Lixões, como o de Conselheiro Lafaiete, na Região Central, são grave problema em 16,9% dos municípios mineiros, segundo levantamento da Abrelpe
Os urubus rondam o terreno fétido e imundo. Na montanha de detritos, a imagem estampada do atraso e do risco de doenças. Em outro lugar, a camada recobre os resíduos de maneira ineficaz, sem espantar pragas, como insetos e ratos que rondam o local à espera dos restos. Essas são cenas comuns em todo o Brasil, onde mais da metade dos resíduos sólidos coletados diariamente (58,1%) são enviados para depósitos a céu aberto ou aterros controlados – opção igualmente perigosa de tratar o meio ambiente. Em Minas, um dos estados mais desenvolvidos do país, a situação é também preocupante: 35,9% do lixo recolhido em território mineiro são descartados incorretamente. Os dados, relativos a 2011, foram divulgados ontem pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Minas é o terceiro estado que mais gera e também o terceiro que mais coleta resíduos – 17.445 toneladas por dia e 15.737 toneladas por dia, respectivamente. Mas, quando o assunto é a destinação adequada, cai para a sexta posição, atrás de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. De todo o resíduo recolhido, 64,1% vão para aterros sanitários, 19% para aterros controlados e 16,9% acabam nos lixões. Na comparação com dados anteriores, fica claro que a evolução anda a passos muito lentos. No ano passado, houve aumento de apenas 1% na quantidade de material descartado corretamente, em relação a 2010.
O ritmo causou espanto à Abrelpe. “Esperávamos um panorama melhor em 2011, como consequência da implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Mas nos surpreendeu perceber que, passado mais de um ano da sanção da lei, não tenhamos efeitos práticos consideráveis, a não ser a sensibilização para o tema”, afirma o diretor-executivo da associação, Carlos Silva Filho. Ele se refere à Lei 12.305, que determinou prazo até o início de agosto de 2014 para que todas as cidades brasileiras eliminem completamente os lixões e construam aterros sanitários.
Silva Filho destaca, no entanto, que a proibição dos depósitos a céu aberto não é novidade e teve início em 1981, com a Política Nacional de Meio Ambiente. Em 1995, com a Lei de Crimes Ambientais, as práticas foram criminalizadas, com possibilidade de prisão para quem descumprir a norma. “O problema é que sempre houve leniência do poder público com esse tema. A lei de resíduos sólidos veio para reforçar e determinar prazo para aquilo que sempre foi ilegal. Os municípios já estavam cansados de saber que não poderiam manter seus lixões, por isso, não vale a justificativa de que quatro anos é um prazo curto”, ressalta.
Os 35,9% de resíduos sólidos descartados incorretamente em Minas estão concentrados em 74,7% dos municípios. Das 853 cidades mineiras, apenas 80 têm aterros sanitários e outras 136 usinas de triagem e compostagem. A maioria absoluta convive com descarte a céu aberto (278) ou com o “quebra-galho” dos aterros controlados (359), que nada mais são do que uma linha tênue para o lixão.
Conduta quebrada
O presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Ilmar Bastos Santos, lembra que, entre 2005 e 2006, foram firmados mais de 500 termos de ajustes de conduta (TAC) com os municípios na tentativa de solucionar o problema. Mas a maioria não cumpriu, sob alegação de falta de recursos ou por simples má vontade política.
O aterro tem custo relativo para esses municípios. Os TACs ainda estão em execução, o que vai implicar multa e não resolverá o problema. Decidimos, então, trabalhar com consórcios para mudar a situação”, diz. Seis deles já foram formalmente constituídos e abrangem 38 cidades. Outros 48 estão em fase de articulação e poderão beneficiar 470 municípios. O maior deles é o megaconsórcio do Colar Metropolitano, com 47 cidades, exceto BH e Sabará. Até o dia 28,está aberta consulta pública para que catadores de materiais recicláveis, operadores de tecnologia nacionais e internacionais e investidores opinem sobre o que pode ser acrescentado ou mudado no projeto.
Multas bancariam usinas de triagem
Uma nova tentativa para ajudar os municípios que ainda mantêm lixões e aterros controlados foi posta na mesa de negociações. Uma comissão formada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Associação Mineira de Municípios (AMM) e Ministério Público estadual busca soluções para quem está com a corda no pescoço. Na primeira reunião do grupo, na segunda-feira, uma das propostas apresentadas foi a construção de usinas de triagem e compostagem em municípios de pequeno e médio porte que têm, em comum, multas recebidas pelo descumprimento da legislação, mas não pagas.
A secretaria e o MP prometeram fazer o levantamentos dos débitos. O promotor Luciano Badini, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, adianta que cada multa é de R$ 20 mil e a maioria das prefeituras tem saldo devedor entre R$ 80 mil e R$ 100 mil. Em vez de pagar ao estado, as prefeituras investiriam na criação de consórcios. “O município não consegue fazer sozinho, a única alternativa é a reunião de vizinhos, com inclusão, necessariamente, dos catadores de material reciclável no projeto e implantação de coleta seletiva. É uma alternativa boa e barata”, afirma.
Três quartos dos municípios estão na corda bamba. De um lado, a aproximação do fim do prazo para erradicar essas áreas ilegais está acabando e quem não se adequar terá sérias consequências, inclusive financeiras – hoje, recursos do estado e da União já priorizam a formação de consórcios. De outro, há o risco de prefeitos serem responsabilizados criminalmente. O MP mudou a estratégia e enquadrou os administradores. Eles podem agora responder por crime de poluição, segundo a Lei de Crimes Ambientais, e por improbidade administrativa ambiental – uma maneira de evitar que as multas simplesmente passem de uma gestão para outra.
O presidente da AMM e prefeito de São Gonçalo do Pará, no Centro-Oeste de Minas, Ângelo Roncalli, vê com simpatia a solução, já que tratar o lixo individualmente é um problema para cidades de pequeno porte. “É muito caro manter um aterro se não tiver um volume de lixo considerável. Um projeto bem menor já custa muito. Hoje, criar uma usina de compostagem e fazê-la funcionar adequadamente fica em torno de R$ 600 mil a R$ 800 mil, inviável para a maioria das cidades”, diz, acrescentando que não acredita em negligência das prefeituras.
Neste mês será publicado o decreto que regulamentará a Lei Estadual 18.823, de novembro de 2011, concedendo o Bolsa reciclagem a integrantes de associações e cooperativas de coleta de material reciclável. Serão destinados, inicialmente, cerca de R$ 3 milhões para a iniciativa, segundo o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Ilmar Bastos Santos. O valor da bolsa será de acordo com a produção. As instituições participantes deverão se cadastrar para ter direito ao recurso.
Análise da notícia - Lixo dá voto? - Paulo Nogueira
O grave problemas dos lixões já passou do limite do bom senso e da saúde pública há muitos anos. É alarmante a constatação de que 75% dos municípios mineiros ainda mantêm lixões ou aterros controlados, ambos incapazes de dar destinação adequada a montanhas diárias de resíduos. Não é mais possível ficar na eterna retórica, mesmo verdadeira, da falta de recursos dos pequenos municípios. Que as prefeituras não têm dinheiro é claro e notório, então que se busquem soluções, como a dos consórcios com recursos públicos e privados, que parecem ser uma boa saída. O problema maior é a falta de vontade. Afinal, lixo bem tratado rende voto? Deveria render, mesmo porque uma população contaminada pelo foco de doenças dos lixões pode não ter condições de eleger ninguém.
Extraído do sítio Estado de Minas
Extraído do sítio Estado de Minas
Nenhum comentário:
Postar um comentário