15 março 2013

O PAPA QUE NÃO FOI - Paulo Moreira Leite

Deixando fatores religiosos de lado, cabe reparar que a escolha de Jorge Mario Bergoglio terá imensas consequências políticas para brasileiros e argentinos.


No Brasil, a escolha privou os adversários de Dilma Rousseff de um aliado seguro, que seria representado pelo cardeal Odilo Scherer. 

A possível escolha de dom Odilo foi acompanhada com uma esperança inusitada por parte dos meios de comunicação, engrossando um coral de cálculos em voz baixa elaborados por políticos de oposição e personalidades próximas. 

A ideia era que um papa brasileiro, como dom Odilo, poderia ser um ótimo contraponto na campanha de 2014 – quando o país deve assistir a um novo esforço dos adversários do governo para silenciar Lula, personalidade que possui uma estatura que nenhum rival conseguiu alcançar até o momento, pelo menos. 

Imagine um papa – a quem muitos católicos enxergam como a voz de Deus na Terra – fazendo pronunciamentos e declarações desfavoráveis ao governo Dilma. Seria uma ajuda e tanto, vamos combinar. Bento XVI chegou a ensaiar movimentos nesta direção, em 2010, deixando clara sua preferência pelos adversários de Dilma. 

Dois bispos, em Guarulhos e na Paraíba, fizeram campanha direta e explícita contra a presidente. Um terceiro bispo, que assumiu uma postura oposta, foi pressionado a renunciar logo após as eleições. 

O próprio José Serra deixou-se fotografar beijando um crucifixo e sua campanha fez de uma obsessão do Vaticano – o aborto – um tema quentíssimo da eleição.

A falta de carisma de Bento XVI e a boa situação do país, que crescia 7,5% em 2010, impediram que uma intervenção dessa natureza tivesse maiores consequências. 

Embora Dilma Rousseff seja titular de um governo que mantém apoio da ampla maioria dos brasileiros em 2013, como dizem seus índices de opinião, ninguém imagina que a decisão de 2014 irá ocorrer num ambiente semelhante. A possibilidade de a oposição se aliar a um dissidente do governo da estatura de Eduardo Campos coloca questões de outra natureza.

Na Argentina, a escolha de Bergoglio promete gerar complicações semelhantes para o governo de Cristina Kirchner, que vive um momento muito mais complicado do que a vizinha ao Norte. O novo papa é um adversário assumido de seu governo.

É possível fazer algumas observações, contudo.

A escolha de Bergoglio confirma a profundidade da crise que envolve a cúpula da Igreja Católica. É uma opção que parece sob encomenda para que todos possam rir aqueles analistas que preparavam um tapete vermelho para receber um personagem salvador, que seria capaz de abrir uma saída para um abismo de denúncias de corrupção, tráfico de influência e impunidade em relação a milhares de casos de pedofilia, um dos mais covardes e inaceitáveis crimes que a vida moderna registra. 

Deixando de lado os dados biográficos triviais – o novo papa anda de metrô, fala como as pessoas simples etc. – pode-se ir atrás de informações mais substanciosas. 

Horácio Verbitsky, um dos mais respeitados pesquisadores de direitos humanos da Argentina, informa que Bergoglio tem uma folha corrida complicada. Mostrou-se conivente com a perseguição a presos políticos, inclusive sacerdotes que participaram da resistência ao regime militar. Verbistsky ainda relata que Bergoglio pouco fez para esclarecer casos de filhos de presos políticos desaparecidos que foram adotados clandestinamente por amigos do regime militar. 

Ele também se manifestou contra o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Parece difícil que um papa com tais características seja capaz de recuperar o prestígio da Igreja. 

Seria esta a revolução prometida pela renúncia de Bento XVI?

Extraído do sítio IstoÉ

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