25 julho 2012

ELEIÇÕES 2012 NA VENEZUELA: ANTECEDENTES E A ATUAL CONJUNTURA - Renata Peixoto de Oliveira



É muito provável que Chávez seja o candidato aclamado pelas urnas em outubro, mas é difícil prever as condições de seu governo nestes seis anos que o aguardariam.

O Surgimento do Fenômeno Chávez

“Compañeros: lamentablemente, por ahora, los objetivos que nos planteamos no fueron logrados en la ciudad capital; es decir, nosotros aquí en Caracas no logramos controlar el poder".
Hugo Chávez – 04 Fev.1992

O controverso presidente Venezuelano, Hugo Rafael Chávez Frías, surgiu como fenômeno político em um momento de grande convulsão política nacional. Após a substancial entrada de petrodólares na década de 1970, período em que a economia do país foi beneficiada pelas crises do Petróleo de 1973 e 1979, seguiu-se uma década de estagnação econômica, que pôs fim ao período da “bonança” em decorrência da queda dos preços do petróleo no mercado internacional, da descoberta de novas reservas em outras regiões do mundo e pela deterioração das condições de vida da população. Na década de 1980, o país que era, há décadas, conhecido pela sua condição de excepcionalidade frente aos demais vizinhos, por ser um importante Estado Petroleiro (Petro State) e por apresentar um dos mais estáveis e duradouros regimes democráticos da região1, viu ruir sua economia e suas instituições políticas.

A crise foi deflagrada em 1989, após o aumento das passagens de ônibus na cidade de Caracas, ocasionadas pelo aumento do preço da gasolina. Manifestantes e polícia se enfrentaram em uma batalha sangrenta que, além de mortos, feridos e de uma onda de saques, desestabilizou o governo de Carlos Andrés Perez (Ação Democrática), em seu segundo mandato2.

A crise se agravou com escândalos de corrupção que levaram ao processo de impedimento (impeachment) do presidente em 1993. No ano anterior, uma tentativa de golpe militar fracassada, liderada por um jovem tenente-coronel, veio ao encontro dos anseios de uma população cansada de viver à margem do Sistema Político e de não ter desfrutado dos benefícios que as elites tiveram em tempos áureos. Aquele jovem militar, que um dia sonhou em ser um jogador de beisebol, era Hugo Chávez, que apenas naquele momento, como ele mesmo disse, por ahora, desistiu de dar o tiro de misericórdia naquele regime político já em ruínas.

O Cenário eleitoral Venezuelano na última década
“Juro delante de Dios, juro delante de la Patria, juro delante de mi pueblo que sobre esta moribunda Constitución impulsaré las transformaciones democráticas necesarias para que la República nueva tenga una Carta magna adecuada a los nuevos tiempos. Lo juro". Discurso de posse de Hugo Chávez -02 de Fev. 1999
Após o malfadado golpe, Chávez passou dois anos na prisão até ser anistiado pelo então presidente Rafael Caldera3. No pleito eleitoral de 1998, incentivado a tomar a via eleitoral pelo velho líder comunista, Luis Michelena, ele lançou sua candidatura pelo Polo Patriótico, uma aliança popular formada por partidos de esquerda como Patria para todos, Partido Comunista e Movimiento al Socialismo (MAS). Chávez era o único candidato que se distanciava das velhas elites, dos partidos políticos tradicionais; era um sinal de novos tempos com seu projeto de refundação da República Venezuelana.

Em 1998, Chávez venceu seu principal oponente, Salas Romer ,que se apoiava em uma coligação que reunia os principais partidos políticos que serviram de base para o regime puntufijista, COPEI e AD. Como resultado das urnas, Hugo Chávez obteve 3.673.685 (56,20%) contra 2.613.161 (39,97%) obtidos por Romer.

No primeiro ano de governo, foi referendada uma nova constituição conhecida como constituição Bolivariana. Ademais, foram aprovadas as 49 leis habilitantes que permitiram ao presidente governar por decreto durante os primeiros meses de governo, o que facilitou a aprovação de duas importantes leis que reformaram o marco legal do setor petroleiro, em vigor desde 1943, sem consideráveis alterações4, a de hidrocarbonetos gasosos (1999) e, futuramente, a de hidrocarbonetos líquidos (2001).

