Um poderoso grupo formado por fundamentalistas norte-americanos, conhecido como “A Família”, foi responsável pela mediação de acordos entre o governo dos Estados Unidos e a ditadura militar estabelecida no Brasil entre 1964 e 1985. A informação foi divulgada pelo pesquisador norte-americano Jeff Sharlet, autor do livro “The Family”, um best-seller sobre o grupo também conhecido como ‘a irmandade’, ou ‘máfia cristã’. Segundo ele, o grupo inclui membros do Congresso, líderes de grandes corporações, militares e políticos estrangeiros.
Conversei com Sharlet sobre sua pesquisa e o livro, logo que foi lançado. Ele disse que a “Família” viu os militares brasileiros como “pessoas-chave” no que consideravam luta contra o comunismo ateu no Brasil. Segundo ele, os brasileiros, por sua vez, viram nos “irmãos” a possibilidade de acesso ao poder dos EUA. “Chegou a haver discussões sobre o estabelecimento de um escritório formal da ‘Família’ na embaixada brasileira nos Estados Unidos, o que eles achavam que ajudaria a imagem do movimento”, disse Sharlet. “Eu sei que há relações entre a ‘Família’ e o Brasil até hoje, mas não posso entrar em detalhes porque não investiguei aprofundadamente”, completou.
O pesquisador americano Jeff Sharlet (Foto: Divulgação)
Ele argumenta ter encontrado registros dessas relações, ocorridas nos anos 1960 e 70. “Na época dos governos de Costa e Silva e Médici, os EUA ajudavam financeiramente os militares que estavam no poder no Brasil, e a Família era o principal intermediário desses acordos.” Segundo ele, os fundamentalistas se aproximaram dos militares, já que achavam que o modelo proposto pelos ditadores do Brasil era parecido com o que eles queriam incorporar.
Artur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici foram dois militares que governaram o Brasil após o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Costa e Silva foi presidente do Brasil entre 1967 1969, e Médici administrou o país entre 1969 e 1974, período após o Ato Institucional número 5, apontado com frequência como o mais repressivo da ditadura. A sucessão de governos militares iniciada em 1964 chegou ao fim quando José Sarney assumiu o poder em 1985.
Apesar de formado especialmente por fundamentalistas cristãos protestantes, o grupo, segundo Sharlet, não assume abertamente o tom religioso, se dizendo formado por “believers” (crentes). “Foi um momento em que viram que havia lideranças no mundo com quem valia manter relações independentemente da religião, já que havia um acordo em torno da influência norte-americana, no livre mercado e fundamentalismo.”
Segundo ele, há registro de que um líder da “irmandade” teria agradecido ao saber que a Câmara dos Deputados do Brasil havia estabelecido uma sala permanente para encontros de brasileiros afiliados ao grupo fundamentalista dos EUA. Um dos norte-americanos teria alegado que o Brasil seria a base de operações da “Família” em toda a América Latina.
Império
Em “The Family: The Secret Fundamentalism at the Heart of American Power” (A Família: O fundamentalismo secreto no coração do poder norte-americano), Sharlet, que é pesquisador de religiões e mídia na Universidade de Nova York, descreve o funcionamento e a estrutura deste grupo e analisa a presença do fundamentalismo e da direita cristã na política dos Estados Unidos. Segundo ele, há uma certa complicação nas bases ideológicas do grupo, que tem forte influência religiosa e pretensões imperiais. Atuante no país há sete décadas, o grupo é apontado como já tendo uma força considerável.
“Eles não estão buscando conquistar o país, nem vão conseguir, mas é importante ver onde eles estão agora. Eles estão envolvidos com o poder e são a razão pelo qual os Estados Unidos não conseguem ter um movimento trabalhista forte, ou ter um sistema de saúde mais abrangente. Eles têm o objetivo final de reunir 200 líderes mundiais em torno de um laço invisível e fundamentalista, mas na verdade, a ‘Família’ é um grupo que acredita na religião do status quo, da influência norte-americana, do capitalismo típico, fundamentalista e de mercado”, explicou.
Segundo ele, entretanto, isso parece estar trabalhando contra os interesses do país, mesmo sob o governo Obama, que é progressista. “Trata-se da diferença entre democracia e império, e a ‘Família’ é uma família que busca o império.”
Máfia
Sharlet não faz acusações diretas sobre ilegalidade na atuação do grupo fundamentalista, mesmo quando o compara à atuação da máfia. “Alguns congressistas e membros da ‘Família’ se deram o título de ‘máfia cristã’”, disse. Segundo ele, é um termo usado por eles mesmos de forma simpática. “É um grupo que diz abertamente que é como a máfia, uma organização bem estruturada, em busca de poder, e eles gostam dessa ideia.”
“É mais de que uma figura de linguagem, especialmente quando se vê a forma como são controladas as finanças do grupo. Assim como a máfia, há empresas de fachada, a maior parte sem fins lucrativos, usadas para movimentar o dinheiro deste forte grupo econômico e político pelo mundo.” Segundo ele, não se pode falar nada sobre este grupo porque não houve uma investigação mais profunda sobre isso, mas “se fosse algo organizado pela máfia, isso seria chamado de lavagem de dinheiro.”
Extraído do sítio Terra
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