Foram publicados nesta segunda-feira (28) no Diário Oficial o novo Código Florestal, com os vetos feitos pela presidenta Dilma Rousseff, e a medida provisória 571/2012, que contém as alterações no texto aprovado pelo Congresso. A principal alteração em relação ao texto do Congresso é a necessidade de recompor vegetação às margens de cursos d’água, nascentes, olhos d’água, lagos e lagoas, além de veredas, nas “áreas consolidadas”, onde já há produção antes de 22 de julho de 2008. O relatório de Piau praticamente desobrigava a recomposição nestas áreas. O Planalto propôs um escalonamento, definindo o tamanho da área a ser recomposta de acordo com o tamanho da propriedade.
Outra mudança importante foi a instituição pelo Governo de um capítulo sobre apicuns e salgados, áreas frequentemente inundadas por marés e que servem para a extração de sal e criação de camarão em cativeiro. Estas áreas haviam ficado desprotegidas no texto do relator Paulo Piau (PMDB-MG). Também ganharam atenção do Planalto as “áreas úmidas”, ignoradas pelo peemedebista.
O Governo fez voltar vários artigos do texto do Senado, que havia sido fruto de acordo entre ruralistas e o Planalto e que foi mutilado ao voltar para a Câmara. A relatoria da MP no Senado ficará com Luiz Henrique Silveira (PMDB-SC), que havia sido relator do Código Florestal. O texto do Senado, entretanto, só se tornou minimamente palatável a ambientalistas depois que a relatoria foi para as mãos de Jorge Vianna (PT-AC).
PRINCÍPIOS – O artigo 1º do Código no texto de Piau era apenas uma breve introdução, explicando sobre o que a lei versaria. O Governo voltou com o texto do Senado, que estabelece oito princípios para o Código Florestal, entre eles o “reconhecimento das florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do País” e a “afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, da biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos, e com a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras”.
DEFINIÇÕES MAIS CLARAS – O artigo 3º estabelece o significado de diversas palavras e expressões que são tratadas ao longo do Código Florestal. O inciso XI foi vetado. Ele definia a prática do pousio, que é uma interrupção temporária das atividades em determinada extensão de terra para recuperação do solo. No texto de Piau a prática não tinha limites. A qualquer momento, o produtor poderia alegar que sua terra não é improdutiva, mas que está em pousio, e usar isto para justificar novos desmatamentos. O Governo colocou nova definição mais específica para pousio: “prática de interrupção de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo cinco anos, em até 25% da área produtiva da propriedade ou posse, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo”. Ainda no artigo 3º, o Governo incluiu a definição “áreas úmidas” que haviam ficado desprotegidas no relatório de Piau: “pantanais e superfícies terrestres cobertas de forma periódica por águas, cobertas originalmente por florestas ou outras formas de vegetação adaptadas à inundação”.
Governo definiu de forma mais específica alguns pontos do Código, como a APP em veredas | Foto: Denis A. C. Conrado/Wikimmedia Commons |
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – No artigo 4º, que dispõe sobre a delimitação das áreas de preservação permanente, o Governo incluiu uma definição mais clara sobre as APPs em veredas, que estavam definidas apenas como “em veredas” no relatório de Piau, e ficaram com a seguinte definição: “em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado”. Foi vetado o parágrafo 3º do que dizia que áreas de várzea, apicuns e salgados não seriam APPs se não estivessem dentro das faixas marginais de cursos d’água já definidas pela lei. Foram vetados os parágrafos 7º e 8º que atribuíam aos planos diretores dos municípios o poder de definir as APPs em áreas urbanas. No artigo 6º, o Governo incluiu as áreas úmidas entre aquelas que podem ser declaradas APP pelo Executivo.
APICUNS E SALGADOS – São áreas situadas em regiões inundadas com frequência por marés, que são utilizadas para extração de sal e criação de camarão em cativeiro (carcinicultura). Estas áreas estavam sendo consideradas desprotegidas pelo relatório de Piau. O Governo criou um capítulo específico intitulado “Do Uso Ecologicamente Sustentável de Apicuns e Salgados”. O novo texto impõe limite por Estado de utilização destes locais, de 10% no bioma amazônico e de 35% no restante do país, com exceção áreas consolidadas, onde já havia a atividade antes de 22 de julho de 2008. Também impõe licenciamento ambiental das atividades a cada cinco anos, proteção absoluta de manguezais arbustivos, garantia de manutenção da qualidade da água e do solo. Áreas maiores que 50 hectares precisarão de EIA-RIMA (estudo e relatório de impacto ambiental). Quem produz em áreas consolidadas precisará se regularizar, se comprometendo a proteger os manguezais arbustivos.
