Convidado a falar sobre “o futuro da democracia”, no Observatório das Crises e Alternativas, em Portugal, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, sustentou que é preciso uma análise mais modesta da realidade, visto que as crises têm servido muito menos como oportunidades de avanços na garantia de direitos e mais para recuos (como a fragilização do Estado Social na Europa). A reportagem é de Maurício Hashizume, direto de Lisboa.
Lisboa – Primeiro conferencista a contribuir com reflexões sobre os problemas e desafios da atualidade na esteira do recém-criado Observatório das Crises e Alternativas, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), sugeriu a adoção de uma postura de humildade por parte das forças políticas reunidas em torno da esquerda, sem deixar de lado a perspectiva da ousadia.
Convidado a discorrer sobre “o futuro da democracia”, Genro - que foi ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) – sustentou que é preciso uma análise mais modesta da realidade, visto que as crises têm servido muito menos como oportunidades de avanços na garantia de direitos e muito mais para recuos (como na fragilização em curso do Estado Social em países da Europa).
Essa conduta humilde, de acordo com o governador gaúcho, passa pelo reconhecimento da capacidade do capitalismo de captar as classes populares, impondo padrões de modo de vida em escala global, bem como do poder da banca financeira, que determina os rumos de Estados e suprime soberanias. Diante disso, o pensamento de esquerda, analisa, precisa assumir o desafio de se expandir para além das visões economicistas e positivistas, todas elas fundadas no paradigma da razão iluminista, e incorporar conceitos mais ligados às subjetividades como “capital cultural” e “violência simbólica”.
A partir de um quadro mais amplo que agrega e valoriza outros aspectos historicamente desvalorizados como os da cultura, o petista destacou processos de “constitucionalismo transformador” como os que estão em curso na Bolívia e no Equador, e declarou seguir vislumbrando a possibilidade de um “redescobrimento da utopia democrática”.
Os efeitos da reestruturação produtiva no mundo do trabalho são uma evidência da mudança de cenário que colocam desafios adicionais à esquerda, realçou o governador. Nesse contexto, a “ética da descartabilidade” se impôs sobre a “ética do trabalho fabril”, gerando novos tipos de subemprego. Subordinados nas relações de trabalho e na esfera da vida privada, os trabalhadores se vêem cada vez mais “espremidos”. A própria distinção entre trabalho e lazer, emendou o ex-ministro, já não é mais a mesma.
Para enfrentar o poder de atração do capitalismo dinamizado por inovações tecnológicas, Genro realçou a relevância do papel de um Estado com “políticas de desenvolvimento que apontem para um novo contrato social”, ou seja, que não permaneça estático em suas instituições “clássicas”. Por meio de novos mecanismos democráticos instalados nas “fendas no sistema”, lutas sociais associadas a políticas públicas podem instaurar, na visão do governador, uma lógica de “operação interdependente com soberania” como contraponto à dominação dos mercados.
Na avaliação do petista - que também já foi prefeito de Porto Alegre por duas vezes (inclusive quando das primeiras edições do Fórum Social Mundial) -, pressões sociais combinadas com políticas de governo viabilizaram a emergência de novos sujeitos sociais (por meio do crescimento com priorização de investimentos produtivos e redução das desigualdades), antes completamente excluídos, que vêm tornando a questão democrática ainda mais importante para o país. Nesse sentido, o sistema político “atrasado, oligárquico e financeirizado” constitui, para ele, um problema para o desenvolvimento do país.
“Se não houver avanços em termos de contrapontos democráticos num período histórico determinado, a grande probabilidade é de retrocesso”, projetou. Apesar de conquistas - como o aumento expressivo de jovens não apenas alfabetizados, mas com acesso ao ensino superior, bem como na redução da taxa de mortalidade infantil -, o futuro do país, assinalou Genro, continua “totalmente indeterminado”. “Não tenho arrogância [com relação aos rumos do Brasil]”, emendou. Dependerá da consolidação, segundo ele, de um “bloco policlassista” que seja capaz de se opor à tutela do capital financeiro globalizado.
Como contribuições práticas ao exercício da democracia, o governador do Rio Grande Sul anunciou a adoção de um sistema amplo e combinado de participação social cidadã em âmbito estadual que integrará diferentes mecanismos como as assembléias abertas deliberativas de orçamento participativo com meios de interface digital e a intervenção de conselhos setoriais. Além disso, citou o envio de um projeto à Assembleia Legislativa para criação de uma empresa pública sob controle social de um conselho cidadão que será responsável pela fiscalização e acompanhamento dos pedágios em rodovias que cruzam o Estado.
Ações locais, regionais e nacionais à parte, o fortalecimento do contraponto às máximas mercantis também dependem de ações em escala global, complementou Genro. Nesse âmbito, ele afirmou que segue sendo favorável à regulação financeira por meio de instrumentos como a Taxa Tobin, que prevê a tributação das transações do mercado financeiro. “Mas quando se terá potência política para isso? É difícil saber”, respondeu.
A construção de um programa mínimo de enfrentamento da crise pela esquerda também foi cogitado pelo governador. Uma plataforma única que possa unir distintos setores – que leve em conta as características sociais, políticas, econômicas e culturais de cada país e região - poderia, na opinião de Genro, ajudar a dar início a um processo de mudança.
Extraído do sítio Carta Maior
Extraído do sítio Carta Maior
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