Já tem analista político pedindo socorro a neurologia para tentar explicar a eleição em São Paulo. Outros, em breve, vão jogar búzios. Prova de que a política brasileira resiste aos amadores. Por que?
Porque boa parte de nossos analistas teima em fazer um exercício primário da política: confundir o desejo com a realidade. São quarentões e cinquentões que não aprenderam nada. Ou muito pouco.
O desejo: torcer por uma derrota de Fernando Haddad em São Paulo, que poderia ser anunciada como o início da desconstrução de Lula pelo eleitorado.
A realidade: Haddad está a três pontos de Serra e dificilmente ficará de fora do segundo turno.
Na curva das pesquisas, a tendência de Haddad vai para cima. A de Serra, para baixo.
A curva de Serra que sobe no momento é a rejeição, mostra o DataFolha. Chegou a 46% e é duas vezes e meia maior do que a linha de eleitores que pretendem votar nele. A eleição não está resolvida mas a tendência atual é esta.
Não se sabe se FHC poderá trazer, a Serra, eleitores novos, além dos que já estão com ele.
Marta, com certeza, irá engordar o eleitorado de Haddad. Considerando que a campanha de Serra resolveu criticar o bilhete único – conquista que a população impediu que fosse extinta quando os tucanos recuperaram a cidade – pode-se prever que Marta não terá muita dificuldade para fazer o trabalho eleitoral.
Até porque o número de indecisos subiu e Russomano deu uma leve oscilada para baixo. Não há dúvida que a campanha de Haddad se encontra no melhor momento. A população começa a prestar nele. Basta conversar na barraca da feira perto de sua casa para perceber isso.
Por isso a escolha de Marta para o Ministério da Cultura tem uma relevância política enorme. Não é a ajuda na hora da queda, como FHC a Serra. É o reforço na hora da subida.
Já estou estranhando a ausência, até agora, daqueles balanços previsíveis, chorosos e lacrimejantes, sobre a ministra Ana de Hollanda, que sái. Não tenho a menor condição de avaliar o trabalho dela.
Mas tenho certeza de que, massacrada e criticada em vida, será lamentada fora do cargo, num esforço para esconder aquilo que a nomeação de Marta indica: ao contrário do que garantiam os adversários, os petistas se uniram para tentar vencer a eleição. Quem dizia que Dilma estava pouco ligando para a eleição deve conformar-se com a ideia de que ela fez o que pode para ajudar.
Hipocritamente, observadores que sempre acharam que o mercado deveria mandar na Cultura, deixando ao Estado a função de garantir subsídios e facilidades para investidores privados, já preparam críticas a indicação de Marta. Vão cobrar iniciativas e projetos. Vão lembrar frases infelizes e gafes. No fundo, eles acham que a pasta deveria ser extinta mas aproveitam para falar em toma-lá-dá-cá, no mesmo jogo eleitoral que acusam o governo de fazer.
Não sou otimista nem pessimista a respeito do Ministério.
Acho que a Cultura é um ministério político, como todos os outros. Não é moeda de troca eleitoral e deve ser tratado com respeito. Há muito a ser feito ali. Muito para ser estimulado. É preciso querer e saber.
É bom aguardar, para breve, que Marta demonstre a que veio, num ministério cuja importante nem sempre é bem compreendida — muitas vezes, nem pelos próprios ministros.
E é bom aguardar, num prazo também curto, o desfecho da eleição paulistana. Agora, que não é impossível imaginar uma vitória de Haddad, já é possível adivinhar como ela será apresentada pelos inimigos, se vier a ocorrer.
Já estão dizendo que, agora, Lula “só” quer ganhar em São Paulo. A eleição mais importante, um mês atrás, agora é “só” uma.
Não sei se é caso de neurologia. Quem sabe seja psiquiatria, sociologia, sei lá…
Extraído do sítio Revista Época
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