Kevin Espada morreu.
Tinha 14 anos e morreu num estádio de futebol.
Pelo seu olho direito, que via o jogo do seu time, entrou um sinalizador a mais de 300 quilômetros por hora.
Imagino os amigos de Kevin voltando às aulas e vendo sua cadeira vazia. Imagino sua mãe preparando o café da manhã e colocando, por engano, um prato a mais na mesa. Imagino seu pai entrando no seu quarto e esvaziando gavetas, colocando sapatos em caixas, enrolando uma bandeira de futebol.
Imagino estas tristes cenas, mas sei que na verdade isso é uma perda de tempo. O importante é pensar no futuro. Nada trará Kevin de volta. Mas pode-se impedir que outros garotos morram, e matem.
O primeiro passo é proibir a entrada de sinalizadores e afins nos estádios, e melhorar a revista na entrada, que é bem relaxada em outros países.
Mas também é preciso punir. Não apenas para castigar o assassino, que provavelmente não quis matar ninguém (mas matou). Mas para evitar que outras mortes tolas como esta aconteçam.
É preciso punir a ideia de que um clube vale mais que uma vida, a ideia de que o futebol é algo realmente importante. Ele não é. É só um esporte, um negócio. Importante mesmo é a vida, esta coisa frágil, delicada, que um dia certamente vai se acabar, mas que queremos que dure o máximo possível, e não apenas 14 anos.
Regras para os desregrados
O artigo 11 do novo regulamento da Conmebol, aprovado para esta Libertadores, diz que as associações e clubes podem ser punidos por comportamento inadequado da torcida. Já o artigo 18 diz que as punições possíveis são “advertência, repreensão, multa, anulação de jogo, perda de pontos, atuar com portões fechados, proibição de jogar num estádio ou num país e exclusão da competição (presente ou de edições futuras)”.
Como foi cometido o crime máximo, a pena deve ser máxima.
E esta punição não é só um castigo para a torcida e para o clube. Mais do que isso, repito, é para prevenir futuros crimes, para evitar futuras mortes.
A punição é moralizadora. A impunidade é um incentivo à continuidade dos erros. Está aí a política nacional que não me deixa mentir.
Mas não se pense que a torcida corintiana é a primeira ou a única a levar este tipo de artefato para o estádio. Os inchas do Peñarol, por exemplo, adoram jogar fogos de artifício na torcida adversária. Se este clube já tivesse sido punido, talvez Kevin Espada estivesse vivo. A Conmebol, por burrice, já perdeu muitas chances de educar os torcedores e civilizar a Libertadores. Não pode perder mais esta.
Para mim não interessa se o menor H.A.M., que se apresentou como culpado é realmente o assassino. Talvez seja, talvez não (e a favor desta última hipótese há o fato da feliz coincidência de o garoto ser menor de idade, e de seu advogado insistir na culpa de seu cliente, algo raro, no mínimo).
Torcidas distorcidas
Para mim interessa a questão esportiva, já que esta é uma coluna sobre esporte. E a morte de Kevin Espada traz as torcidas organizadas de volta ao debate. Elas devem ser proibidas ou não?
Por uma questão de princípio, sou contra impedir qualquer movimento organizado. Daí acho que elas não devem ser proibidas. Mas elas têm que ter menos importância. As organizadas se mostraram pouco úteis. Eu tinha fé que elas poderiam ser o começo de uma mudança profunda no futebol, mas não foi o que se viu. Elas não pediram transparência de gestão, quase nunca as vi se mobilizando contra a corrupção de seus dirigentes. Parecem ser mais uma massa de manobra, apoiando aqueles que lhes dão ingressos, passagens e carne para churrasco.
Outro fator é que elas afastam o torcedor comum. No final das contas, em vez de contribuírem para o aumento da renda nos estádios por ser um público fiel, as organizadas acabam espantando os desorganizados. A queda do número de torcedores nos estádios não é fruto apenas da diminuição dos lugares.
Apesar dos problemas gerados pelos torcedores fanáticos, eles vêm sendo glamurizados. Seus sacrifícios insanos são transformados em pauta, seja montar um museu do clube em sua casa, seja gastar o dinheiro que não tem para ver seu time jogar num país distante. Até certa parte da imprensa diz que é poético fazer parte de um bando de loucos. E isso não se aplica só aos corintianos, porque loucos há em qualquer torcida.
Na verdade, acredito que esta glamurização é muito lucrativa para muita gente. Para os patrocinadores, que veem seus produtos cada vez mais expostos, e para as tevês, que têm cada vez mais espectadores para o futebol (e o aumento das cotas pagas pelas redes é prova disso).
Aliás, a busca de lucro é que deve ter impedido o Corinthians de desistir da Libertadores em sinal de luto. Há tantos interessados (tevês, patrocinadores e empresários de jogadores) que seria arriscado, financeiramente, tomar uma atitude nobre como esta. Mas será que para o patrocinador é bom ter sua marca associada à morte de um jovem de 14 anos?
Um estádio de futebol pode ser o lugar mais feliz do mundo. Mas os loucos e os burros podem transformá-lo num cemitério.
Extraído do sítio Carta Maior
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