Em artigo, Helena Regina Lobo da Costa cita o exemplo da suprema corte alemã, onde as decisões são tornadas públicas à sociedade, mas não transmitidas como parte de um grande espetáculo.
Num interessante artigo publicado no jornal Valor Econômico, a acadêmica Helena Regina Lobo da Costa questiona se julgamentos da suprema corte devem mesmo ser transmitidos ao público. Ela cita o exemplo alemão, onde as decisões são públicas, mas as sessões, não. Leia:
O Supremo e a publicidade dos julgamentos - Helena Regina Lobo da Costa
Nesta semana, foi divulgada uma carta criticando uma suposta transformação do julgamento da Ação Penal nº 470 em espetáculo midiático e apontando a atribuição pública de papel de heróis aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso conduz à reflexão sobre o grau de publicidade que deve ser conferido às decisões dos tribunais.
Não há dúvidas, em nosso direito, de que as decisões judiciais devem ser, em regra, públicas. A Constituição estabelece que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes". A ideia subjacente a essa garantia consiste na possibilidade de fiscalização e controle dos atos judiciais. A legitimação da decisão judicial decorre, dentre outros fatores, da justificação dada pelo julgador à sua decisão, que deve seguir os parâmetros jurídicos estabelecidos. Evidentemente, se a decisão fosse secreta, não seria possível conhecer seus fundamentos e, assim, não seria passível de controle algum. Esse controle, como decorre do texto constitucional, é atribuído não só às partes do processo e seus advogados, mas a qualquer pessoa. As exceções à publicidade plena limitam-se aos casos em que há necessidade de defesa da intimidade - como em crimes sexuais, questões envolvendo crianças ou adolescentes etc. - ou do interesse social - como perigo de perturbação da ordem, por exemplo. Ainda assim, nessas hipóteses, as partes ou seus advogados têm direito a acessar os atos e decisões processuais.
Entretanto, a determinação constitucional não detalha como essa publicidade deve ser concretizada no momento da tomada das decisões. Juridicamente, decisão pública é tanto aquela redigida pelo juiz, em seu gabinete, e publicada no Diário Oficial, quanto aquela tomada por um tribunal, em sessão aberta ao público, seja ou não televisionada, por exemplo.
Nossos tribunais, em regra, realizam seus julgamentos em sessão pública, com a exposição dos votos dos julgadores - como está ocorrendo no Supremo. Esse sistema traz como vantagem o pleno conhecimento do processo de tomada de decisão e das discussões havidas entre os julgadores no momento em que elas ocorrem. Mas é interessante mencionar, por exemplo, que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) adotou, há poucos meses, a realização, em algumas hipóteses, de julgamentos virtuais, sem a realização das sessões públicas, nos quais o relator encaminha seu voto aos demais julgadores por meio do sistema informático do tribunal. Já o Supremo, por sua vez, decidiu, há mais de dez anos, com a criação da TV Justiça, televisionar suas sessões.
Há tribunais estrangeiros que preferem buscar um consenso interno sobre a decisão e seus fundamentos antes de dar publicidade ao julgado. É o que ocorre, por exemplo, na corte constitucional alemã, cujas decisões, na maior parte dos casos, são tomadas por unanimidade, sendo raros os casos em que há a publicização de um voto discordante. Para os alemães, esse procedimento seria importante para preservar a imagem pública do tribunal, evitando a exposição de eventuais desavenças entre seus integrantes e, ainda, garantindo maior serenidade e menor influência das paixões públicas nas decisões.
Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais - especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões.
* Helena Regina Lobo da Costa é professora doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Extraído do sítio Brasil 247
Extraído do sítio Brasil 247
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