07 março 2013

UM HOMEM MULTIPLICADO - Maurício Leandro Osorio


Eu o conheci duas vezes. Fui um desses foguinhos que ardiam diante do seu olhar. Flamulei a bandeira de sua voz e cuidei dos seus passos no Chile.

Chávez nasceu em 1997, na Bolívia, quando eu o conheci. O parto que ele provocou com sua vitória eleitoral no ano seguinte trouxe esperança a muitos de nós. Lembro dos meus professores falando dele no caminho em direção à escola, sobre o homem que enfrentava os ianques sem gaguejar. Com esses comentários e rumores, ele foi crescendo devagarinho em mim. Forjou uma colonia, como fazem as formigas, formigou por minhas veias, e me emocionei cuando o vi abraçando o comandante Fidel como se abraça um irmão, entregando sua carne e sua própria voz para que renascessem, nele e em seu povo, as ideias de Bolívar.

Só soube seu nome completo depois da segunda eleição presidencial, mas Hugo Chávez, simples assim, se tornou enfim herói quando, junto com os venezuelanos, frearam o golpe de estado em abril de 2002 (que grande sinal: já não seria tão fácil como nas décadas passadas). Desde então, Chávez começou a se expandir dentro de minha pele. Na Venezuela, ele se converteu em menino, foi mulher, foi um ancião que aprendeu a ler (programa “Yo sí puedo”, de alfabetização de idosos), foi um chileno com a visão recuperada se despedindo da Guaira (programa “Misión Milagro”, que cura pacientes com catarata, provenientes de vários lugares do mundo, com a ajuda de médicos cubanos), foi um jovem rapper que aprendeu a métrica com um professor cubano, e que despertou uma manhã e viu a ALBA – nota do tradutor: a palavra “alba” em espanhol também pode significar “alvorada”, como no trocadilho proposto pelo autor.

Seu espírito cresceu mais e mais, e como todo crescimento, teve tempos de adolescência, teve instantes de dor juvenil, mas nada impediu que se forjasse completo. Quando não mais pode crescer, para não estourar, abandonou seu corpo e se transformou em outro eterno jovem revolucionário, como o Che.

Suponho que não deveria chorar por sua morte, se ele mesmo recordou mil e uma vezes o cantor venezuelano Alí Primera, quando cantava “os que morrem pela vida no podem se chamar mortos, y a partir deste momento está proibido chorar por eles“, mas eu sinto uma espécie de desprendimento. Neste instante, o medo floreceu sobre meus nervos, mas Chávez não permite que minha mão, a que ele domina neste momento, solte o lápiz. Ele quer que eu siga escrevendo e que NÃO ME CALE, ele quer viver em mim, como vive entre os humildes do seu povo. Poderia me desfazer e perder as forças, como Nicolás Maduro al tambalear com a notícia, mas devo ser otimista e confiar no bravo povo.

Sinto um sabor amargo sob a língua, por essas estranhas incertezas humanas, sempre presentes quando perdemos alguém que apreciamos, admiramos e respeitamos. Me sinto partido em dois, e enquanto parte de mim finge covardemente que este é um dia comum, a outra está despedaçada. Escuto as teorias conspiratórias, os golpes e as bombas explodindo nos morros de Caracas, o desespero do faminto que ganhou uma moradia digna vinte anos depois das inundações dos Anos 80, e que hoje volta a sofrer, pois se sente órfão. Agora entendo o que ele disse no último discurso que ouvi, às vésperas das eleições do dia 7 de outubro, quando bradou: “Chávez tem que ser o povo, todos somos Chávez!!”.

Hugo Rafael deixou a cela corporal de onde construiu sua história, e deixou que seus sonhos voassem livremente, como uma debandada de pássaros. Hoje, pode se sentir feliz por ser, finalmente, ele mesmo, um homem multiplicado.

* Tradução: Victor Farinelli

* Mauricio Leandro Osorio é um jornalista cubano que vive no Chile, e escreve em seu blog pessoal, que ele mesmo descreve como “um blog cubano não financiado pelo governo dos Estados Unidos”.

Extraído do sítio Maria Fro

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