04 março 2013

JOAQUIM BARBOSA CONDENARIA LINCOLN? - José Pascoal Vaz


Impossível não imaginar o que teria acontecido a Lincoln se o presidente da Corte Suprema dos EUA fosse Joaquim Barbosa. Teria sido condenado como chefe de quadrilha, sofreria o “impeachment” e a aprovação da emenda antiescravidão teria sido anulada.

O filme “Lincoln”, excelente, nos transporta para o âmago do conflito entre os que consideravam os negros como humanos e os que os tratavam como animais domesticados. Lincoln era encharcado de humanismo, que ia além da causa dos negros. O filme não toca no assunto, talvez para preservar a imagem de Lincoln, figura maior de seu povo, mas o presidente era simpático a ideias centrais de Marx (Nota 1), como o direito do trabalhador sobre sua força de trabalho e a salário compatível com o esforço dispendido. A relação com Marx era afinada a ponto deste ter escrito carta à Lincoln manifestando a satisfação dos trabalhadores europeus pela sua reeleição (Nota 2). 

Diálogo de Lincoln com singelo soldado negro, parece lhe ter aguçado a urgência de apresentar ao senado americano sua emenda constitucional propondo o fim da escravidão. Lincoln, contando voto a voto, via que o resultado lhe seria desfavorável. A decisão de enfatizar argumentos éticos pouco adiantou. A esta altura, um membro da equipe, desanimado, sugeriu não apresentar a emenda, porquê seria fatalmente reprovada. Lincoln, num ataque de fúria, deu um estrondoso tapa na mesa: lhe era insuportável a ideia de que a escravidão permanecesse amparada em lei. 

Se os argumentos humanistas eram insuficientes, então que os inimigos fossem derrotados pelas mesmas armas que usavam, a hipocrisia, o desprezo pela ética e o poder econômico. Assim, os fins justificando os meios. Com cargos e/ou dinheiro foram comprados os votos que faltavam. A escravidão, uma das mais escabrosas situações de selvageria do homem contra o homem, chegara legalmente ao fim. 

Não é possível fazer uma prospecção contra-factual e imaginar a quantas décadas ou séculos sobreviveria a escravidão, com seu séquito de sofrimentos, se Lincoln não tivesse decidido utilizar as mesmas armas dos inimigos. Igualmente, não dá para saber quanto pior estaria o atraso ético e moral da sociedade americana. É preciso ressaltar que os meios utilizados por Lincoln objetivavam a consecução de bem-estar para ampla coletividade injustiçada há séculos e não a vantagens pessoais para si.

Impossível não imaginar o que teria acontecido a Lincoln se, então, o presidente da Corte Suprema dos EUA fosse Joaquim Barbosa. Teria sido condenado como chefe de quadrilha, sofreria o “impeachment” e a aprovação da emenda teria sido anulada. Exatamente o feito a alguns “mensaleiros”, como Genoino que, em momento algum da vida, usufruiu de sua condição de político em causa própria. 

Não que os “mensaleiros” não devam ser punidos, inclusive Genoino, se utilizaram meios ilícitos ou foram omissos em permiti-los. Um dia precisaria começar a punição a tais práticas, já que é necessário evoluir para impedir o uso de meios espúrios, mesmo que em nome de fins nobres, pois uma tal sociedade acaba descambando para o uso, pelos poderosos, de meios ilícitos para fins injustos.

Mas não dá para aceitar a hipocrisia incriminadora e covarde de boa parte dos políticos municipais, estaduais e nacionais, de líderes religiosos, empresariais e sindicais, da mídia comercial e de indivíduos em geral que fazem uso igual ou pior de meios sórdidos em causa própria, nada importando o bem comum. Não dá para igualar Lincoln e Genoino a Renan Calheiros e José Roberto Arruda.

Nota 1 - Artigo de Vincenç Navarro em http://www.cartamaior.com.br de 21/01/13.

Nota 2 - A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral (ver carta no “blog Luis Nassif on line”, postagem de 09-02-13)

* José pascoal Vaz: Economista e professor na UniSantos e na UniSanta e ex-Secretário de Economia e Finanças de Santos no Governo David Capistrano (PT).

Extraído do sítio Carta Maior

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