Com o fim do rigoroso inverno norte-americano, movimento voltou a ocupar ruas da maior metrópole dos EUA. Artigo de Pedro Henrique, do Opera Mundi.
"Empresas não são pessoas", diz cartaz de ativista durante movimento organizado pelo Occupy Wall Street, em Nova York, nesta quarta (2) (Foto: CC/asterix611/Flickr)
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Apesar de ser o berço do Dia do Trabalho, os Estados Unidos não têm a tradição de baixar as portas do comércio, nem fechar fábricas e escolas, como ocorre em quase todo o mundo. Ontem, porém, os manifestantes do movimento Occupy Wall Street mudaram este cenário, confiantes no lema que disseminam desde o ano passado: “Nós somos os 99% e podemos mudar o mundo”.
Após uma pausa devido ao rigoroso inverno no hemisfério norte, o movimento que protesta contra o sistema financeiro internacional e se espalhou pelo globo em 2011 voltou à ativa neste 1º de maio, com uma manifestação sem precedentes em Nova York.
O recado já havia sido dado, como noticiado no Opera Mundi: não ao consumo, ao trabalho, à escola. E eles cumpriram o que prometeram. Jovens, famílias inteiras com bebês de colo, idosos, mendigos, hipsters e engravatados ocuparam as ruas de Manhattan pacificamente, com guitarras, violões, bandeiras, cartazes, discursos, canções e gritos de protesto no simbólico ‘feriado’.
O movimento, que foi alvo de uma articulada repressão por parte da polícia norte-americana – que evacuou todos os ocupantes de suas bases, proibindo-os de ali voltarem a acampar – renasceu. A iniciativa começou cedo, com a ocupação do Bryan Park, na rua 42 com a 6a Avenida. O Occupy ainda realizou ações pontuais em alguns pontos de comércio e bancos (os vilões da crise americana de 2008, ajudados por Barack Obama para não quebrarem). Cartões-postais, como a ponte de Williamsburg, também foram ocupados.
Por volta das 14h (15h no horário de Brasília), centenas saíram em direção à Union Square, tomando a 5a Avenida, o símbolo-mor do consumismo nova-iorquino. Sempre acompanhados pela polícia, eles respeitaram até a rua 33 o cercadinho humano que os impossibilitava de tomar – literalmente – a avenida. Dado instante, porém, a multidão ficou irrefreável. A polícia perdeu o controle da situação – e a 5a Avenida foi, literalmente, ocupada. A liberdade, contudo, durou pouco, segundos. Centenas de policiais voltaram a cercar alguns manifestantes e prende-los
Grande parcela dos ‘ocupadores’, entretanto, deu continuidade à caminhada e, por volta das 15h, já dominavam a Union Square, monitorada pelos homens da NYPD (o departamento de polícia de Nova York). “Loucura, era disso que eu estava falando”, dizia uma das manifestantes à amiga que empunhava a bandeira da anarquia, correndo em direção à praça. Lá, os discursos – e reivindicações – se misturavam, chamando atenção para os mais distintos assuntos: aborto, imigração, drogas, direitos de GLBT, cadeirantes. Todos, no fim, desembocavam no mesmo grito: o fim do capitalismo e dos privilégios ao 1% mais rico da população.
Encontro de classes
A professora Suzane, de 65 anos, que se recusou a dar o sobrenome por medo de retaliação, exaltou o Occupy como a “única salvação” para o sistema atual. “O dia de hoje é crucial para a história dos Estados Unidos. A única salvação para todo o mundo é a ocupação em Wall Street. Você tem aqui ricos, pobres, jovens e idosos, fora um monte de gente que não está aqui por medo de perderem seus trabalhos: gente da minha família inclusive. Em 65 anos nunca vi nada igual”, declarou Suzane.
Para a professora, o movimento é, sobretudo, “apolítico”. “Democratas ou republicanos, nós já vimos que nada acontece. A mídia, que deveria dar atenção a isso, é controlada pelo [Rupert] Murdoch, nada é noticiado. Por isso estamos aqui”. O jovem William, de 29 anos, que trabalha como operário em construção (e também se recusou a dar seu sobrenome), atendeu ao clamor do lema do “May Day” e “enforcou” o dia de trabalho para se juntar ao Occupy. Ele ressaltou a importância dos jovens – e da união com as diversas faixas etárias, raças e classes sociais.
William, entretanto, lembrou o medo de um grande número de trabalhadores que poderiam se juntar à causa e não o fazem por preverem represálias. “Eu acredito no Occupy, mas só não sei se ele consegue ser efetivo com esse número que temos aqui manifestando”, disse. A tese de represália – “num mundo cruelmente corporativista”, como pontuou Suzane – faz sentido. Diversos policiais empunhavam câmeras durante o manifesto – e, claro, que com intenções outras que a mera curiosidade ou o puro registro. Se negavam, no entanto, a explicar o uso da máquina.
Rumo ao coração financeiro
Por volta das 16h30, um chamado do palco convocou as milhares de pessoas que ocupavam a Union Square e seus arredores para seguir em marcha ao Zucotti Park, em Wall Street, onde tudo começou. Os manifestantes passaram pela Broadway, interditando uma das principais avenidas de Manhattan, em meio às diversas grifes que pipocam pelo miolo do sofisticado bairro do SoHo. Moradores, turistas e comerciantes, em sua maioria, fotogravam, comentavam, aplaudiam. Outros, fechavam as portas, como uma loja da rede Starbucks.
A nova-iorquina Margie, 61 anos, dava de ombros ao cerco policial e sorria em meio à multidão, já a caminho do coração financeiro da cidade. Dizia-se feliz por participar e interagir com o ato “histórico”. “O que está acontecendo aqui é muito importante. E essa união, especialmente, pode mudar muita coisa. Eu espero que mude”.
Entretanto, nem tudo foram flores. Ainda no caminho, um policial questionado sobre como reagiriam quando os manifestantes chegassem a Wall Street, alterara: “Isso certamente não vai acabar bem”.
A exemplo de outras iniciativas do Occupy, como a caminhada na Ponte do Brooklyn e a marcha do Occupy Times Square, dezenas de manifestantes foram presos. A reportagem presenciou duas detenções, com direito a algemas e camburão. Uma das manifestantes presas, perguntada por alguém da imprensa porque estava sendo detida, limitou-se a responder, quase em silêncio, “porque eu sou contra”.
Próxima parada: Europa
Cidades como Paris também fizeram seu grito de resistência no 1o de Maio, mas foi apenas um ‘esquenta’ para a grande rede que irá se propagar em toda a Europa entre 12 a 15 de maio, quando eles prometem reativar a ‘revolução espanhola’ (que dominou as ruas e o Twitter com o hashtag #spanishrevolution no mesmo período do ano passado). O Occupy Wall Street, aliás, foi inspirado nos “indignados” espanhóis, que agregava o mesmo caldeirão de pessoas para se voltar contra o sistema.
Com o agravante da situação econômica na Europa – ainda pior que nos Estados Unidos –, a Espanha promete ser outra vez o epicentro do movimento. O país, onde uma em cada quatro pessoas está desempregada, vai fazer barulho. “O ‘May Day’ foi histórico e voltou para ficar. Mas a Europa vai queimar”, aposta o médico brasileiro Alexandre Carvalho, um dos idealizadores do Occupy.
Extraído do sítio Rede Brasil Atual
Extraído do sítio Rede Brasil Atual
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