03 agosto 2012

LINCHAMENTO NÃO É JUSTIÇA - Kennedy Alencar


É correto acusar os advogados de defesa do réus no mensalão de querer evitar o voto do ministro Cesar Peluso, que deverá se aposentar no começo de setembro.

Nos bastidores do Supremo Tribunal Federal, que começou a julgar o maior escândalo de corrupção da história do PT e do governo Lula, a avaliação corrente é que, por ora, há um placar geral de 6 a 5 mais propenso a condenações do que a absolvições. Sem Peluso, o placar ficaria em 5 a 5, o que é bom para os réus.

Mas os ministros do STF e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também podem ser acusados de agir politicamente. Ficou claro que tiram as meias sem tirar os sapatos.

Advogados

A questão de ordem do advogado Márcio Thomaz Bastos, defensor do réu José Roberto Salgado, executivo do Banco Rural na época do mensalão, tomou quase todo o primeiro dia de trabalho.

Evitar o voto de Peluso é positivo para os réus. Os advogados argumentam que, se o ministro Peluso adiantar um voto, e surgir ao longo do julgamento, já sem a presença dele, uma prova favorável ou desfavorável a um réu, o voto antecipado não poderia ser modificado.

Mas há divergências entre os próprios advogados. Eles não são um time afinado. Cada um ali quer salvar o seu réu. São todos bons e caros advogados.

O que deseja Dirceu

Principal réu no caso, José Dirceu é contra o desmembramento do processo, que seria levar o caso do Supremo à primeira instância da Justiça. Na primeira instância, o mais provável é uma condenação. Dirceu teria de passar pela segunda instância até chegar ao Supremo. Se fosse absolvido na primeira instância, também teria de percorrer todo esse caminho. Se as acusações prescrevessem, ficaria marcado como um beneficiário da impunidade da lentidão da Justiça.

Dirceu tem interesse em ser julgado no Supremo. Avalia ter mais chance de absolvição numa corte superior. Há exemplos nesse sentido: o banqueiro Daniel Dantas colheu decisões favoráveis nas instâncias superiores; o banqueiro Salvatore Cacciola também; a Camargo Corrêa suspendeu a operação da PF Castelo de Areia, e a operação Satiagraha, que prosperou na primeira instância federal, foi suspensa numa alta corte.

Márcio Thomaz Bastos, portanto, cuidou do cliente, que prefere ser julgado fora do grande balaio de 38 réus para ter mais chance de ser absolvido. Contratado, é complicado imaginar a hipótese de Thomaz Bastos não ter pedido o desmembramento. Fez isso em defesa do seu réu. Não por interesse de Dirceu.

Está claro que existe uma estratégia geral dos advogados de defesa para tirar o voto do Peluso do julgamento. No limite, a questão de ordem de Thomaz Bastos ajudou a atrasar em um dia o julgamento. Mas estrategicamente não interessava a Dirceu.

A defesa tem todo o direito de exercer sua função com liberdade. O Brasil não é uma ditadura, não tem fuzilamento nem rito sumário na Justiça. Não pode haver dois pesos e duas medidas. É tão legítimo os defensores de condenações quererem tirar Dias Toffoli do julgamento como os defensores de absolvições quererem evitar o voto do Cesar Peluso.

O Supremo também não tem obrigação de encerrar esse processo no início de setembro. Afinal, decidiu analisar durante a eleição porque tem independência para fazê-lo. O Supremo deve analisar quando achar que deve. E, se o julgamento durar até o final de setembro, até outubro, paciência. Se legalmente não for possível que o ministro Cesar Peluso vote, é do jogo legal.

O Supremo deveria ter se programado para julgar antes. Demonizar a defesa é linchamento. A acusação também faz seus cálculos políticos. O que importa é que se faça justiça. No caso, parecem não faltar provas nesse sentido.

Notícia ruim para os réus

O ministro Gilmar Mendes sinalizou claramente que vai ser duro. Disse que será o fim da "lenda urbana" da impunidade no Supremo. Má notícia para os réus, porque Mendes, em outros casos, enfrentou a opinião pública. Por exemplo: decidiu que não havia provas contra o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho no caso do caseiro.

Escorregão

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, escorregou. Ele disse que não pediria o afastamento do ministro Dias Toffoli a fim de evitar atrasos do julgamento. Ora, se o procurador acha que Dias Toffoli não deve participar, tem o dever de pedir o impedimento dele. Se não o faz, pode até ser acusado de prevaricação. Para não atrasar o julgamento, esqueceu esse assunto.

Impedimento

Há elementos para que Dias Toffoli não participe do processo. Foi indicado para o Supremo pelas boas relações dele com o PT, como parte de uma estratégia petista de tentar obter apoio à absolvição dos réus do partido no processo do mensalão. Lula o escolheu dentro da regra prevista, e o Senado aprovou o nome. Mais: os ministros do Supremo não questionam em público a participação do Dias Toffoli. Portanto, é fato consumado sua participação.

Foco

Na leitura da acusação, ficou claro que Gurgel apostou numa condenação de Dirceu mais por formação de quadrilha do que por corrupção ativa.

* Kennedy Alencar é jornalista da rádio CBN e da RedeTV! e colunista da Folha de S. Paulo.

Extraído do sítio Folha de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário