18 outubro 2012

O PT E A ELEIÇÃO MUNICIPAL EM PORTO ALEGRE - Paulo Muzell

O PT sofreu nesta última eleição em Porto Alegre a sua maior derrota desde sua criação. Um analista pintou o episódio com tintas fortes, classificando-o como “derrota inclemente”. Os números não deixam qualquer dúvida: a candidatura majoritária fez menos de 10% dos votos válidos e foram eleitos apenas cinco vereadores. Em 1996 no “auge” de sua trajetória o PT de Porto Alegre obteve quase o triplo, conquistando 14 cadeiras na Câmara. O voto na legenda despencou: foram 110,9 mil em 1996 e apenas 14,7 mil em 2012, uma queda de 87%!

O paradoxo é que apesar do péssimo desempenho na capital, o PT cresceu no Estado e no Brasil: elegeu mais prefeitos e vereadores. É verdade que a veracidade desta afirmativa inicial só poderá ser melhor avaliada depois de apurado o resultado do segundo turno, pois nas maiores cidades o desempenho, à uma primeira vista, não indica avanços. Em nove das 26 capitais brasileiras as eleições foram definidas no primeiro turno. Em apenas uma, Goiânia o PT foi vencedor. Nas restantes dezessete capitais o partido disputa o segundo turno em seis: São Paulo, Salvador, Fortaleza, João Pessoa, Cuiabá e Rio Branco. Aqui no Estado o PT perdeu em quase todas grandes cidades, as exceções foram Canoas, Rio Grande, Alvorada e, talvez, Novo Hamburgo (resultado ainda dependendo de decisão judicial); em Pelotas disputa o segundo turno.

Como explicar o fato? Do que se ouve e do que se lê, dentre as causas mais mencionadas cita-se a perda de inserção nos movimentos sociais e comunitários; evasão dos melhores quadros que paulatinamente saíram da esfera municipal, transferindo-se para a área estadual ou federal. Há uma evidente redução da capacidade militante que resultou na diminuição do protagonismo no debate público da cidade. Uma causa mais específica, muito citada durante e especialmente após o episódio eleitoral seria a falta de capacidade da candidatura petista de explicar a confrontação e as diferenças entre as três candidaturas do “campo democrático-popular”. Até a opção pela candidatura própria – ao invés de uma coligação com o PC do B com Manuela na “cabeça” e o PT de vice – também é citada como um equívoco que dividiu a “esquerda”, favorecendo a candidatura de Fortunati. E por fim, a escolha de um candidato pouco conhecido na cidade, de baixa densidade eleitoral.

Essas e outras razões comumente citadas no meu entendimento apenas tangenciam o tema. É necessário que se faça uma breve análise histórica da disputa política na cidade nas três últimas décadas e do papel desempenhado pelo petismo porto-alegrense no processo para que se possa vislumbrar as verdadeiras causas.

Em primeiro lugar julgo um equívoco afirmar que o recente episódio eleitoral “confrontou três candidaturas do campo democrático-popular”.

A candidatura Fortunati tem suas origens numa aliança de centro-direita que teve como eixo central o PMDB de Simon, apoiado por um ressentido, um raivoso anti-petismo liderado por Viera da Cunha (PDT). A eles se uniram outros partidos de direita: o PP e o DEM legítimos representantes do conservadorismo mais tradicional, herdeiros legítimos da velha Arena e os “novos” partidos da “direita lúmpen”, cuja maior expressão é o PTB. Há, também, a adesão da tradicional “sopinha de letras”, representada por siglas inexpressivas que “correm ao botim para disputar alguns farelos”. Esta aliança, ampliada em 2012, na eleição de Fortunati, teve desde 2005 total e irrestrito respaldo da mídia conservadora, liderada pelo PRBS (Partido da RBS). Esse conglomerado da mídia dá total apoio a um governo municipal que desde 2005 tem sido muito “fiel e eficiente” na tarefa de “desatar nós” – entenda-se remover entraves do Plano Diretor – que “impediam ou atrasavam os mega empreendimentos do seu braço imobiliário”. No jargão jornalístico da empresa, “fundamentais para o crescimento e desenvolvimento da cidade”. Resumindo o governo Fo-Fo (Fogaça Fortunati) assegurou zoneamentos de uso mais permissivos, maiores alturas, índices de aproveitamento e taxas de ocupação, assegurando gordos lucros para o setor.