RESERVA LEGAL – As regras para a cobertura de vegetação nativa que deve existir em qualquer propriedade rural não sofreram grandes alterações pelo Governo Federal em relação ao texto aprovado no Congresso. A parte da delimitação das reservas legais permaneceu intacta. Na Amazônia Legal será de 80% em área de florestas; 35% em área de cerrado; e 20% em área de campos gerais. Nas demais regiões do país é de 20% em qualquer bioma. Na parte de recomposição de Reserva Legal houve apenas uma mudança. O produtor tinha dois anos para iniciar a recomposição, mas não havia data para concluir. Com a alteração, haverá um prazo fixado em termo de compromisso pelo produtor no Programa de Regularização Ambiental (PRA), que ainda precisará ser implementado.
Na justificativa dos vetos, presidenta disse que empreendimentos hidrelétricos e abastecimento não podem recompor bacias hidrográficas, sob pena de encarecer demais os produtos ao consumidor | Foto: Antônio Cruz / ABr |
GOVERNO SE PRESERVA DE POSSÍVEIS DESPESAS – O capítulo X trata da criação do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio-Ambiente, que inclui a dedução de impostos para gastos com recomposição de APP e Reserva Legal, concessão de créditos, entre outros possíveis incentivos. No texto de Piau, o Governo tinha 180 dias para instituir o programa. O Governo retirou e não colocou nenhum prazo no lugar. O artigo 43º, que foi vetado, fixava que as empresas públicas de geração de energia elétrica ou abastecimento de água deveriam investir em APPs em toda a bacia hidrográfica a que estivessem explorando. A presidenta Dilma Rousseff justificou o veto afirmando que encareceria muito o preço dos serviços para o consumidor. O artigo 58º, por sua vez, dizia que o Poder Público “instituirá” programa de apoio técnico e incentivos financeiros ao agricultor familiar para atividades como “preservação voluntária de vegetação nativa acima dos limites estabelecidos”, “proteção de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção”, “promoção de assistência técnica para regularização ambiental e recuperação de áreas degradadas”, “produção de mudas e sementes”, entre outras. O Governo trocou a expressão “instituirá” por “poderá instituir”.
RECOMPOSIÇÃO DE APPS EM ÁREAS CONSOLIDADAS – Mudou bastante. Enquanto o texto de Paulo Piau praticamente desobrigava a recomposição nas áreas rurais anteriores a 22 de julho de 2008, o Governo obriga agora todos os produtores a recompor. O Planalto criou um escalonamento de recomposição de acordo com o tamanho da propriedade. A recomposição em margens de cursos d’água vai de cinco metros (em propriedades de até um módulo fiscal) até cem metros (em grandes propriedades, dependendo da largura do rio). Em nascentes e espelhos d’água o escalonamento vai de cinco a 15 metros. Em lagos e lagoas, de cinco a 30 metros. Em veredas, de 30 a 50 metros. Gerou fortes críticas de ambientalistas a possibilidade de recomposição com plantas exóticas, o que fez com que o Planalto publicasse nesta terça (29) uma retificação. Só pode recompor com plantas exóticas quem tem propriedade de até um módulo fiscal. O Poder Público poderá intervir, exigindo mais recomposição, onde houver risco de erosão ou inundações, ou em “bacias hidrográficas consideradas críticas”. Para proprietários de imóveis rurais em áreas consolidadas com até dois módulos fiscais, a recomposição de APP não pode ultrapassar 10% de sua propriedade. Entre dois e quatro módulos fiscais, não pode ultrapassar 20%.
BLOQUEIO A CRÉDITO PARA QUEM NÃO SE CADASTRAR – O Planalto retomou, com o artigo 78º-A, uma sanção prevista no texto do Senado ao produtor que não se inscrever ou não estiver com situação regular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que ficará proibido de contrair crédito financeiro. “Após cinco anos da data da publicação desta Lei, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural – CAR e que comprovem sua regularidade nos termos desta Lei”, diz o artigo, que havia sido suprimido por Paulo Piau.
Entidades em defesa das florestas avaliam como insuficientes as mudanças
O Comitê Brasil em Defesa das Florestas, que reúne dezenas de entidades ambientais e movimentos sociais do campo, avaliou que a presidenta Dilma Rousseff não cumpriu sua promessa de não anistiar desmatadores, apesar de ter contrariado “interesses dos setores mais arcaicos do latifúndio”. Eles criticaram não tanto os vetos e alterações, mas o que o Governo deixou de mexer. O Comitê considera que houve anistia porque foram consideradas áreas consolidadas aquelas em que houve desmatamento até 22 de julho de 2008. Isto não se justificaria porque a última legislação sobre APP é de 1989 e sobre Reserva Legal é de 1996. Portanto, os desmatamentos feitos neste período em APP ou RL foram feitos descumprindo a legislação vigente.
Além disto, o Comitê ressalta que a recomposição de APPs proposta pelo Planalto é apenas para margens de cursos d’água, lagos, lagoas, espelhos d’água, nascentes. Assim, o Comitê considera que houve “anistia total” para ocupações em topos de morro, encostas e manguezais. As entidades também afirmam que haverá anistia de até 80% de recomposição em matas ciliares, porque a recomposição de APPs em margens de rios variava entre 30 a 500 metros no Código anterior e agora variará de 5 a 100 metros. Quanto a nascentes, espelhos d’água, lagos e lagoas, estimam que haverá anistia de recomposição entre 50 e 80% do que precisaria ser feito pela legislação anterior.
Pela falta de mudanças do Planalto com relação ao texto do Congresso, as entidades apontam também que haverá redução de Reserva Legal em relação ao Código Florestal anterior, inclusive na Amazônia. O Comitê também critica o veto ao artigo 43º que previa recomposição pelos setores elétrico e de abastecimento de água em toda a bacia hidrográfica em que estiverem explorando, “único incentivo positivo (econômico) concreto para recomposição de APPs (contribuição do setor elétrico) previsto na Lei aprovada pelo Congresso”, segundo as entidades.
Entidades do campo e parlamentares ruralistas se dividem
O Código Florestal dividiu pequenos e grandes produtores e representantes da bancada ruralista. O próprio Paulo Piau, relator do texto que sofreu 12 vetos e 32 alterações, pareceu satisfeito com o resultado. Ele afirmou que a presidenta foi “corajosa” ao não ceder às pressões por veto total ao projeto. Piau disse que os ruralistas vão tentar alterar na MP algumas normas, como a definição de pousio, a qual, para ele, não pode ser a mesma para todo o país. “Definir em uma lei geral cinco anos e 25% da propriedade para valer para a Floresta Amazônica, para a Caatinga e para a Mata Atlântica, tecnicamente não é conveniente”, disse.
Reação bem diferente teve o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO) que sugeriu que iria entrar com uma ação no STF contra a Medida Provisória e qualificou os vetos de Dilma como uma “atitude truculenta” e um desrespeito ao Congresso. A presidenta da CNA, Kátia Abreu, por sua vez, declarou no Twitter, logo após a divulgação dos vetos no dia 25 que a “caneta da presidenta Dilma foi verde-amarela”. “Pequenos produtores foram beneficiados com o novo Código”, escreveu na rede social.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) também avaliou como positiva a intervenção do Governo no Código Florestal. Em nota oficial, a entidade disse que “o objetivo dos vetos é beneficiar a agricultura familiar que ficou prejudicada na redação do relator da Câmara e recompor o conteúdo do texto do Senado que trata da conservação e a preservação ambiental, além de retirar a insegurança jurídica e o risco de inconstitucionalidade resgatando o texto do Senado”.
A CONTAG destacou como positivo o escalonamento da recomposição de APPs, justamente um dos fatores que desagradou parte dos grandes produtores. A Federação de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (FARSUL), por exemplo, afirmou que o Governo está criando divisões entre o agricultor. “Hoje existem duas leis, uma para pequenos produtores com até quatro módulos fiscais, e outra para os demais. Entendíamos que não existiria mais esta prática de governo embasada na máxima de que dividir é melhor para administrar. Para a Farsul, produtor rural não tem tamanho”, disse o presidente da entidade, Carlos Sperotto.
Extraído do sítio Sul21
Extraído do sítio Sul21
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