Embora a ideia de Horário de Verão (HV) tenha sido especulada por Benjamin Franklin (1706-1790), que propunha que as pessoas se levantassem mais cedo durante o verão, e, muito embora o astrônomo neozelandês George Hudson (1867-1946) tenha apresentado, em 1895, por escrito, uma proposta à Royal Society da Nova Zelândia, o verdadeiro pai da ideia foi o construtor inglês William Willett (1856-1915).
Os argumentos utilizados por Willett eram os seguintes: (i) mais tempo para o lazer, (ii) menor criminalidade e (iii) redução no consumo de luz artificial. William não chegou a ver a sua ideia sendo posta em prática, e o primeiro país a efetivá-la foi a Alemanha, em 1916. Muitos países seguiram os germânicos, pois a economia de carvão, principal fonte de energia da época, era necessária em virtude da Primeira Guerra Mundial.
O Brasil adotou a então chamada “Hora de Economia de Luz no Verão” em 1931. Em 1963 ela viria a ser chamada de “Hora de Verão”, e, finalmente, de “Horário de Verão” em 1964, passando a ter caráter permanente após o decreto no 6.558 de 8 de setembro de 2008.
Tanto Hudson quanto Willett tinham razões geográficas para acreditar em suas ideias. Londres tem latitude norte de 51° 30? 28?, enquanto Wellington tem latitude sul de 43° 31' 48". Ambas as capitais, respectivamente, estão em latitudes superiores aos Trópicos de Câncer e Capricórnio (23º 27').
Ora, por razões também geográficas, a economia de energia com a troca de horário se dá de forma mais efetiva em áreas que estejam totalmente ao norte do Trópico de Câncer ou ao sul do Trópico de Capricórnio, o que, no caso do Brasil, não se aplica inteiramente aos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia. Em nível de Brasil, portanto, o terceiro argumento de Willett está em xeque.
Vejamos isso na prática e em termos comparativos: segundo o Atlas Sócioeconômico do Rio Grande do Sul, a capital gaúcha consome em média um mínimo de 2.739,72 e um máximo de 8.779,31 MWh por dia (2008). Conforme o “Resultado Preliminar da Implantação do HV 2011/2012”, publicado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o HV, que durou 133 dias e atingiu 10 Estados, poupou, somente na Região Sul, 153.000 MWh. Ou seja, economizou uma média de 1.150,37 MWh por dia. Ocorre que o Estado do RS despende 40% daquilo que é produzido de energia para a Região Sul, e, levando-se em conta isso, a energia economizada durante a vigência do HV contribuiu para abastecer Porto Alegre apenas por breves 9h.
Mais um exemplo: com vinte unidades geradoras, Itaipu produz 92.245.539 megawatts-hora (MWh), abastecendo somente 16,99% da energia consumida no Brasil. Com apenas uma unidade geradora um município de 1,5 milhão de habitantes poderia ser abastecido – Porto Alegre possui 1.413.094 hab. (IBGE 2011). Assumindo-se o que informa o ONS, no mesmo relatório, somente para o Rio Grande do Sul, era esperada uma economia de 232 megawatt (MW). Isso equivale a apenas 33,14% de uma das vinte unidades geradoras de Itaipu. Os 10 Estados (das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, além de Distrito Federal e Bahia) somados deveriam ter poupado 2.717 MW, o que representa escassos 4,66% do total anual nacional, que, em 2011, foi de 58.238 MW. Considerando-se os mencionados dados oficiais, pode-se dizer que o HV é bastante questionável.
Valeria muito mais investir nas Fontes de Energia Renováveis, preconizadas fortemente, pelo menos, desde a década de 1970. O Parque Eólico de Osório/RS, por exemplo, apenas para se citar o benefício energético (deixando-se de lado, portanto, os benefícios tecnológicos, ambientais e sócio-econômicos) gera uma energia anual capaz de abastecer o consumo residencial de cerca de 650.000 pessoas, ou seja, pouco menos da metade da população da capital gaúcha.
Assim, se considerarmos ainda que, desde 2004, a demanda de energia do RS cresceu cerca de 33,21% e que, na prática, as lojas, empresas, shoppings, órgãos públicos e estabelecimentos mantêm luzes acesas e aparelhos ligados durante boa parte do dia, mesmo durante o HV – o que gerou, por exemplo, o novo recorde de demanda no RS (5.906 MW, às 14h42min do último dia 15) – veremos que é urgente o real investimento no Setor de Energia. Do contrário, parece ser mais adequado que fiquemos com o primeiro argumento de Willett: o do lazer. Este sim, com seus gastos associados, é genuíno, real e verdadeiro quando estamos a falar de HV.
* Professor de Geografia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS.
Extraído do sítio do Jornal do Brasil
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