No final de seu livro, o historiador Tony Judt responde à questão sobre o que impediria que a invasão do Iraque liderada pelos EUA se tornasse um outro caso Dreyfus, na medida que a guerra estava baseada numa mentira escancarada. Em “Pensando o Século Vinte: Intelectuais e Política no Século Vinte”, escrito por Timothy Snyder, ele discursa sobre a complexidade da questão da mentira e da guerra, e do papel dessas coisas no esforço de tornar isso objeto de protesto, dizendo: “Quando a democracia faz a guerra, ela primeiro cria uma psicose da guerra...você tem de mentir, tem de exagerar, tem de distorcer e por aí....”.
Mais do que isso, parte do problema da democracia norte-americana no que concerne à guerra está conectado ao fato de que, como escreve Judt, “no século vinte, a América fez guerras sem custo para si mesma, em comparação ao custo para os outros países. Na Batalha de Stalingrado, o Exército Vermelho perdeu mais soldados do que a América já perdeu – soldados e civis juntos – em todas as guerras norte-americanas ao longo do século vinte. É difícil para os norte-americanos entenderem o que a guerra significa, e portanto é evidentemente fácil para um político enganar o seu povo ao levar a democracia para a guerra”.
Então, de onde vem a falsa imagem do sofrimento e do preço que os norte-americanos têm pagado em seus guerras? Dos filmes e programas de televisão. E nós adotamos a fantasia americana como ela fosse nossa.
Quem assistiu ao noticiário na semana passada deve ter pensado que era nosso (israelense) litoral que estava sendo inundado pelo Furacão Sandy.
É verdade, essa fantasia tem claramente fontes reais. As entrevistas no rádio e na tevê com os israelenses que vivem nos Estados Unidos foram suficientes para demonstrar a extensão em que a classe média israelense pode ter um pé aqui e outro nos Estados Unidos: pessoas de negócios, professores trabalhando como convidados ou em ano sabático, experts em computadores, artistas, colegas estudantes, imigrantes, turistas. E aqueles de nós que ainda estão aqui? O que veem em suas telas de tevê é o que nós vemos em nossas, salvo pelas legendas que aparecem nas nossas.
Não há outro país ocidental no qual uma população inteira esteja exposta à cultura popular norte-americana por meio de sua televisão como Israel. Podemos lidar como isso com o lamento pela americanização de nossas vidas, e ainda assim é o caso prestar atenção ao que não é geralmente discutido como sintoma de nossas simbioses.
Deixemos de lado a pauta trivial dos israelenses que vivem em Nova York e prestemos atenção em nossos protagonistas: o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, que fez o ensino médio e a universidade nos Estados Unidos; Stanley Fischer, que nasceu no Zambia e estudou e ensinou nos EUA, tornou-se dirigente do Banco de Israel depois de trabalhar no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial e fala um maravilhoso hebraico; Arthur Finkelstein, o consultor republicano baseado em Nova York que faz incitações contra os árabes para o ministro Avigdor Lieberman; Sheldon Adelson, o magnata dono de cassino e dono do mais patriótico jornal de Israel; Eli Tabib, que compra e vende times de futebol aqui e viaja para os Estados Unidos para fazer dinheiro lá. E esses são apenas alguns dos mais proeminentes exemplos de trocas entre múltiplas nacionalidades possíveis.
Mas há um conceito que permanece estrangeiro para os norte-americanos. Lá, sem entender o custo da guerra, os norteamericanos elegerão um presidente hoje – um líder que provavelmente afetará as vidas e as mortes de centenas de milhares de pessoas aqui. As milhões de pessoas no Oriente Médio assistem à devastação do Furacão Sandy (mesmo que não prestem em regra tanta atenção aos desastres naturais que devastaram o Haiti ou Bangladesh) não podem fazer nada nessa eleição importante, mesmo que ela venha a ter um efeito significativo em suas vidas.
Tradução: Katarina Peixoto.
Extraído do sítio Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário