Em seu relatório anual, a organização humanitária denuncia a precariedade do sistema prisional e a ação de milícias. Documento lembra a morte de indígenas e quilombolas na disputa por terras e elogia Comissão da Verdade.
O excessivo uso da violência por parte das autoridades policiais – seja dentro do sistema penitenciário, seja por esquadrões da morte e milícias responsáveis por execuções e torturas e comandadas por grupos que agem à revelia da lei – está entre as principais violações dos direitos humanos no Brasil, segundo relatório da Anistia Internacional (AI) divulgado nesta quarta-feira (24/05) em Londres.
Segundo o documento, referente ao ano de 2011, ampliou-se a prática de tortura no momento da prisão e durante interrogatórios em presídios e delegacias do Brasil. O sistema penitenciário conta com cerca de 500 mil condenados, sendo pouco mais da metade em regime fechado, sob custódia do Estado, diz a Anistia. Esses presos vivem sob péssimas condições, em celas superlotadas e vulneráveis a todo tipo de violência.
A organização humanitária afirma que a situação também é preocupante nos centros de detenção de menores. Os autores do estudo relembram o caso da menina de 14 anos detida em Belém em setembro de 2011 e que foi dopada e violentada durante quatro dias. Durante as investigações da denúncia, 30 funcionários do centro, entre eles o diretor, foram suspensos. Após receber ameaças, a menina teve que entrar para o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte.
Polícia violenta
A AI afirma que os procedimentos adotados pela polícia brasileira são marcados pela discriminação, violação dos direitos humanos, corrupção e pelo estilo militar. "As prometidas reformas na segurança pública foram prejudicadas por corte drásticos no orçamento e por falta de vontade política", afirma o relatório.
Apesar de concordar que as 18 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que existem no Rio de Janeiro representam um "avanço importante", por intensificarem a presença policial nas áreas mais problemáticas, a organização critica a falta de investimentos de maior alcance em políticas sociais para as comunidades que vivem em situação de pobreza.
A AI também cobra do governo brasileiro uma melhor formação dos policiais e maior controle sobre as instituições de segurança, diante das denúncias de uso excessivo da violência e de envolvimento com corrupção.
Outro destaque do relatório é a participação de policiais na formação de milícias e esquadrões de morte envolvidos em extorsões, tráfico de armas e drogas e assassinatos, classificados como "limpezas sociais". Entre os casos de quadrilhas desbaratadas divulgados pela mídia está a Operação Guilhotina, realizada pela Polícia Federal em fevereiro do ano passado, que chegou a 47 policiais e ex-policiais do Rio de Janeiro acusados de envolvimento com tráfico, fraudes e extorsão.
Conflitos agrários
O relatório destaca ainda os conflitos nos campos pela posse de terras, que têm levado à morte de índios e quilombolas. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, 1.200 famílias vivem em situação extremamente precária, às margens de rodovias, enquanto aguardam a restituição de suas terras. A AI traz vários relatos de ameaças, violência e mortes em conflitos agrários, envolvendo indígenas e ativistas.
Em outubro do ano passado, a decisão do governo Dilma Rousseff de facilitar a concessão de licenças ambientais a grandes projetos que estimulam o desenvolvimento econômico foi muito criticada, segundo a AI, por atingir áreas de comunidades indígenas e quilombolas. Um dos projetos mais criticados é o da construção da usina de Belo Monte, no Pará, alvo de inúmeros protestos país afora.
Um ano de gestão Dilma
O relatório lembra ainda que, em apenas um ano de governo Dilma, sete ministros tiveram que deixar o cargo por conta de denúncias de corrupção e de mau uso de dinheiro público.
Para a AI, o limitação do sigilo de documentos públicos em 50 anos e a criação da Comissão da Verdade, que começou seus trabalhos na semana passada, representaram "um importante avanço na luta contra a impunidade no país".
Durante os próximos dois anos, a comissão vai investigar crimes contra os direitos humanos ocorridos entre 1946 a 1985, com foco no período do regime militar. A expectativa de organizações formadas por familiares de pessoas desaparecidas na ditadura é de que, ao final dos trabalhos, haja uma pressão para que agentes públicos envolvidos em torturas e assassinatos sejam punidos, apesar da proteção oferecida pela Lei da Anistia.
Exportadores de armas estão no Conselho de Segurança
Na introdução do relatório anual da entidade, o secretário-geral internacional da AI, Salil Shetty, ressaltou que 2011 foi um ano marcado por protestos corajosos e profundas mudanças políticas em todo o planeta, especialmente nos países onde ocorreu a chamada Primavera Árabe, como Egito, Líbia e Tunísia.
Apesar de Estados Unidos e Europa terem apoiado verbalmente os movimentos democráticos nesses países, cientes de que a "crítica à repressão estatal e às péssimas condições econômicas" era justificada, norte-americanos e europeus não queriam abrir mão de suas "relações especiais" com os regimes repressores, que garantiam a estabilidade em áreas estratégicas por conta das reservas de gás e petróleo, afirma o relatório da AI.
Além disso, aponta o organismo, os países ocidentais têm grandes interesses no lucrativo comércio de armas. "Quem mais fatura com o comércio internacional de armas são os países com assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU", afirma Wolfgang Grenz, diretor-geral da AI na Alemanha.
Em 2010, 70% das exportações saíram dos países com poder de veto no Conselho Segurança das Nações Unidas, estando os EUA em primeiro lugar (30%), seguidos de Rússia (23%), França (8%), Reino Unido (4%) e China (3%). "Assim fica fácil entender por que a Rússia não aprovou sanções mais duras contra a Síria no Conselho", constata Grenz.
A Alemanha, que não é membro permanente do Conselho de Segurança, é o sétimo maior exportador mundial de armas, segundo a Anistia.
Extraído do sítio Deutsche Welle
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