Com a passagem do 31 de março, muitos segmentos da sociedade brasileira manifestaram seu apoio ou repúdio ao Golpe de 1964, que mergulhou o país numa Ditadura Civil-Militar que perdurou por mais de vinte anos. De certo, há muitas maneiras de interpretar este período da nossa história recente, porém não há como contornar os muitos casos que envolvem a prática de torturas físicas e psicológicas, perseguições, prisões arbitrárias, assassinatos, desaparecimentos, e tantas outras formas de repressão e cerceamentos adotados pelas elites que ocupavam as principais esferas do poder na época.
Distante do que muitas pessoas pensam, em Rio Grande não foi diferente. Enquanto Área de Segurança Nacional, cidade portuária com posição geopolítica estratégica, dirigida por um Interventor nomeado pelo Governador do Estado com total respaldo do General-Presidente, o município acabou comandado por uma pequena elite que integrava o partido da situação (ARENA), os movimentos estudantis e a iniciativa privada. Compactuando com o Regime que colocava em prática a Doutrina de Segurança Nacional, caracterizada pela máxima de que “não há desenvolvimento econômico sem segurança”, e contando com apoio dos braços repressivos do Estado (Exército, Marinha, Polícia Federal, Polícia Civil e Brigada Militar), e até meados de 1975 com uma propaganda favorável através do único periódico que circulava diariamente na cidade, estas elites acabaram contribuindo para transformar o município em um território hostil a qualquer tipo de manifestação que por ventura pudesse contestar a atuação do Regime.
A documentação proveniente da Secretaria de Ordem Política e Social do Rio Grande – SOPS/RG, bem como, a pesquisa realizada nos periódicos da época, e a produção de fontes de pesquisa através da oralidade, têm demonstrado que sob o pretexto do desenvolvimento econômico – investimentos na zona portuária, em indústrias de bens intermediários, terminais de exportação e importação de grãos, frigoríficos, ente outros – e de uma aparente melhoria da infraestrutura urbana central, – limpeza de praças e canteiros, calçamento de ruas, colocação de floreiras e plantio de árvores – foi formulada uma estrutura de aliciamento que influenciou a sociedade da época a legitimar quaisquer ações arbitrárias do Regime, tendo em vista, possíveis benefícios socioeconômicos em um futuro não muito distante. Daí a celebre frase “no tempo dos militares é que era bom”.
Em contrapartida, não se fala nos aglomerados ‘urbanos’ periféricos que não possuíam esgoto e água potável, na ineficiência do sistema de saúde e proliferação das doenças, nos altos índices de criminalidade e de analfabetismo, nos problemas com o transporte coletivo e os aumentos na ordem de 60% no valor das passagens, ou na carestia do preço dos alimentos que superavam em muito os praticados em outras cidades do Estado. Tudo isso também fez parte do contexto socioeconômico e político da cidade do Rio Grande ao longo deste período. Fica evidente qual memória acerca deste período alguns segmentos da nossa sociedade desejam impor a todo custo. Daí, a proposição da homenagem, em praça pública, a Golbery do Couto e Silva.
Graças à gradativa abertura dos arquivos da Ditadura, vem desmoronando um dos últimos pilares de sustentação popular do Regime, que consiste no fato de que inexistiram casos de corrupção e utilização da máquina pública em benefício próprio por parte dos militares da época. A documentação da SOPS/RG aponta neste sentido, dando ênfase a participação de políticos do MDB e ARENA, bem como, alguns segmentos da iniciativa privada.
Simplificando o raciocínio diante de tudo o que foi exposto, podemos aferir que em Rio Grande, o Regime autoritário trouxe benefícios para alguns e desvantagens para outros. Resta àqueles que não compactuam com isso tudo, prestarem atenção em quem irão votar no próximo pleito. Afinal, muitos daqueles que circulavam nas esferas do poder da época, estão por aí até os dias de hoje. Basta olhar para as constantes ações antidemocráticas praticadas frequentemente em nosso município (a CPI do transporte público, por exemplo) ou fitar aqueles que pretensamente se travestem com o manto negro da democracia, como boas viúvas, e que contraditoriamente não deixam nunca de prestar sua reverência a ícones da Ditadura. Definitivamente, há muito pouco o que comemorar.
* Leandro B. da Costa é mestrando em História na UFRGS.
Extraído do sítio Sul21
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