Paris, abril: ativistas anti-AIDS protestam diante do comitê eleitoral de Sarkozy, que impõe políticas de cortes de direitos e serviços públicos |
A oligarquia financeira derrapará em Paris? Nazistas chegarão ao Parlamento grego? Um ex-ministro de Mubarak governará no Cairo?
Na última década, uma nova cultura política, que brotou de grandes mobilizações de rua e dos Fóruns Sociais Mundiais, relativizou a importância das eleições. Ela mostrou que política é algo que se pratica todos os dias, por meio de atos e posturas — e não apenas uma vontade que se delega, por meio do voto, a cada dois ou quatro anos. Ainda assim, as eleições continuam a ser muito importantes. Basta ver o que estará em jogo, nos próximos dias e semanas, em três países que se tornaram emblemáticos das possibilidades e impasses contemporâneos: França, Grécia e Egito.
A disputa de maior relevância (e talvez a de prognóstico mais favorável) é a da França. O segundo turno das eleições presidenciais será decidido no próximo domingo, 6/5. Logo a seguir, em 10 e 17 junho, virá a renovação completa do Parlamento — o “terceiro turno”, na opinião do historiador Luiz Felipe de Alencastro, que vive em Paris.
Em condições normais, seria um confronto morno: ele opõe o presidente atual, Nicolas Sarkozy, de centro-direita, a François Hollande, de um Partido Socialista (PS) que abandonou há décadas os últimos traços de rebeldia anti-capitalista. I’m not dangerous, “não sou perigoso”, fez questão de declarar o próprio candidato, numa entrevista recente à revista inglesa The Economist. Referia-se ao fato de não propor nacionalização de setores importantes da economia, como as feitas por François Mitterrand, o único membro do PS e da esquerda a presidir a França no pós-II Guerra. Porém, nas circunstâncias de recessão prolongada e crise política que marcam a Europa, mesmo uma mudança muito menos brusca pode ter vastas consequências.A vitória de Hollande é provável. A quatro dias das eleições, ele tem, em todas as pesquisas de intenção de voto, entre seis e doze pontos de vantagem sobre Sarkozy — uma margem que só um fato totalmente inesperado poderá desfazer. O que inquieta os conservadores são alguns pontos do programa do candidato socialista. Ele quer elevar a 75% a alíquota de imposto de renda sobre os salários acima de 1 milhão de euros anuais. E pretende contratar 60 mil novos professores, para restaurar o combalido sistema de ensino, depredado por anos de políticas de desmonte do estado de bem-estar social.
Tais propostas, reconhece a mesma The Economist, têm potencial para quebrar eixo Berlim-Paris, fundamental para manter as atuais políticas, de regressão dos serviços públicos, adotadas na Europa. Altamente impopulares em todos os países, elas têm sido impostas graças ao controle de instituições como o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia — algo possível devido à forte articulação entre Sarkozy e a chanceler alemã, Angela Merkel. Sem um parceiro em Paris, acrescenta The Economist, Merkel perderá inclusive condições de justificar, perante os alemães, a continuidade das políticas de corte de direitos em seu próprio país. A troco de quê eles fariam tal sacrifício, se mesmo seus vizinhos o rejeitam? Por tudo isso, a revista declarou seu apoio a Sarkozy e dedicou a capa desta semana ao candidato socialista, chamando-o de “o perigoso Monsieur Hollande”…
Outros fatores acentuam a importância das eleições francesas. No “terceiro turno”, intervirão, além de conservadores e socialistas, mais forças. Por um lado, a Frente Nacional (FN), de extrema-direita, cuja candidata à Presidência, Marine Le Pen, alcançou 18,5% dos votos, no primeiro turno. Confiante em suas perspectivas futuras, ela declarou em 1º de Maio que votará em branco, no domingo. Muitos analistas julgam que torce pela vitória de Hollande, esperando que o enfraquecimento da direita tradicional abra caminho para que a FN domine o campo dos que temem as mudanças, a esquerda e os estrangeiros.
Menos bem-sucedido no primeiro turno, o principal candidato à esquerda também não será carta fora do baralho. Jean-Luc Mélanchon alcançou 11% dos votos em abril, mas realizou os maiores comícios da campanha e restaurou a mobilização e orgulho do Partido de Esquerda (por quem concorreu) e Partido Comunista (que o apoiou). Seu apoio a Hollande, no segundo turno, é explícito. Mas nas eleições parlamentares, o setor à esquerda dos socialistas deverá apresentar candidaturas e propostas próprias. Se tiverem forte expressão no Parlamento, contribuirão para afastar ainda mais o provável governo socialista das atuais políticas europeias.
Símbolo de estabilidade até há poucos anos, a Europa tornou-se, desde a adoção dos planos de “austeridade”, em 2009, um continente intranquilo, conturbado e empobrecido. Até os cenários extremos tornaram-se possíveis, como se verá no post a seguir, sobre a Grécia. Por isso, as eleições são tão importantes — inclusive ou especialmente para quem vê política como algo que vai muito além delas…
Extraído do sítio Outras Palavras
Extraído do sítio Outras Palavras
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