Observe-se que Fortunati reforçou a “ala direita” do seu governo trazendo para posições chaves de sua equipe Edmar Titukian e Ana Pellini, quadros que integraram o primeiro escalão do governo Yeda.

A candidatura Manuela até que largou bem, mas ao longo da campanha não mostrou fôlego, foi perdendo consistência. Pela segunda vez um partido pequeno – o PC do B – tenta dar o “grande salto” conquistando a prefeitura de uma grande capital. Tem à frente um quadro novo, fenômeno eleitoral em eleições proporcionais, mas que já tivera um fraco desempenho na sua primeira candidatura à Prefeitura em 2008. Não viabilizando a sua pretendida aliança com o PT, fragilizou-se sua candidatura. O PC do B repetiu o erro de 2008, buscou aliança à direita. Em 2008 com o PPS do Britto, em 2012 com a senadora Ana Amélia, que desconsiderou a posição do seu partido, o PP e assumiu a candidatura Manuela. Ficou claro que ela é do PRBS e não do PP. Manuela é uma candidata que de “novo” só tem a idade.Tentou demonstrar que era o moderno, não colou, o eleitor não acreditou. A candidatura tinha propostas vagas sobre os temas da cidade e não partiu para o confronto ideológico com a candidatura Fortunati, que saiu ilesa, sem danos dos debates. A candidata me deu a clara impressão de se ressentir da falta de um conhecimento mais sólido, restringindo-se a repetir falas inconsistentes elaboradas por um marketing uma assessoria política conservadora, pra lá de convencional. Não podia dar e não deu certo.

A candidatura Villaverde também tinha tudo para não dar cento. Candidato pouco conhecido de um partido em rota francamente descendente em Porto Alegre. E que se defrontou com uma grande coligação de partidos, reforçada por novas adesões, tentando a reeleição de um candidato com forte apoio da mídia. Mídia que blindou seus oito anos de governo. Mais de uma dezenas de escândalos, denúncias de desvios e de favorecimentos, recebimento de propinas – que resultaram, inclusive, no suspeito assassinato de uma importante figura do governo – ocorreram sem que os jornais e as tevês locais concedessem espaços de veiculação que correspondessem à importância dos fatos. Um constrangedor silêncio tumular que perdurou de 2005 a 2012.

O PT cresceu até o ano 2000 porque tinha um projeto para Porto Alegre resumido no seu conhecido e repetido slogan: “coragem de mudar”. Inversão de prioridades, fim das mordomias e do nepotismo, incentivo à participação popular, justiça social e tributária resumida no slogan: quem tem mais paga mais (impostos), quem tem menos recebe mais (salários, serviços e obras). Especialmente a partir de 2001 começa o declínio do ciclo petista. A conquista do governo estadual em 1998 e a vitória de Lula em 2002 trazem como conseqüência a migração de quadros históricos e qualificados para as esferas administrativas estadual e federal. A crise econômica de 2002 (último ano do governo FHC) traz o desequilíbrio orçamentário-financeiro às contas municipais. Pioram as práticas políticas, há claras evidências do “cansaço dos metais”. O resultado foi a primeira vitória de Fogaça em 2004.

Nos oito anos seguintes, na oposição, o PT de Porto Alegre, bancada e partido perderam consistência, fazendo quase sempre uma oposição tíbia, pontual, ao governo. Um governo mau gestor e marcado por graves irregularidades.. Um governo que destruiu o que restava do planejamento urbano e o “esquartejou plano diretor da cidade”. Um governo servil e submisso aos interesses da construção civil. Um governo que privatizou equipamentos e espaços públicos (Araújo Viana e Largo Glenio Peres). O PT pouco criticou nos oito anos e, em conseqüência, calou também na campanha, onde evitou a crítica e o debate político e ideológico mais forte. Calara em 2008, na desastrosa campanha de Maria do Rosário e repetiu o erro, calou novamente na campanha em 2012. Mas calou, sobretudo, por não ter unidade programática, por ter perdido a convicção ideológica do passado.

Terá o PT de Porto Alegre compreendido as lições desta grande derrota eleitoral? Terá o partido, ainda, reservas de energia e um mínimo de consistência ideológica que permita a necessária mudança de rumos? Há condições de construir um novo projeto capaz de reconquistar a hegemonia perdida na cidade? Tarefa extremamente difícil sem que seja alterada a atual correlação de forças internas do partido. Mas vital para a sua sobrevivência.

Extraído do sítio RS Urgente

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