é muito mais barato do que o produzido pelos europeus.
“Cada país precisa defender o seu próprio sistema produtivo, até porque, às vezes, as coisas são temporárias. Depois que a onda passa, a sua indústria local está sucateada e não tem mais como suprir seu próprio mercado interno”, afirma.
O etanol europeu é produzido a partir do trigo (36%), beterraba (23%), milho (23%) e outros grãos (17%), ou seja, produtos alimentícios. A União Europeia tenta mudar esse panorama e estimular o uso de outras fontes, como resíduos. É por isso que o bloco discute, atualmente, a redução da meta obrigatória de consumo de biocombustível de 10% para 5% até 2020.
Demanda
Diferentemente da Europa, o Brasil não tem metas de produção nem de consumo de biocombustíveis. Mas a demanda é basicamente projetada pelo aumento da frota de veículos flex e exportação de biocombustíveis. Em condições normais, com o aumento da frota flex e da demanda do exterior, a produção atual teria que ser duplicada até 2020 para abastecer o mercado doméstico e obter excedente para exportação.
“Para isso, precisamos construir mais de 100 novas usinas de beneficiamento de cana-de-açúcar. Temos que ver se haverá competitividade de gasolina e etanol no futuro e isso depende de políticas públicas. Isso volta à questão da decisão da matriz energética e de transportes. Depende também de inovações tecnológicas e produtividade”, disse Kutas.
Questionada sobre aumentar a produção de etanol para fazer com que o preço seja menor no mercado, Kutas informou que o setor precisa cobrir os custos de produção, já que a matéria-prima, no caso a cana-de-açúcar, representa 60% do preço do produto final.
“O etanol no Brasil tem 40 anos e temos que dar um salto em termos de inovação agrícola, reduzir os custos de logística, entre outros. As empresas não estão paradas. Mas são investimentos que vão demorar para gerar resultados concretos no preço do produto”, conclui.
Extraído do sítio Deutsche Welle
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