Baltasar Garzón com o Governador Tarso Genro |
O governador Tarso Genro não é homem de viver com a cabeça escondida na areia. Não tem complexo de avestruz. Tomou uma atitude que engrandece a sua gestão: criou a Comissão Estadual da Verdade. Mais do que justo e necessário. Tem gente que ainda se impressiona com os grunhidos dos defensores da ditadura. Alguns insistem numa estratégia viciada: investigar e punir os dois lados. Acontece que um lado, o daqueles que resistiram ao regime militar pelas armas ou não, foi investigado e punido. O outro, o dos torturadores e dos algozes do sistema, nunca foi incomodado. Tem torturador que anda por aí se refestelando ou dormindo em sofá feito gato gordo. Não dá mais. O Brasil tem muito a aprender com seus vizinhos platinos. Na Argentina, a visão dos que se opuseram à ditadura e por ela foram perseguidos vai entrar nos currículos escolares. Si!
Para coroar o seu gesto corajoso, Tarso Genro trouxe a Porto Alegre o juiz espanhol Baltasar Garzón, o homem que mandou botar Augusto Pinochet na cadeia. Como se diz no popular: esse é galo. Tiro o meu chapéu para ele. Pinochet foi um dos ditadores mais pusilânimes da América Latina. É triste ouvir alguém dizer que, ditador ou não, ele contou muito para a estabilidade econômica do Chile. A economia jamais pode servir de pretexto para a supressão da democracia. É melhor viver na crise econômica e social do que numa economia ditatorial perfeita. No Chile, bem entendido, não houve qualquer perfeição. Nem econômica. Houve um regime nojento. Garzón encarou Pinochet e também o franquismo. Como o leitor sabe, a Espanha conheceu uma chaga ao longo de boa parte do século XX, a ditadura de Francisco Franco, cuja influência ainda se faz sentir sobre os setores e indivíduos mais retrógrados do país. Pestes como Pinochet e Franco deixam marcas devastadoras.
Baltasar Garzón desempenhou um papel tão importante na conservadora Espanha que atraiu a fúria de muita gente. Passou a ser perseguido. Arranjaram pecados incríveis para ele. Foi suspenso da sua função de magistrado. Seu crime: prevaricação. Por quê? Por ter se declarado competente para investigar os crimes da repressão franquista. Sem dúvida, um crime bárbaro. O mesmo pode vir a acontecer no Brasil. Basta algum procurador declarar-se competente para investigar os crimes da ditadura brasileira. Alguns vêm tentando procedimentos semelhantes em relação aos chamados crimes permanentes. Por exemplo, os sequestros, que não prescrevem e não estariam cobertos pela Lei da Anistia. Garzón deveria ser condecorado. É um herói internacional. A Espanha deve ter mais orgulho dele que de Fernando Alonso e dos campeões do mundo e da Europa. Não é todo dia que se tem um sujeito com audácia para enfrentar o pior.
Pois é, teremos uma Comissão Estadual da Verdade sob a tutela simbólica de Garzón, o intrépido. Em Palomas, a palavra intrépido não existia. Ou ninguém a conhecia. Lá, o povo, na sua simplicidade, com o perdão do termo, dizia “que colhudo”. Ninguém tomava isso, nessa acepção, por palavrão. Intuía-se que a pessoa estivesse querendo dizer apenas isso: “intrépido”. Na pressa, falavam, na verdade: “Mas que cuiudo!”
Extraído do sítio Correio do Povo
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