Para filósofo esloveno, população carente venezuelana conseguiu se inserir no cenário político e social.
"Chávez viu que excluídos precisam ser organizados como força política autônoma", afirma Žižek
Apesar de ter sempre mantido uma posição crítica em relação a Hugo Chávez, morto nessa terça-feira (05/03), o filósofo esloveno Zlavoj Žižek, de passagem pelo Brasil, afirmou que o grande mérito do presidente venezuelano foi ter dado à população meios para ela se organizar politicamente e ocupar um espaço no cenário político e social do país.
Žižek está em São Paulo nesta semana para apresentar seu mais recente livro “Menos que Nada” (Ed. Boitempo), um estudo sobre o filósofo alemão Georg Hegel, e participar de conferências e entrevistas. Na última quinta-feira (07/03), após participar do programa “Roda Viva”, na TV Cultura, ele conversou com jornalistas sobre o legado do presidente venezuelano e sobre alternativas à esquerda no mundo, entre uma brincadeira e outra que fazia com os repórteres.
Para ele, existe um crescente número de pessoas que estão sendo alijadas do espaço político e social, principalmente em países como China e Índia, que têm passado por explosões capitalistas. “Claro, a elite liberal ama isso, porque assim pode disfarçar esses graves problemas de origem econômica como se fossem de origem humanitária”, deixando a população com migalhas provenientes de políticas de caridade, afirma.
“O mérito de Chávez foi perceber que não funcionava isso que eu chamo ironicamente de Starbucks, ou seja, você paga uns centavos a mais por um cappuccino e 1% vai para as crianças pobres”, ironizou. “Chávez viu que a resposta não é ajudar as pessoas, mas que os excluídos precisam ser organizados como uma força política autônoma, para que esta se reformule e faça sua própria libertação. Nenhum estado, nem um cara como o [norte-americano] Bill Gates fizeram isso. Chávez foi o único que levou isso muito a sério”, afirmou.
Para Žižek, essa iniciativa, partindo de alguém que está no poder, mostra que Chávez aceitou correr riscos, e justifica a afirmação que tradicionalmente gosta de fazer citando um filme de Hollywood: “É como no filme “Cidadão Kane”, de Orson Wells. Há um trecho em que um banqueiro de direita criticava o personagem principal [o magnata da mídia Charles Foster Kane] por ele pertencer à elite e, ao mesmo tempo ajudar os pobres, e este replica que é melhor ele falar pelos pobres do que eles falarem por si mesmos. E Chávez fez eles falarem por si mesmos. Não vi ninguém que tenha feito isso”.
Outro ponto positivo de Chávez, segundo o filósofo, é a importância de sua figura carismática. “Sempre fui cético com esse mito de democracia imediata, com comunidades se organizando por elas mesmas. Mas ter um líder forte e carismático também é uma parte necessária. (...) Você simplesmente precisa de algo para as pessoas saírem da sua acomodação do dia a dia, uma inspiração”, afirmou.
O filósofo esloveno, no entanto, não hesita em chamar de “desastrosas” as escolhas do governo venezuelano em relação às alianças na política externa, em especial com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, com o sírio Bashar al Assad e o bielorrusso Alexander Lukashenko.
Além disso, apesar de elogiar algumas iniciativas venezuelanas como comunidades populares autônomas e programas de inclusão de renda e ajuda externa a outros países, em especial Cuba, ele afirma não acreditar nelas, em sua essência. “São experimentos interessantes. Mas meu problema com isso é que todas essas iniciativas são atualmente bancadas pelo Estado. Não vejo alternativa ali. É uma questão marxista básica: estamos criando uma ideia de larga escala, de organização em toda a sociedade que possa mudar a noção de Estados que temos agora? Acredito que não, esse é o problema”, afirmou.
Extraído do sítio Opera Mundi
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