Parece coisa de tragédia grega. Com uma arrogância neocolonialista, dias atrás a prestigiosa revista The Economist pediu a cabeça do ministro da Fazenda, Guido Mantega, devido ao desempenho do PIB brasileiro, tido como fraco.
O pedido animou todos os comentaristas ortodoxos dentro e fora do nosso país, pois junto com ele vinha o “diagnóstico” de que aquele desempenho tinha a ver com a excessiva intervenção do governo na economia. Pedia a revista que o governo, intervindo menos, liberasse o “espírito animal” do setor privado no Brasil. Não sei o que a revista entende por “espírito animal”. Mas se há um lugar onde ele tem andado à solta é a Europa.
Desde aquela tirada da revista, entretanto, uma maldição parece ter caído – ou se renovado – sobre o continente europeu. A saber:
1 – O primeiro ministro italiano Mario Monti anunciou que pretende renunciar logo após a votação do novo orçamento “austero” pelo Parlamento em Roma, provocando a antecipação das eleições nacionais de abril para fevereiro. Motivo: Silvio Berlusconi, o “imorrível”, anunciou que pretende disputar o cargo novamente, e que seu partido, o “da Liberdade” retiraria o apoio a Monti logo depois daquela votação.
Monti, (im)posto no cargo pelas lideranças ortodoxas da Europa – Angela Merkel à frente –, disse que isso equivalia a um voto de desconfiança, pondo sua maioria no Parlamento em perigo, daí o anúncio da renúncia. Para azar da The Economist, o nome mais provável para vencer as eleições é o do ex-comunista Pier Luigi Bersani, do Partido Democrático (PD), que faria uma coalizão com o Partido da Esquerda Ecológica e da Liberdade, o que também poderia incluir Monti.
O PD deu sustentação às reformas propostas por este último, mas certamente imporia uma visada mais social e menos ortodoxa à política econômica do governo italiano. Outra alternativa para o PD seria o atual prefeito de Florença, Matteo Renzi, apontado como um quadro de renovação na política italiana. Berlusconi já se declarou contrário aos planos de “austeridade”, e até mesmo contra o euro.
2 – Na Inglaterra, pátria da revista, as coisas não vão bem. Os economistas ortodoxos esperavam um crescimento baixo, mas crescimento, de 0,7% no PIB deste ano. Segundo o ministro das Finanças, George Osborne, vai haver uma retração de – 0,12%. Como se não bastasse, o maior banco britânico, o HSBC, entrou em acordo com a promotoria federal norte-americana para pagar 1,9 bilhão de dólares como indenização por práticas ilegais.
Quais práticas? Bom, boa parte da mídia vem dando destaque a operações de transferência de dinheiro para contas do Irã, Líbia (ao tempo de Ghaddafi), Burma, Sudão, Irã e até Cuba, todos países cujas transações são fiscalizadas duramente ou proibidas nos Estados Unidos. Mas há outros destaques, bem mais incômodos: lavagem de 881 milhões de dólares para dois cartéis de drogas mexicanos, inclusive o Sinaloa, visto como o mais poderoso do mundo e também dos mais sanguinários; aceitação de 15 bilhões de dólares de depósitos suspeitos(sem origem clara) oriundos de países como Rússia, México e Colômbia; transferências de dinheiro para e do Saudi Al Rajhi, banco saudita que sabidamente operou e opera fundos da Al Qaeda.
A direção britânica do banco diz que essas operações envolvem apenas o ramo norte-americano. Assim mesmo, o prestígio do banco está lá embaixo, embora suas ações tenham subido na bolsa de Londres. Claro: o anúncio da indenização substitui a possibilidade de o banco ser processado. Tal processo, segundo o assistente da promotoria Lanny Breuer, poderia levar o banco a perder sua licença para operar nos EUA, “desestabilizando” o sistema bancário mundial.
Ou seja, os investidores no banco puderam respirar aliviados, porque, afinal de contas, como apontou o comentarista Glenn Greenwald, do The Guardian, o banco está acima da lei. Ademais, a indenização de US$ 1,9 bi representa pouco mais do que um mês do lucro mundial do HSBC (21,9 bilhões de dólares em 2011).
3 – Ainda na Inglaterra, o anúncio da indenização a ser paga pelo HSBC (além de um acordo de cinco anos de monitoramento de suas atividades por parte do fisco norte-americano e de uma comissão independente) coincidiu com novas prisões relacionadas ao escândalo da manipulação da taxa Libor e a notícia de que o estatizado (em consequência dessas denúncias) Northern Rock Bank começou a pagar 270 milhões de libras a clientes que se sentiram prejudicados pela manipulação.
4 – Atravessando o Canal da Mancha, o poderoso e ortodoxíssimo Banco Central Alemão anunciou que está reduzindo suas expectativas de crescimento da economia do país para 2012 e 2013, o que põe a Alemanha diretamente na alça de mira da recessão “austera” que devasta a Europa. Ao mesmo tempo, na quarta-feira o Deutsche Bank, um dos ícones da economia do país, foi atingido por uma devassa da polícia e do fisco, com a detenção de cinco altos funcionários, inclusive de um membro de sua diretoria, Jürgen Fitschen.
A operação foi cinematográfica, com dezenas de carros da polícia parados diante de uma das sedes do banco, em Frankfurt, e 500 policiais e fiscais saindo dela com malas de documentos, computadores aprrendidos, etc. Acusações: sonegação fiscal mais manipulação escusa dos certificados de emissão de carbono, desses que países e empresas do mundo desenvolvido podem comprar para formar um fundo de preservação ambiental nos países em desenvolvimento.
5 – Ainda deste lado do Canal, a mídia noticiou que França e Alemanha entraram num acordo sobre a atuação do Banco Central Europeu no sentido de fiscalizar o sistema bancário do continente, apertando o controle sobre ele. Levado à reunião dos ministros da área financeira da União Europeia, ele foi aceito nesta quinta-feira (13). Por seus termos – amaciados pela Alemanha – mais de 200 bancos europeus entrarão no microscópio do B. C. E. para escrutínio a partir de janeiro de 2014.
Decididamente, as coisas não vão bem para o universo ortodoxo da The Economist. A economista Maria da Conceição Tavares, com seu faro acurado, analisou na Carta Maior que o pedido atrabiliário e bilioso da revista tinha por objetivo favorecer a candidatura de Aécio Neves em 2014. Pode ser, mas não é tudo. O pedido veio dias antes do “Fórum pelo Progresso Social: escolher o crescimento; sair da crise”, organizado em Paris pela Fundação Jean Jaurès e pelo Instituto Lula, com a participação da presidenta Dilma Rousseff, do presidente François Hollande, do ex-presidente Lula, do ex-primeiro ministro francês Lionel Jospin e do próprio ministro Guido Mantega. Digamos que o fórum não foi propriamente uma apoteose para as ideias ortodoxas da revista, que já naufragaram na América Latina, na Ásia e estão fazendo água nos Estados Unidos e na Europa.
Certa vez, num dos tantos levantes armados que agitaram a história do Rio Grande do Sul, a que chamamos de “revoluções”, o caudilho maragato Honório Leme teria mandado uma mensagem a seus superiores: “Estamos sob fogo do inimigo, batendo em retirada e com pouca munição. Tirando isto, está tudo bem”.
Glosando a mensagem, a The Economist poderia dizer: “Temos muita munição, não vamos bater em retirada, apesar do fogo do inimigo. Mas as coisas não estão nada bem”. Não estão mesmo. E não vi a revista pedir a cabeça de nenhum ministro aqui na Europa.
Extraído do sítio Sul21
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