Com a nova Constituição, o mandato do presidente da República passou de cinco para seis anos, instituiu-se a reeleição, o Congresso Nacional foi extinto sendo substituído pela Assembleia Nacional que passou a ser unicameral. Foram considerados nulos todos os mandatos estabelecidos pela constituição anterior, de 1961, e convocadas eleições gerais para julho de 2000. Novamente, Chávez sagrou-se vitorioso sobre seu principal oponente, dessa vez, Arias Cárdenas, obtendo cerca de 60% dos votos contra 37% do segundo colocado.

Nos dois primeiros anos de governo, o foco era o estabelecimento de uma nova constitucionalidade democrática, das bases de um novo regime político, além do alcance da estabilidade macroeconômica.

Mas com a reforma petroleira realizada em 2001, a oposição acirrou-se e a polarização política foi inevitável. Ocorreu uma disputa de interesses entre executivos da estatal petroleira PDVSA e governo, disputa esta que ganhou contornos dramáticos, gerando profunda instabilidade política. O resultado foi à tentativa fracassada de golpe contra o presidente Venezuelano, em 12 de Abril de 2002. Chávez chegou a ser mantido preso, durante dois dias, no Forte Tiúna. Mesmo retornando ao poder, com forte apoio popular, o governo Chávez não conseguia contornar a crise e os ataques vindos da oposição. Mais uma tentativa para derrubar o presidente do Palácio Miraflores, foi a greve do setor petroleiro, o chamado “paro” petroleiro de 2003.

Apenas em 2004, recobrada a estabilidade política e com uma maior margem de manobra pelas melhores condições macroeconômicas, foi realizado o chamado “recall”, uma inovação institucional que permite aos eleitores revogarem o mandato do presidente eleito. Para se revogar o mandato presidencial, precisa-se já ter passado a metade do mandato, com a obtenção da assinatura de 25% do eleitorado inscrito que participou no pleito que decidiu pela eleição da autoridade cujo mandato está sendo questionado. Ainda assim, no referendo revocatório, é necessário o comparecimento de 25% do eleitorado às urnas, e para que o mandato seja, finalmente, revogado, deve-se obter uma votação superior àquela obtida pelo mandatário quando eleito originalmente. Em 2004, a oposição conseguiu reunir o número de assinaturas necessárias, mas Chávez, novamente, confirmou mais uma vitória nas urnas, mantendo-se no cargo e com maior legitimidade para governar.

Tabela: Resultado Referendo Revogatório 2004

Alternativa                    NÃO                     SIM

Votos                       4.991.483             3.576.517 

Porcentagem              58,26%                41,74%

A alternativa NÃO significava não ao fim do mandato do presidente Chávez enquanto a alternativa SIM pelo fim do mandato de Hugo. Estes Resultados representam 94,49% do total de votos. Disponível em http://pdba.georgetown.edu/Elecdata/Venezuela/refpres2004.html

Finalmente, em 2006, Chávez confirmou sua última grande vitória eleitoral ao sagrar-se reeleito ao cargo de presidente da Republica Bolivariana da Venezuela. Novamente, com uma maioria esmagadora dos votos, Chávez venceu Manuel Rosales, do partido Un Nuevo Tiempo, que obteve apenas 36,9%, contra 62,84% dos votos.

Eleições, mídia e o futuro da Revolução Bolivariana

Eleito para o período 2007-2012, Chávez lança-se em uma nova batalha eleitoral, enfrentando a luta contra o câncer, desgastes em mais de uma década no poder e a voracidade da oposição apoiada por grandes veículos de comunicação. É importante lembrar que, em 2009, foi realizado um referendo a partir do qual o mecanismo de reeleição indefinida foi adotado e é por isto que Chávez briga pelo seu terceiro mandato consecutivo. Esta foi a última grande vitória do governo nas urnas, após ter perdido o plebiscito de 2007 para aprovação de emendas à constituição.

