Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido. Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer, mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.
Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras décadas do século XX era avesso à ideia de um partido. O PC surge em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um populismo que já não controlava mais as lutas sociais.
Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos gaúchos- Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros – que compartilhavam a ideia de que política não é para qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.
O PT nasceu com a ideia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em vários níveis, a coisa foi ficando “fosca”, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais (inclusive no Judiciário).
Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.
Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis de representação.
E, bem mais que as ideias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza, e a ideia de tirar proveito pessoal dos cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo político.
Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país, o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1° mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta essência. No 2o mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.
Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.
O PDT estava no governo da Frente Popular (PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2° turno. No 1° turno sua candidata tinha sido a ex-senadora Emília Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso governo nunca foi tranquila. Tive de contornar demandas descabidas para criar secretarias para abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movimento. Não se manifestou.
Quando do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de POA (nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo, participou da construção da decisão que, séria, responsável e republicanamente tomamos. Sua postura determinada nessas e em outras circunstâncias têm o nosso reconhecimento, respeito e admiração.
Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!
Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?
Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado numa questão estratégica como essa.
O PT não se esgotou no seu projeto estratégico, mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente, mas com o povo brasileiro.
Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um o partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.
A lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular? Onde as multinacionais se instalam com as maiores vantagens do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde túneis, viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser humano?
O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades. São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo, mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, espacial, econômica e política. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.
A crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos têm enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países pobres. No chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é resultado de uma ação articulada e interdependente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não está definido na Constituição, é tão poderoso e influente quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é caldo de cultura para a corrupção.
Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.
Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.
Extraído do sítio Página 13
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