O que há na pasta? O sigilo bancário está enfrentando uma reação pública. (Reuters) |
A crise econômica mundial vem provocando um clamor público contra os paraísos fiscais que não deve acabar tão cedo, disse o jornalista e escritor Nicholas Shaxson à swissinfo.ch.
Shaxson acredita que a Suíça - e outros paraísos fiscais do mundo - não pode resistir por muito mais tempo à crescente onda de sentimento contra o sistema financeiro ilícito.
A única questão é saber se os poderosos arquitetos desses sistemas que escondem os ativos dos ricos podem continuar mantendo um passo à frente dos legisladores, reguladores e do fisco.
swissinfo.ch: Qual é o papel da Suíça na rede mundial de paraísos fiscais?
Nicholas Shaxson: Sempre existiram paraísos fiscais e a Suíça tem sido o exemplo de paraíso fiscal por excelência nos últimos dois séculos.
Mas a era da globalização viu o surgimento de uma versão mais hiperativa de paraísos fiscais anglo-saxãos. Temos tipos diferentes de sigilo, trusts, fundações e todos os tipos de meios para as empresas que lançam um manto enorme de sigilo sobre os ativos espalhados por todo o mundo.
O que antes era um modelo praticamente só suíço tornou-se um sistema global, com a Suíça permanecendo como um agente importante.
wissinfo.ch: A que ponto chega o esforço mundial contra os paraísos fiscais?
NS: Existem elementos de uma ofensiva, mas é mais o caso da luta individual de cada país para se proteger diante dos déficits fiscais.
Mas se há uma única razão para que o sigilo bancário desapareça daqui a poucos anos é porque tem havido uma mudança significativa de humor da opinião pública em todo o mundo.
A crise econômica acelerou ainda mais essa tendência. Se esse humor vai continuar depende de quanto tempo a crise vai durar e quão profunda ela será. Muitos observadores acreditam que as condições econômicas continuarão ruins ainda por algum tempo.
wissinfo.ch: Os paraísos fiscais têm o hábito de estar um passo à frente dos reguladores.
NS: Temos um constante processo de concorrência entre as várias jurisdições para criar a próxima grande brecha.
Uma das principais jogadas da evasão fiscal é criar estruturas sigilosas sempre que os bens entram em um limbo legal que é quase impossível de identificar o beneficiário.
Os poderosos interesses financeiros também influenciam a legislação. Os países da OCDE [Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento] dizem que estão lutando para reduzir o número de paraísos fiscais, enquanto que muitos desses próprios países são os maiores agentes do sistema.
wissinfo.ch: O que o senhor acha dos acordos fiscais da Suíça com a Inglaterra e a Alemanha?
NS: A Suíça é forte em escolher momentos em que outros países estão fracos. Oferecer bilhões de dólares durante tempos de austeridade é um poderoso incentivo.
Mas os acordos estão cheios de brechas, eles não são adequados à finalidade, são moralmente errados, fortalecem o sigilo e a impunidade para os criminosos, dando sinais claros que estão equivocados.
Eu não acredito que a Comissão Europeia irá permitir que esses tratados continuem sem grandes modificações. A União Europeia, como maior parceira comercial da Suíça, pode exercer muita pressão.
swissinfo.ch: A Suíça insiste que está agindo de forma limpa...
NS: A Suíça tem feito avanços significativos nos últimos anos, mas é uma resposta à pressão, não um movimento voluntário.
A Suíça tem feito grande alarde sobre a assinatura dos acordos de dupla tributação. Mas as normas de intercâmbio de informações da OCDE são uma piada - você tem que conhecer a informação que está procurando antes de poder perguntar por ela.
swissinfo.ch: Então, qual é a solução para acabar com os paraísos fiscais?
NS: Acabar com as brechas vai fazer alguma diferença, mas quando você tapa um buraco fiscal de um lado, o dinheiro acaba saindo por outro.
Coordenação e cooperação é uma das grandes respostas para enfrentar os paraísos fiscais internacionais.
Após a Grande Depressão [de 1930] houve um realinhamento político em muitos países e mudanças fundamentais na raiz e nos ramos do sistema financeiro internacional. É preciso haver um outro realinhamento que aborde a questão crucial da desigualdade.
Entenda mais: O sigilo bancário foi consagrado na lei suíça em 1934. França e Alemanha lançaram um ataque contra a Suíça, em outubro de 2008 por supostamente ajudar sonegadores estrangeiros a esconder seus ativos. O país tem estado sob ataque contínuo sobre a questão desde que CDs de dados bancários roubados foram vendidos para vários países europeus. A OCDE colocou a Suíça em uma "lista cinzenta" dos paraísos fiscais não cooperativos em abril de 2009. Os suíços foram retirados em setembro, após a renegociação de diversos tratados de dupla tributação, mas recusaram-se a transferir automaticamente informações fiscais. O caso de evasão fiscal mais prejudicial para a Suíça envolveu as atividades do banco UBS nos EUA. Em fevereiro de 2009, o UBS foi multado em 780 milhões dólares por ter ajudado na evasão fiscal de cidadãos americanos. Em setembro de 2010, o governo suíço concordou em transferir dados de 4450 clientes do UBS para os EUA - em violação do segredo bancário suíço para evitar um processo judicial ruinoso para o UBS. A Suíça negociou um acordo inovador de imposto retido na fonte com a Alemanha ,em agosto, e a Inglaterra, em outubro, que preserva o sigilo bancário. Mas a CE ameaçou processar Inglaterra e Alemanha se esses países implementarem o acordo. A CE insiste em uma troca automática de informações como base para acordos fiscais com a Suíça. O presidente francês Nicolas Sarkozy, que considera a Suíça como paraíso fiscal, prometeu que as nações do G20 iriam listar e punir os paraísos fiscais.
Extraído do sítio da Swissinfo.ch
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