Nas eleições presidenciais deste ano, seu maior oponente é o jovem advogado Henrique Capriles, ex-governador do Estado de Miranda, o segundo mais populoso do país, e fundador do Partido de centro direita, Primero Justicia. Importante lembrar que Capriles foi preso em 2002 acusado de apoiar e participar do golpe contra Chávez.

O pleito eleitoral ocorrerá no dia 07 de Outubro, mas as pesquisas já apontam o favoritismo de Chávez e sua reeleição é dada como certa. A despeito das divergências e diferentes números apresentados pelos diferentes institutos de pesquisa, Chávez sempre aparece com um mínimo de 15% a mais nas pesquisas de intenção de voto, fato este que é contestado por seu oponente. Para reverter o quadro, Henrique Capriles está apostando na campanha corpo a corpo enquanto o presidente se mantém mais afastado devido a seus problemas de saúde.

A mídia Venezuelana, representada pelos canais de TV Venevisión, Televén e Globovisión, continua demonizando a figura do presidente. Enquanto isto, as redes estatais e a Telesur apoiam, claramente, a situação. O papel da mídia venezuelana tem sido fundamental na vida política do país na era Chávez, por isto mesmo, o golpe de 2002 também ficou conhecido como o “golpe midiático”, situação explorada no famoso documentário “A revolução não será televisionada”. Cabe lembrar que a RCTV, também figurou como canal opositor, apoiando o golpe de 2002 e, por este motivo, teve a renovação de sua concessão pública negada em 2007, fato que gerou duras críticas ao governo.

Outro fator importante a ser destacado é a entrada da Venezuela no Mercosul já que isso pode favorecer a campanha presidencial de Hugo Chávez, tendo em vista a postura do segundo candidato, que em um futuro próximo poderia promover uma reaproximação com os Estados Unidos e reverter o quadro de saída da Venezuela da Comunidade Andina de Nações, fato ocorrido em 2006 por divergências com a Colômbia e Peru.

Apesar do favoritismo, o cenário político Venezuelano ainda é incerto, principalmente pela doença do principal mandatário da nação e pelo próprio desgaste ou necessidade de trazer à tona novos líderes que apoiem a Revolução Bolivariana, depois de passados 12 anos no poder. É muito provável que Hugo Chávez seja o candidato aclamado pelas urnas em Outubro próximo, mas é difícil prever as condições de seu governo nestes seis anos que o aguardariam. Independentemente das futurologias acerca da permanência de Chávez no poder, é inegável o fato de que a sociedade Venezuelana passou por profundas transformações desde a sua chegada ao palácio Miraflores em 1999, tão inegável quanto o fato de que esta mesma sociedade almejava profundas mudanças quando deixou claro seu descontentamento com o Sistema Político por ocasião do Caracazo, dez anos antes. Com Chávez ou sem Chávez e mesmo com uma parcela expressiva da população apoiando a oposição, a maior parte da sociedade Venezuelana, dificilmente, aceitaria um retrocesso com relação ao investimento do governo em gastos sociais, a uma ampla participação política e a defesa da soberania do país. É por isso que Chávez segue como favorito, é por isso que a Revolução está em curso.

Renata Peixoto de Oliveira é Doutora em Ciência Política pela UFMG, professora e coordenadora do curso de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Autora da tese Velhos fundamentos, novas estratégias? Petróleo, Democracia e a Política Externa de Hugo Chávez (1999-2010). UFMG. 2011.

1 O regime democrático foi estabelecido em 1958, com a assinatura do Pacto de Punto Fijo que deu origem a uma democracia pactuada cujos principais Partidos que se revezavam no poder eram a Ação Democrática e o Copei.
2 Perez foi presidente de 1974 a 1979, pela AD.
3 Fundador do COPEI, presidente por este Partido entre 1969-1974, mas eleito para um segundo mandato pelo Convergéncia (1994-1999).
4 Nem mesmo o processo de nacionalização, com a criação da Estatal PDVSA, ocorrido em 1976, mudou de maneira tão considerável o marco legal do setor petroleiro, tendo em vista que na década de 1980 esta empresa passou por um processo de internacionalização e teve início um processo de Apertura Petroleira, promovida pelo presidente Perez.

Extraído do sítio Brasil de Fato

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